Programação manteve caráter de "ocupação do centro", mas algumas questões seguem em aberto
Por André de Oliveira
Palco na região central durante a Virada Cultural 2016
A Virada Cultural de São Paulo, que acontece neste final de semana, chega cercada de expectativa depois de uma série de polêmicas. Ainda antes de assumir a prefeitura, João Doria (PSDB) chegou a declarar que todo o evento – que acontece desde 2005 e é um verdadeiro consenso entre diferentes administrações – seria transferido para o Autódromo de Interlagos. A informação foi desdita ainda na época pelo atual secretário de Cultura, André Strum, mas causou apreensão no público, em urbanistas e gestores culturais. Uma das principais marcas da Virada é caráter de interação com o centro da cidade, já que boa parte das atrações sempre aconteceram por lá. A divulgação da programação desta edição (veja aqui), contudo, veio para apaziguar ânimos, mas também criar expectativa sobre o que a Prefeitura vem caracterizando como uma tentativa de descentralizar o evento.
Com atrações de menor escala que combinam tablados no lugar de palcos para os shows, cortejos e apresentações cênicas, a intenção, segundo Strum, é que “as pessoas venham passear no centro, e não que procurem apenas os grandes shows”. Por trás da explicação, está a tentativa de evitar aglomerações na região, mas também, segundo a pasta, de fazer com que as pessoas consigam conhecer melhor o centro com mais tranquilidade – o que seria um incentivo para que voltassem a visitar equipamentos culturais, como museus e teatros, em outras épocas do ano. Assim, os maiores shows da edição, como os de Daniela Mercury, Liniker, Alcione e Mart’nália acontecerão em palcos fora do centro.
Para a Rede Minha Sampa, que em dezembro se mobilizou contra a possível transferência do evento para o Autódromo, a divulgação da programação foi vista com alívio. “Ao contrário do que indicavam as primeiras declarações do prefeito, a publicação mostra que a gestão reconhece que a essência da Virada é fazer os cidadãos redescobrirem o espaço público através da democratização do acesso a Cultura”, disse o coordenador de comunicação da Rede, Gut Simon. Por trás da expectativa e da celeuma criada em torno da Virada deste ano, está a característica fundamental do evento de propiciar uma relação direta e positiva dos cidadãos com a rua.
O medo de urbanistas e programadores culturais era de que a Prefeitura levasse ao pé da letra as declarações de Doria – que na ocasião chegou a chamar a cidade de “lixo vivo” – e transferisse o evento todo para espaços fechados. A preocupação não se confirmou, mas algumas questões ainda permanecem em aberto. Uma delas é: como o público reagirá ao fato de que os maiores shows acontecerão em lugares de acesso difícil? Eles ficaram “presos” a esses lugares ou conseguirão circular pela cidade? A região central sempre contou com a vantagem de ter grande oferta de metrô. Agora, segundo a Prefeitura, linhas de ônibus que levam aos locais dos maiores shows serão reforçadas e também ficarão disponíveis 24 horas.
"A ideia de tirar os grandes shows do centro é interessante, vale a experiência, mas vendo a programação, acho que os eventos estão muito próximos uns dos outros. É uma questão técnica, mas ao longo dos anos percebemos que as coisas na região central precisavam ser mais espalhadas", diz José Mauro Gnaspini, coordenador da Virada Cultural durante mais de dez anos. Para ele, o evento está sempre em metamorfose, mas ressalta que grandes shows já foram feitos fora do centro e não atraíram muita gente. "Ir para a região central, independente do que está acontecendo, também é parte do evento. O sucesso da iniciativa da prefeitura vai depender um pouco da reação do público, será que as pessoas vão, de fato, em menor número para lá?", indaga Gnaspini. Em 2016, o evento como um todo reuniu 4,7 milhões de pessoas na cidade.
Segundo a gestora cultural Jonaya de Castro, a ideia de descentralizar a Virada Cultural não é uma novidade. “As últimas edições já levavam atrações para outras regiões da cidade, mas os shows maiores continuaram sendo no centro. Ver como esse deslocamento funcionará será uma experiência interessante”, diz. O mais importante, ela defende, era que a característica de “ocupação do espaço público da Virada fosse mantida”, e isso foi garantido – ao menos com as atrações da região central. Agora, a questão é esperar para ver como as coisas vão acontecer nos dias do evento. “Tem outro ponto importante que é fato de que o Autódromo e o Sambódromo, que receberão eventos, por exemplo, fazem parte das intenções de privatização do Doria, levar os shows para lá teria alguma relação com isso? É outra questão em aberto”, diz Jonaya.
Já que a palavra “descentralizar” foi usada pela Prefeitura, a gestora cultural também recorda de um debate já antigo sobre o evento. “É possível descentralizar fisicamente, mas também temporalmente. Uma questão que sempre está em debate é o que vale mais a pena: concentrar tanto recurso em apenas um fim de semana ou espalhar esse orçamento pelo ano, fazendo com que diferentes regiões tenham atrações todo final de semana?”, indaga. Ela também lembra que a gestão anterior, do ex-prefeito Fernando Haddad (PT), abriu de forma positiva para consulta os dados de gastos com caches de shows, mas não abriu os gastos de locações. “Toda a Virada deveria ser mais transparente, inclusive o processo de curadoria cultural de quem vai se apresentar”, diz.
Sobre descentralização, a Rede Minha Sampa também diz que é necessário ter em mente que a Virada Cultural é apenas um evento na cidade. “É necessário que a nova gestão invista em cultura de forma descentralizada pela cidade ao longo de todo ano, diferentemente do que mostra o congelamento de 43,% do orçamento municipal para a pasta”, diz Gut Simon. Em março, coletivos culturais promoveram um ato contra o congelamento. A Secretaria vem dizendo que a não liberação de recursos foi motivada por um engano da administração anterior ao enviar o orçamento de Cultura.
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