CONTANDO PINGOS DE CHUVA
Bóris, além da miopia, tinha como inseparável companheira uma insônia de perder o sono. Quanta falta de sonho sentia Bóris, quantas cores ele não via! Ainda assim, quando sonhava acordado era em preto e branco, um sonho embaçado, sem graça. Deitava-se com os óculos pendurados nas orelhas para poder contar carneirinhos que o fizessem dormir. A miopia não permitia vê-los e quase sempre deixava passar, sem perceber, alguns lobos que a eles se misturavam. Um belo dia (ou teria sido numa bela noite insone?) teve a brilhante idéia de contar os pingos de chuva ao invés dos carneirinhos. A tarefa lhe dispensaria o uso dos óculos. Poderia contá-los de ouvido, sem precisar vê-los. Mas Bóris morava num sertão em que a chuva rareava, só escapulia do céu de vez em quando. Tempo sem chover, sem cair um pingo d’água, sequer. Cochilo, então, só quando a seca acabar, quando cair uma neblina, se cair. Bóris vai ter que descobrir um lugar em que chova todo dia porque ficar sem dormir faz mal à saúde e dá até problema de vista. Ou fazer como um Poeta fez: plantar carinhos pra que brote pés de fulô e sua amada fique cheirosa pra com ele dançar. Com esse cheiro todo nem vai se lembrar de dormir.
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