Sá e Guarabyra - Pirão de Peixe com Pimenta (1977)
Uma das vertentes mais belas de nossa canção popular é a chamada música rural brasileira, diferente da música caipira e da música sertaneja, (se é que hoje em dia depois do advento das duplas pré fabricadas ainda podemos denominá-las de legítimas representantes do gênero). A nossa música rural se diferencia por ser nem sertaneja nem caipira, mas simplesmente uma forma de canção que se integra à paisagem interiorana de nosso país de uma maneira mais suave, representando os anseios, e os maneirismos de pequenas cidades do interior, onde ainda residem traços característicos de nosso jeito simples de ver a vida. Outro diferencial que se observa é que a música rural brasileira tem uma estética própria, é mais trabalhada, suas letras formam paisagens e imagens que em sua maioria refletem o pensamento das classes médias do interior, tanto dos núcleos urbanos como do campo. Ela não busca nem o personagem caricato do sertanejo, nem a imitação barata de artistas texanos, que ainda insistem em se afirmar de sertanejos e nem mesmo esses últimos em sua expressão máxima de legitimidade cultural.
Os artistas que assumem essa identidade ruralista bem brasileira, nunca deixaram de estar em evidencia, uns mais que outros, mas sempre mantendo um público fiel, pois suas belas canções, entremeadas também de poesias de muito bom gosto se infiltraram de tal forma na maneira de ser e viver de nossa gente, que fica difícil separarmos um do outro. Podemos ainda dizer que esta canção pode ser considerada como o refinamento musical da ambiência rural de nosso país, pois a sua qualidade e superioridade técnica são notadas tanto em seus compositores como em seus intérpretes. A variedade de artistas que seguiram por essa linha é imensa, porém uma dupla se sobressai sobre as demais, pelo conjunto de sua obra e talento de seus integrantes, trata-se de Sá e Guarabira, responsáveis por grandes momentos da música popular brasileira.
Formada pelos cantores e compositores Luis Carlos Pereira Sá nascido no Rio de Janeiro em 15 de outubro de 1945 e Gutemberg Nery Guarabyra Filho, natural da cidade de Barra no oeste da Bahia, nascido em 20 de novembro de 1947, ambos já haviam desenvolvido uma carreira solo de sucesso antes de tomarem a iniciativa de formarem uma dupla. Luis Carlos Sá teve sua primeira canção intitulada Baleiro, gravada em 1965 por Peri Ribeiro, além de participar do show Samba pede passagem com Araci de Almeida, MPB 4 e outros artistas. Teve também atuação destacada no I Festival Internacional da Canção realizado em 1966 onde classificou as músicas Inaiá e Canção do quilombo que gravou num compacto simples. Gutemberg Guarabyra por ser do sertão baiano teve uma forte influencia da música nordestina, em 1966 mudou-se para o Rio de Janeiro, onde iniciou sua carreira, e em 1967 cantou na inauguração do Teatro Casa Grande e venceu a parte nacional do II Festival Internacional da Canção com a música Margarida.
Depois do sucesso de Margarida, produziu alguns musicais e continuou fazendo sucesso nos festivais, tendo vencido o Festival de Juiz de Fora, Minas Gerais em 1969 com a música Casaco marrom feita em parceria com Renato Correa e Danilo Caymmi e gravada por Evinha. Em 1969 assinou contrato com a Odeon e formou com Zé Rodrix e Luis Carlos Sá o trio Sá, Rodrix e Guarabyra, gravando dois LPs. Com a saída de Zé Rodrix em 1973 surge então a dupla Sá e Guarabira iniciando uma bela trajetória de sucessos na música brasileira. Ainda em 1973 lançam o primeiro LP intitulado Nunca e em 1975 gravam mais um disco denominado Cadernos de viagem onde predomina a temática rural ou como eles mesmo afirmavam um rock rural com características bem brasileiras.
