O documentário Reginaldo Rossi, meu grande amor e o longa-metragem Jamais estive tão segura de mim mesma desenvolvem narrativas que falam sobre o gênero musical
Por Fernanda Guerra
Durante a trajetória, Reginaldo Rossi costumava criticar artistas que não assumiam o lado romântico ou quem diminuía a importância da vertente musical. Para o Rei do Brega, Frank Sinatra se consagrou cantando o amor, elemento central da música brasileira, com expoentes como Waldick Soriano e Wando, além do pernambucano, falecido em 2013. O cantor consolidou o gênero no estado. O estilo clássico do brega ganhou variações sonoras e subgêneros, como tecnobrega, brega-funk e melody - correntes representadas no cinema em filmes como Amor, plástico e barulho, de Renata Pinheiro, e os documentários Explosão brega, de Hanna Godoy, e Estás vendo coisas, de Barbara Wagner. Duas novas produções miram o formato peculiar ao Rei e ampliam a relação de filmes sobre o gênero.
Com título provisório, o documentário Reginaldo Rossi: meu grande amor retratará a trajetória do músico recifense. A proposta, no entanto, é mostrar a dimensão da carreira de Reginaldo Rossi, sem o reducionismo de associá-lo apenas ao gênero com o qual brilhou. A produção resgatará toda a história do compositor, desde o início da carreira, como líder da banda de rock The Silver Jets, pertencente ao movimento da Jovem Guarda. Com direção de José Eduardo Miglioli (Chico Science: O caranguejo elétrico) e roteiro de DJ Dolores, o filme é uma coprodução da RTV e da Globo Filmes. As gravações começam nesta semana no Recife, com filmagens previstas também no Rio de Janeiro e em São Paulo. A previsão de estreia é para o fim do ano, na Globo.
A pesquisa e o roteiro estão quase prontos. No processo, a equipe esbarrou em uma dificuldade: encontrar material de acervo da época dos anos 1960. “A gente vive em um país onde não há muito respeito pela memória. Não temos hábito de preservar a história”, analisa o diretor Miglioli. Para suprir a ausência, Roberto Rossi, filho do artista, formado em artes cênicas pela Casa de Artes de Laranjeiras, no Rio de Janeiro, interpretará o pai em algumas cenas do documentário.
"A gente criou uma alegoria narrativa onde o Beto vai se inserir. Quando a gente começou, encontrei com ele no Rio e estabelecemos uma ideia bacana. Ele é ator e muito parecido com o pai. Tem um timbre de voz muito igual", complementa. O documentário deve mesclar depoimentos com as cenas, que remetem aos anos 1960 e 1970. "Tínhamos essa possibilidade de inseri-lo dentro da narrativa. Criamos uma brincadeira muito legal, mas não posso contar. É spoiler", justifica.
De acordo com o diretor, a lista de entrevistados é abrangente. A ideia é incluir nomes que fizeram parte da trajetória do cantor e de pessoas que se influenciaram ou admiram o legado do artista. Entre eles, o violeiro Fernando Filizola, o guitarrista Ximbinha e os cantores Michael Sullivan, Ivete Sangalo, Gaby Amarantos e Marcelo D2. "Reginaldo ficou rotulado pela história do brega. A obra dele tem outras nuances e peculiaridades, tão relevantes quanto a fase final", diz Miglioli.
O viés foi aprovado pelo filho. Para Roberto, o lado roqueiro do pai é pouco conhecido pelo público. "O que ficou mais popular foi a última fase do meu pai. Ele tem muito fã jovem, que não acompanhou o início dele na Jovem Guarda. Acho interessante abordar esse lado", analisa Roberto.
