22 - Rainha do rádio: O gosto do sucesso
No início dos anos 50, a Associação Brasileira de Rádio (ABR), no Rio, queria fazer as pessoas acreditarem que se associar a ela fosse algo maravilhoso. A ABR fazia campanha dizendo ao público que ia oferecer hospital, tratamento e apoio total aos artistas. Pessoalmente, até hoje, nunca vi nada que pudesse dar orgulho aos que pertenciam à entidade. Mas, naquele tempo, Emilinha Borba, Marlene e minha mãe acreditavam nisso. Ainda mais depois que surgiu o concurso de Rainha do Rádio, que fortaleceu a projeção de todas as cantoras da época. Digo todas porque, com o concurso, elas tinham a oportunidade de aparecer em público, movi-mentar a carreira. Mesmo ficando em quinto lugar, o importante era ser incluída na re-lação das que estavam participando. A Revista do Rádio dava suporte publicitário ao concurso. Os votos eram conseguidos em todo o Rio, por meio de arrecadação nos espetáculos. Era uma dinheirama enorme que se recolhia a cada show, de qualquer cantora. A coroação acontecia em algum teatro importante, com uma festa majestosa. Tudo patrocinado pela abr. Minha mãe, por exemplo, costumava ar-recadar sacos e mais sacos com trocados, níqueis, cheques, entregues no dia seguinte por ela, religiosamente, para a abr. Era uma disputa acirrada, da qual os fãs participavam ativamente. O prestígio e a popularidade dessas cantoras eram testados nas praças dos bairros, nos circos, nos palcos por onde se apresentassem em nome do concurso. Com a vitória em 1951, Dalva entrou definitivamente para a história da música popular brasileira. Escrevia, sem saber ou sentir, o capítulo mais brilhante de uma era. Foi, reconhecidamente, a artista mais ilustre e autêntica do momento mais fértil de nossa música popular. Ao ser coroada Rainha do Rádio, recebendo de Marlene a faixa, ganhou como prêmio um pouco de dinheiro e um automóvel pequeno e feinho, que a fábrica queria tornar conhecido por aqui. Foi o primeiro Volkswagen Sedan que chegou ao Brasil. Era engraçado ver a curiosidade das pessoas, querendo saber de que tipo era aquele carro que viria mais tarde a ser o mais popular do país. Minha mãe era uma pessoa amorosa, capaz de gestos generosos para com a família, os amigos e os fãs. Com estes tinha uma verdadeira relação de amor. Dizia que eram as pessoas mais importantes em sua vida, pois proporcionaram o caminho para tudo. Ela me ensinou que, se a música é o nosso sangue, os fãs são as veias por onde ele circula. Guardava cuidadosamente tudo o que ganhava deles, do objeto mais simples ao mais rico. Com o mesmo carinho. Construiu em Jacarepaguá um quarto só para os presentes dos fãs. Já na fase de declínio na carreira, quando estava deprimida e sumia de casa, sabíamos que estaria lá no quartinho dos fãs. Alisando as faixas, as coroas, os troféus, os pequenos mimos… Certa noite, estava a caminho de uma apresentação numa “boate de lona”, como eram chamados os circos, e, meio atrasada, ainda se maquiava no carro. Os moradores da região, conhecendo seu percurso, costumavam esperar no caminho para saudá-la. Quase chegando ao circo, avistou um rapaz de semblante aflito que fazia insistentes sinais. Ela mandou o motorista parar. Ele implorou que ela fosse ali perto ver sua mãe, de idade avançada e incapaz de se locomover. Conhecer Dalva era o maior desejo dela. Por mais que sua secretária Virgínia Magalhães insistisse para que não fosse, argumentando que estava atrasada para o show, minha mãe saltou do carro dizendo: “Ela precisa me ver, é sua única chance. Os outros esperam . Quando eu chegar lá, também vou fazê-los felizes”. Foi até a casa do rapaz, abraçou a sua velha mãe e deixou um rastro de alegria. Esta era a Estrela Dalva.
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