Por José Teles
Três no Samba seria “apenas” um ótimo disco de sambas, com André Mehmari, Eliane Faria e Gordinho do Surdo (com selo SESC) se a produção não fosse assinada por João Carlos Botezelli, mais conhecido como Pelão, a quem o epíteto “lenda” não é um clichê surrado. Contra tudo e todos, ele promoveu a estreia em disco de Nelson Cavaquinho e Cartola, e produziu craques como Raphael Rabello e Radamés Gnatalli.
Pelão entende profundamente de música brasileira, conhece como poucos tanto o samba, quanto a música caipira (a que já foi chamada de “sertaneja”), e aparentemente conservador (ele não aprova mesmo é musica ruim), concebeu este Três no Samba com dois instrumentos que raramente caminham juntos, como dupla. num mesmo disco, o piano (de André Mehmari), e o surdo (de Gordinho do Surdo). A voz é de Eliane Faria, cantora já com um bom tempo de estrada, filha de Paulinho da Viola, de quem herdou o timbre suave, e maneirismos no fraseado.
A combinação funciona com perfeição, embora nenhum dos três tivesse trilhado tal caminho antes. André Mehmari confessa que até então nunca tinah tocado estes sambas. Um repertório impecável, que enfatiza a fartura do repertório do gênero, saindo de sucessos e autores óbvios, mas também regravando-os, porém com roupagem que nunca tiveram.
As 12 faixas de Três no Samba formam um todo conceitual, mostram o samba em épocas diferentes, dos enredos pioneiros e antológicos, como Heróis da Liberdade (os portelenses Silas de Oliveira, Mano Décio da Viola, e Manoel Ferreira), ao elegante samba de salão Na Cadência do Samba (de Ataulfo Alves). Entre os autores estão os obrigatórios Cartola, Nelson Cavaquinho, mais também Lupicínio Rodrigues (Esses Moços), Valzinho (Doce Veneno, com Carlos Lentine e M.Goulart), Batatinha (Direito de Sambar) ou Capiba (A Mesma Rosa Amarela, com Carlos Penna Filho), Monarco (O Quitandeiro, inspirado sambão de quadra, com Paulo da Portela).
André Mehmari cria um arranjo para samba (também fez a mixagem e remasterização). Ele se reinventa a cada faixa, não se limita a acompanhar, cria outras melodias, faz citações. Ocupa todos os espaços, e aproxima o piano da percussão, com a marcação discreta do surdo do virtuoso Gordinho. Eliane Faria também não sai do clima camerístico que permeia o álbum. Um disco que converge para o popular e para requinta, e que se escuta como um bálsamo em meio à bagaceira musical que assola o país.
Confiram o making of de Três no Samba:
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