Por Paulo Carvalho
Rabo de Tatu
A primeira vez que ouvimos falar do apito feito com rabo de tatu foi em conversa com o índio Paulo Celso (Paulinho Pancararu) que, ainda muito moço, se dizia preocupado com a preservação da cultura de sua gente. Contava-nos ele que o referido apito era usado pela tribo, desde tempos imemoriais, para afugentar "Pragas da Roça" com absoluto sucesso. Sua preocupação prendia-se ao fato de que os seus irmãos da tribo estavam regressando à aldeia, após conclusão de cursos como os de técnicos agrícolas, e desprezavam o uso do apito como coisa de feitiçaria, recomendando em seu lugar o uso intensivo de agrotóxicos para o controle de pragas nas culturas agrícolas. Assim, ninguém mais se dava ao trabalho de caçar um tatu em época certa. Em seguida, cortar e secar o rabo do bicho e ainda, com arte e destreza, entalhar o apito, que deveria ser usado em cerimonial pelo Pajé, sempre à noite de sexta-feira com lua nova, apitando e fazendo orações nos quatro cantos da roça para obter o efeito desejado. O tal apito era, sobretudo, eficiente contra as pragas de gafanhotos que freqüentemente assolavam a região, funcionando como uma espécie de repelente sonoro para os insetos. Pensando sobre tal fenômeno, sabemos que os ortópteros, grupo zoológico ao qual pertencem os gafanhotos, em geral, são muitos sensíveis a determinadas freqüências sonoras.
Índia Pancararu
Quem não já ouviu um "canto" de grilo ou esperança? No caso dos gafanhotos-pragas, estes possuem grande sensibilidade, à estímulos sonoros originários do ambiente e dos próprios gafanhotos. Assim, talvez seja explicado o mencionado sucesso em afugentar os gafanhotos das culturas, sob o estímulo sonoro provocado pelo apito.
Na minha última visita à terra dos Pancararus, não encontramos Paulinho, que agora é advogado e participa de uma entidade nacional ligada a defesa dos índios e da sua cultura.
Porém, tivemos contato com seu tio, o cacique João Biga, que nos falou, com imenso respeito, do apito de rabo de tatu. O velho cacique demonstrou seu pesar no desinteresse dos jovens, pelos costumes dos seus antepassados. Hoje, pouco se sabe da língua falada pelos Pancararus. Só algumas palavras soltas, muitas vezes sem significado, formam o pobre vocabulário dos mais velhos da tribo. Perdeu-se a língua como elemento importante na organização cultural de um povo.
Algumas solenidades como o Toré, Menino do Rancho e a Festa do Umbu, sobrevivem bastante descaracterizadas. Na verdade, teimam em sobreviver, subjugadas pela cultura alienígena que chega à aldeia através de possantes antenas parabólicas, como podem ser vistas hoje sobre casebres de taipa da aldeia e em outras regiões. Dos apitos para afugentar as pragas, só restam dois, que se constituem hoje verdadeiras relíquias. Algumas centenas de índios Pancararus ainda sobrevivem, dos milhares da grande nação, que com certeza, a julgar pelo descaso do Governo, pela invasão constante das suas terras e pela exploração inescrupulosa aos seus recursos naturais, vão desaparecer com a sua rica cultura, juntamente com os tatus, pacas, veados, e arribaçãs, até que fiquemos totalmente sós.
No final da conversa com o velho cacique dos Pancararus, notamos no seu olhar melancólico, que vagava entre o apito e a antena parabólica, e na expressão do seu rosto o apelo desesperado para que, juntos, possamos lutar pela preservação da cultura indígena, que é inegavelmente um patrimônio da humanidade.
Dança do Toré
João Biga me presenteou com um dos apitos feito com o rabo de tatu, num gesto significativo, pois sentiu que eu seria solidário com a sua luta.
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