Os três cantores fizeram show no Citibank Hall, nos dias 4 e 5, com repertório de músicas inéditas e sucessos
Por Adriana Del Ré
Nando Reis é o menino impetuoso e viril. Gilberto Gil, o rapaz maduro calejado pela idade. Gal Costa, a moça. Gil compôs a canção Trinca de Ases pensando nessas ‘imagens-fantasia’. E é assim que o músico descreve os três na letra, incluindo, claro, ele próprio. O gracejo se estende para outras definições: os “três mosqueteiros, três patetas, três poetas da canção”. A música foi feita especialmente para o projeto do trio, o show Trinca de Ases, que Gil, Gal e Nando estreiam em São Paulo, no Citibank Hall, nos últimos dias 4 e 5, e seguem em turnê, pelo menos até o fim deste ano, com apresentações já confirmadas no Rio, nos dias 11 e 12 de agosto; Fortaleza, em 16 de setembro; Recife, em 11 de outubro; e Porto Alegre, em 19 de outubro.“Pensei que sou o mais velho de todos, e ele é o mais novo (risos), e ela é a moça, com a voz ágil”, diverte-se Gil, em entrevista ao Estado.
Trinca de Ases, a canção, nasceu para abrir o show, como uma espécie de prólogo. “Quando nos reunimos para pensar em repertório, Nando me disse que queria uma abertura que fosse um pouco um ‘statement’ sobre nós, um pouco aos moldes do que havia sido a canção Os Mais Doces Bárbaros, para o projeto Doces Bárbaros. Ele até mencionou isso, e fiquei com aquilo na cabeça quando fui pensar na música. Pensava nisso: nós três, uma pequena ‘descrição-fantasia’ do que somos nós três, e aí surgiu a Trinca de Ases”, conta Gil.
Além dessa canção, o set list reúne outras três composições inéditas. Tocarte é a primeira parceria de Nando Reis e Gil. “É uma letra do Gil que musiquei e depois terminamos juntos”, diz Nando, ao Estado. Ele compôs também Mãe de Todas as Vozes, escrita para Gal e que vai ser cantada por ela nos shows. A outra é Dupla de Ás. “Eu a escrevi também derivada da ideia do Trinca. O projeto foi muito estimulante, me deu vontade de produzir. Mostrei para eles, o Gil gostou e a gente incluiu. Acho que uma das coisas importantes nesse encontro é que ele não é apenas uma celebração, não é revisitação. Embora o grosso do repertório seja composto por músicas que já foram feitas, há novidades do nosso encontro. São quatro inéditas, o que não é pouco”, continua Nando.
Gil fala também da importância das músicas criadas para o projeto. “É interessante, porque eu sou compositor, ele (Nando) é compositor. Somos bandleaders, a Gal também é”, observa. “E o fato de juntar os três também despertava uma certa curiosidade nesse sentido, que não fosse apenas um elenco dos nossos repertórios, mas que tivesse alguma coisa que surgisse desse encontro.”
Mas, sim, o repertório de carreira dos três estará lá, em diálogo entre si.
Eles, não entanto, não entregam muitos detalhes. Gal garante a presença de Baby, um de seus grandes sucessos; Gil revela que terá Refavela. E, de Nando, serão de músicas conhecidas, como O Segundo Sol, a mais obscuras, como O Seu Lado de Cá. “Escolher o repertório de show é uma dosagem”, acredita Nando. “É um equilíbrio entre controle e descontrole, a coisa se dá na hora, com aquela plateia, com todas as variáveis de como cada um está naquele dia.”
O início do projeto. Em suas trajetórias, Nando Reis, Gilberto Gil e Gal Costa se tornaram protagonistas. Ou bandleaders, como diz Gil. No show Trinca de Ases, eles serão três expoentes da música brasileira dividindo o mesmo palco, os mesmos holofotes. Gal e Gil já são velhos amigos, companheiros na música, irmãos. Isso desde a juventude em Salvador, quando se conheceram pela primeira vez, por intermédio de Caetano Veloso. “Ele já estava namorando com a Dedé, a Gal era vizinha dela, e Caetano ficou logo sabendo também que ela cantava, ficou impressionado com a voz dela e nos conhecemos”, recorda-se Gil. Tempos depois desse episódio, Gil, Caetano, Gal e Bethânia formariam os Doces Bárbaros. “A gente se entrelaça e se compreende de uma forma tranquila, natural”, comenta Gal, sobre Gil, em conversa com o Estado.