A atriz Julia Konrad será filha de cantor de brega no longa-metragem. Foto: Fabio Braga/Divulgação
A roupa, o amor, a dor e a batida melancólica, elementos que se repetem no universo brega, são destacados no longa-metragem Jamais estive tão segura de mim mesma. Com direção da baiana Monique Gardenberg e trilha sonora assinada por Zeca Baleiro, o filme, cujo título é uma referência à música composta por Raul Seixas para Núbia Lafayette, começou a ser gravado em São Paulo no início deste mês. O elenco conta com as pernambucanas Hermila Guedes e Júlia Konrad no elenco, além de Marjorie Estiano, Lee Taylor e Julio Andrade.
É o primeiro filme brasileiro de Júlia (Malhação), que viverá Celeste, de um cantor de brega em decadência, personagem de Andrade. A produção acompanha a história de uma família que mora em um antigo sobrado em São Paulo. No andar de baixo funciona uma boate na qual todos trabalham. "Acho que o filme fala muito sobre dor, mas de uma maneira inesperada", adianta a atriz, em entrevista ao Viver. A produção assinala o retorno de Hermila às telas de cinema, após um período de três anos afastada. No ano passado, ela atuou na série de TV Fim do mundo, exibida no Canal Brasil.
>> Entrevista com Julia Konrad
Como é sua relação pessoal com a cena do brega pernambucano?
A gente cresce escutando brega em Pernambuco, acho que é algo que está muito presente. E, parando para estudar um pouco mais, as letras dessas músicas são todas incríveis. Melodramáticas, contam histórias riquíssimas, é realmente maravilhoso trabalhar com esse universo como atriz.
Como será sua personagem? Como foi feita a preparação para o papel? E quais são as suas referências para a personagem?
Celeste é uma mulher que sofreu o abandono da mãe na infância, e isso deixa uma marca profunda nela. Ingênua, meio menina, ela lida com uma traição durante o filme e deve tomar uma escolha muito importante. Tive vários ensaios com a Monique e o restante do elenco durante fevereiro para achar o tom certo. Não tenho nenhuma referencia muito específica, acho que ela é um grande conjunto de detalhes que fomos encontrando nesses ensaios. Busquei no roteiro as pistas, por onde seguir, além de entender com o Julio (Andrade) como seria essa relação de pai e filha.
A trama terá trilha sonora de Zeca Baleiro. Como ela deve ser?
Como a trama se desenrola nessa boate, e quase todos os personagens terão esse lado musical muito aflorado, teremos algumas cenas onde diferentes personagens estarão em cena cantando. Zeca fez arranjos incríveis de várias musicas românticas que todos já conhecemos e amamos, vários clássicos. A trilha será uma mistura dessas músicas cantadas por nós e das versões originais. Algo nostálgico, sentimental... será lindo.
É o seu primeiro trabalho no cinema no Brasil. Como encara a experiência?
Meu primeiro filme, Allure, foi rodado fora, em Nova York. Foi uma experiência muito particular porque não tínhamos roteiro escrito e as cenas eram todas improvisadas. Foi um verdadeiro desafio, mas muito gratificante, o filme chegou a rodar festivais na Europa. Mas desde então tenho trabalhado mais em TV, onde o ritmo é outro, a técnica tem que ser outra. Poder voltar a trabalhar no ritmo mais tranquilo do cinema, onde você sabe o arco inteiro da personagem antes de começar, isso é muito gostoso. Ativa outros músculos. Acho de extrema importância para o ator se aventurar em todas as linguagens possíveis, seja cinema, teatro ou televisão.
Brega no cinema
Explosão brega (2010), de Hanna Godoy
O documentário apresenta um panorama do brega, com o objetivo de romper o preconceito sofrido pelo gênero. Entre os artistas, Michelle Melo e Kelvis Duran estão no filme.
Amor, plástico e barulho (2013), de Renata Pinheiro
Estrelado por Maeve Jinkings, o longa-metragem aposta em um viés mais comportamental do universo brega, a partir das cantoras Jaqueline e Sheyla.
Estás vendo coisas (2016), de Barbara Wagner
O curta-metgragem, gravado em 2015, mergulha na cena do brega pernambucano, com foco na produção de videoclipes de bandas, artistas e MCs.
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