Por Ricardo Bonacorci
Noel Rosa foi um sambista, ao mesmo tempo, de muito talento e extremamente polêmico. Ele morreu precocemente aos 26 anos deixando uma infinidade de ótimas canções e algumas brigas e confusões pelo caminho. Sua música mais famosa é "Com que Roupa?", de 1930. A canção foi criada porque a mãe do compositor, cansada da vida boêmia do filho, havia escondido as roupas dele para que ele não saísse de casa em determinada noite. Após o lançamento, "Com que Roupa?" adquiriu um caráter de crítica social bem-humorada (o país vivia a Crise do Café). Esse foi o primeiro sucesso do Poeta da Vila, como o rapaz era chamado.
Depois desse vieram outros sucessos. "Feitio de Oração" (1933), "Feitiço da Vila" (1934) e "Pastorinhas" (1935), esta última feita em parceria com João de Barro, foram produções que se perpetuaram com vigor até os dias de hoje. Impossível apontar qual delas é a melhor. Contudo, os críticos musicais consideram outra música como sendo a melhor produção de Noel Rosa. Das 230 composições feitas pelo rapaz de queixo torto, "Último Desejo" seria sua obra-prima.
"Último Desejo" foi criado em dezembro de 1936, alguns meses antes da morte de Noel Rosa por tuberculose. A canção foi gravada em 1937, meses após o falecimento do compositor. A primeira e mais famosa intérprete da música foi Aracy de Almeida, mas Marília Batista também gravaria a canção depois, tendo grande êxito comercial.
A canção retrata o último pedido feito pelo sambista à Juraci Correia de Araújo, a Ceci, dançarina de cabaré que era a sua grande paixão. Noel se casou, em 1934, com Lindaura, porém nunca se esqueceu da dançarina que conhecera na boêmia Lapa carioca. Para desgosto do sambista, Ceci o trocou pelo compositor Mário Lago (da música "Ai que Saudades da Amélia"). "Último Desejo" conta um pouco do romance entre Noel e Ceci, sob o ponto de vista dele. Os primeiros versos da composição retratam o primeiro encontro, para depois contar a triste separação deles.
Veja a letra da canção:
Nosso amor que eu não esqueço
E que teve o seu começo
Numa festa de São João
Morre hoje sem foguete
Sem retrato e sem bilhete
Sem luar, sem violão
Perto de você me calo
Tudo penso e nada falo
Tenho medo de chorar
Nunca mais quero o seu beijo
Mas meu último desejo
Você não pode negar
Se alguma pessoa amiga
Pedir que você lhe diga
Se você me quer ou não
Diga que você me adora
Que você lamenta e chora
A nossa separação
Às pessoas que eu detesto
Diga sempre que eu não presto
Que meu lar é o botequim
Que eu arruinei sua vida
Que eu não mereço a comida
Que você pagou pra mim
"Último Desejo" é, como não poderia ser diferente de uma música composta para descrever o rompimento definitivo de um romance, muito triste. É possível notar que o sambista estava ciente da sua eminente morte. Na época desta composição, Noel Rosa já estava preso à cama, muito debilitado pela tuberculose.
Diz a história que Ceci foi a primeira pessoa a ver a letra da música. Noel pediu para seu amigo Vadico, que fez o arranjo de piano da canção, levar o poema para a dançarina ver. Vadico fez isso em uma noite antes da moça começar seu expediente no cabaré.
Ouça a música na interpretação original de Aracy de Almeida, de 1937. Esta incrível composição da música nacional está completando 80 anos agora em 2017. É a obra-prima de Noel Rosa, composta meses antes da sua morte e que retrata a despedida fúnebre do seu grande amor. Incrível!
Fonte: www.bonashistorias.com.br
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