No projeto, Nando se junta aos dois amigos de longa data como o ‘caçula’. E como é para ele ser o menino impetuoso e viril dessa turma, ao lado da moça e do rapaz maduro calejado pela idade? “Primeiro, muito lisonjeado de ser citado numa música escrita por Gil. Não apenas no projeto, como eternizado nos versos dessa música da qual eu sou um personagem. Evidentemente, tudo isso é poético, claro que pelo fato de eu ser de uma geração diferente, mas estou bem longe de ser um menino com 54 anos. No entanto, ali tem toda essa questão que, no fim das contas, é mesmo um gracejo. O fato que música é um negócio atemporal, e vou te dizer: o Gilberto Gil é uma potência de energia”, diz Nando.
Gal garante que Nando está se adaptando à dinâmica dela e Gil. “Ele tem muita admiração por Gil, ele diz que adora meu disco Índia. É muito entusiasmado. Como diz o Gil, é um menino impetuoso. Então, ele está curtindo muito”, diz a cantora.
Esse encontro inusitado dos três no palco se deu primeiro em 2016, em um show em comemoração ao centenário de Ulysses Guimarães, idealizado pelo jornalista Jorge Bastos Moreno. Ele chamou Gil, e Nando e Gal também foram convidados. Eles experimentaram, então, a catarse no palco. “A gente fez dois ensaios, não é muito porque o show era outra estrutura, muito menor e desmembrado. O Gil apresentava quatro músicas sozinho, depois eu quatro canções sozinho, depois eu e Gil seis músicas e, então, chamávamos a Gal e cantávamos mais quatro. Mas, a partir do momento que fomos tocando, houve uma soltura, uma identificação musical, uma química”, lembra Nando. “Talvez eu e Gil tenhamos uma relação com o palco com algum grau de semelhança. Fiquei empolgado e vi que o Gil também.”
Para Gil, a sensação foi a mesma. “Do ponto de vista musical, para mim, foi meu encontro com a qualidade musical do Nando, com o tipo de violão que ele toca. Fiquei muito impressionado com o modo dele de tocar violão. Isso me animou a fazer uma colaboração um pouco mais profunda com ele”, diz o músico.
Veio, então, a decisão de prolongar aquele encontro. E os três foram organizar suas agendas – e seus projetos – para levar adiante a turnê do Trinca de Ases. Afinal, Nando está na estrada com seu show jardim-pomar; Gil acabou de gravar um disco, que ainda não tem data de lançamento; Gal está com a turnê Estratosférica, gravou recentemente seu DVD e planeja um novo disco para o ano que vem.
A princípio, a turnê deve se estender até o fim deste ano, e a estrutura do show é diferente do projeto que eles participaram em 2016. As apresentações não serão mais em blocos: agora, os três estarão sempre no palco. A última semana foi intensa para o trio, com ensaios e participação no Fantástico, que vai ao ar neste domingo, 30.
Nando está em êxtase por dividir o projeto com Gil e Gal, que, segundo ele, junto com Caetano, são grandes referências na sua formação musical. E identifica discos históricos, como Expresso 2222, de Gil, Índia, de Gal, e o álbum de Londres de Caetano, o Caetano Veloso, como alguns pilares dessa influência. “Venho de uma família muito ligada à musica, tenho irmãos mais velhos, sempre compramos muitos discos e íamos muito a shows. E eu, desde muito cedo, não só ouvi discos como fui a esses shows e a maioria deles de Gil, Caetano e Gal”, conta Nando. “Vi, por exemplo, Gal Fatal muito pequeno, com 9 anos.”
Gil e Gal contam que conhecem Nando desde seus tempos de Titãs. Gil e Nando se encontraram uma ou duas vezes no palco em projetos. Com Gal, em 2016, foi a primeira vez. “Conheço as coisas dele, que a Cássia (Eller) cantava, mas eu não tinha uma intimidade muito grande com a obra do Nando. Estou tendo agora e está me surpreendendo, porque tem umas coisas bem bonitas”, diz Gal. Assim como Nando, ela e Gil estão animados com o show em parceria. “Acho que essa mistura musical do violão do Gil com o violão do Nando, com minha voz dá um bom caldo. E, misturar essas coisas, você imagina que não pode dar certo, mas música pode tudo.”
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