Nascido há 120 anos, o instrumentista e compositor também é autor de Carinhoso, um de seus maiores sucessos, que completa um século neste ano
(foto: PEDRO DE MORAES/DIVULGAÇÃO )
No universo da música brasileira, Pixinguinha foi mais que um gênio. O fervor por ele era tanto que o jornalista Fernando Faro, criador do icônico programa Ensaio, da TV Cultura, chegou a afirmar que o músico era um “santo”. Por isso, ele dizia que Pixinguinha morreu dentro de uma igreja em Ipanema durante um batizado, em 1973 – o que de fato ocorreu. Canonizado ou não, é quase unânime que o instrumentista e compositor é um dos nomes mais fundamentais para a música brasileira. Os 120 anos de seu nascimento foram comemorados ontem.
Além dessa data, 2017 registra os 100 anos de Carinhoso, um dos maiores sucessos do compositor. A música foi composta em 1917, mas só se tornou popular 20 anos depois, quando o cantor Orlando Silva gravou uma versão (com letra de João de Barro).
“Pixinguinha foi o primeiro continente da nossa música no século 20. Digo que a música brasileira tem excelentes países, mas apenas dois continentes: ele e Tom Jobim”, afirma o historiador e pesquisador musical André Diniz, autor de Pixinguinha — O gênio e o tempo, uma biografia do músico.
Segundo Diniz, Pixinguinha foi responsável por modernizar e sistematizar parte da música produzida no século 19. “Ele é um grande herdeiro da música do período. Tanto da que era tocada nas ruas do Rio de Janeiro, com forte influência africana, quanto da música de banda e até da música de escola, mais formal”, explica.
Coordenadora de música do Instituto Moreira Salles (que mantém o acervo do músico atualmente), Bia Paes Leme também aponta que Pixinguinha foi um herdeiro da produção do século 19. Bia lembra que, por ser de uma família de músicos, Pixinguinha teve contato em casa com o choro tradicional e com outros ritmos, como a polca. “Pixinguinha pega isso e carrega para o século 20 com a abertura que ele tinha para receber novas influências e para ele próprio experimentar e criar”, comenta.
Também flautista, Bia destaca que a carreira de Pixinguinha tinha três facetas: a de arranjador, a de compositor e a de instrumentista. “Ele tem essa coisa multifacetada e permite muitos cruzamentos com diversos personagens da música brasileira, muito especialmente no início do século 20”, afirma.
A coordenadora ressalta também que, no caso de Pixinguinha, o reconhecimento não foi tardio. Desde o começo, a genialidade dele como instrumentista, compositor e arranjador foi constatada. “Na pesquisa de periódicos da época, o que impressiona muito é a admiração com que os críticos falavam dele. Existe a ideia de que, em geral, o tempo tende a agigantar as pessoas e que, no futuro, fala-se melhor do que se falou na época, mas com ele não foi assim.”
CHORO
Apesar de ter influências do que era produzido no Brasil naquele período e até de ritmos estrangeiros, Pixinguinha foi capaz de produzir de uma maneira muito própria, acredita Bia. Isso foi fundamental para desenvolver o choro como o conhecemos hoje. “Nas harmonias, por exemplo, você estuda algumas delas e não sabe se são do jazz ou de onde elas vieram, porque são coisas que ele criou. Então, ele deu uma carta de alforria para o choro se atualizar, se desenvolver”, afirma.
André Diniz concorda que o compositor e instrumentista foi importantíssimo para que o choro se consolidasse como gênero. “O choro é tanto uma forma de interpretar quanto um gênero musical e Pixinguinha sedimenta isso. Não é que não houvesse antes, mas ele foi o primeiro a oferecer uma produção volumosa e de grande qualidade”, comenta.
Para Diniz, o fato de Pixinguinha ter uma formação musical sólida e saber ler e escrever partitura contribuiu para consolidar o choro. “Ele foi um dos primeiros a registrar em partituras aquilo que era tocado, também por isso foi um grande catalisador para o gênero”, completa.
Além do choro, Bia Paes Leme acredita que ele influenciou muito a música brasileira que veio depois. “Claro que há outros nomes, mas a música brasileira foi para um outro patamar com ele. Essa música elaborada (feita por artistas como Tom Jobim, Edu Lobo, Chico Buarque, Milton Nascimento) certamente bebeu dessa fonte. A inquietação de Pixinguinha ficou no DNA da nossa música”, garante.
IMS disponibiliza acervo na internet
Por meio de um site (ht tp://www.pixinguinha.com.br), o acervo do Instituto Moreira Salles sobre o músico será disponibilizado para o público. A versão final da publicação deve entrar no ar nos próximos dias, segundo a coordenadora Bia Paes Leme.
O trabalho, conta Bia, está sendo desenvolvido desde 2009, e a intenção é que seja constantemente atualizado. “A ideia é que o site seja uma publicação em progresso, porque continuamos pesquisando e estamos também abertos a contribuições. Então, contamos com as pessoas que tenham algum material sobre ele, que vistam a camisa para ir complementando esse acervo”, explica.
O material inclui partituras, fotos, recortes de jornal, documentos, correspondências, gravações, discografia e registros de itens pessoais do músico. Bia acrescenta que a pesquisa revelou diversas composições inéditas de Pixinguinha. “Em negociação com a família – que é quem deve definir como isso será lançado –, também queremos disponibilizar essas composições posteriormente”, ressalta.
DUPLO ANIVERSÁRIO
Inicialmente, acreditava-se que a data de nascimento de Pixinguinha seria 23 de abril, por isso o Dia do Choro é comemorado nessa data. Mas o pesquisador Alexandre Dias encontrou o livro de registro de Pixinguinha em cartório, cuja data é 4 de maio.
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