Mas o grande êxito surge em 1977 com o lançamento pela Som Livre do LP Pirão de peixe com pimenta, com destaque para as canções Espanhola de Flavio Venturini e Guarabyra gravada posteriormente pelo Grupo 14 Bis com grande sucesso e Sobradinho, uma das mais conhecidas músicas da dupla. O disco é um marco pois se insere como referencia na consolidação de um gênero musical que aliava o rock progressivo com elementos do som rural brasileiro, resultando dessa fusão um trabalho de alta qualidade técnica e musical. Considerado também a melhor produção da dupla este disco proporcionou um amadurecimento e uma modernização no que concerne ao tratamento dado ao temas rurais onde o homem do campo não é mais visto de modo estereotipado, apesar de manter a sua essência. Alem das musicas já citadas o LP nos revela pérolas como a própria musica titulo Pirão de peixe com pimenta; Trem de Pirapora, João sem terra, Marimbondo, Cinamono, Coração de Maçã, Canção dos piratas e Águas correntes, fechando um repertório que nos remete a um passeio encantado e belo pelas cercanias de nosso interior, sertão, navegando num navio gaiola jogando conversa fora ou simplesmente admirando extasiado as paisagens que se formam em nossa mente.
O disco também nos envolve numa espécie de sentimento mineiro, pois apesar da dupla não ter nascido na terra das alterosas souberam captar com muita sensibilidade o cheiro, a cor e a magia dos montes e das igrejas da terra do Aleijadinho e Milton Nascimento. É como se fizéssemos uma viagem imaginaria entre as Minas Gerais subindo o Rio São Francisco, desembarcando na aridez deslumbrante do sertão baiano e concluindo o roteiro ao som das águas da cachoeira de Paulo Afonso, um pouco do Brasil integro, puro, descortina-se, moderniza-se com esse som que traduz em musica e poesia a nossa essência. E essa essência bem brasileira é a melhor definição da musica de Sá e Guarabyra, será que alguém se atreveria de dizer o contrario?
Itabuna, 22 de fevereiro de 2006
MÚSICAS:
01) Sobradinho (Sá/Guarabyra)
02) Marimbondo (Marlui Miranda/Xico Chaves)
03) Trem de Pirapora (Sá/Guarabyra)
04) João sem terra (Sá/Guarabyra)
05) Pirão de peixe com pimenta (Sá/Guarabyra)
06) Coração de maçã (Sá/Guarabyra)
07) Cianamono (Sá/Guarabyra)
08) Espanhola (Flavio Venturini/Guarabyra)
09) Canção dos piratas (Sá/Guarabyra)
10) Água corrente (SÁ/Guarabyra)
Ficha Técnica
Produtor fonográfico: Gravadora Som Livre
Direção de produção: Guto Graça Mello
Produção executiva: Sergio Mello
Direção de estúdio: Sergio Mello
Assistentes de produção: Yara Vidal, Astor Silva Filho e Lucio Milheiro
Arregimentação: João Pinheiro
Arranjos e regências: Eduardo Souto Neto/Rogério Duprat /Nelson Ângelo
Arranjos vocais: Sá e Guarabyra
Técnicos de gravação: Célio Martins/Braz/Edu/Audy/Don/Marcus Vinicius/Wilson Nani/Franjinha
Assistentes de estúdio: Guilherme Pires/João Quereca/Mario/Carlos Moleza/Franjinha
Direção de mixagem: Sergio Mello/Sá/Guarabyra
Técnicos de mixagem: Célio Martins/Edu/Don/Marcio Antonucci
Montagem: Ieddo Gouveia
Foto e capa: Lula Lindenberg
Coordenação da capa: Vera Cristina Roesler
Músicos:
Sá: Viola caipira
Guarabyra: Violão de aço
Sergio Cafa/Luisão: Piano acústico
Sergio Magrão/Pedro Jaguaribe: Baixo
Luis Moreno/Nonato: Bateria
Chico Batera: Percussão
Quintininho de Pirapora: Bandolim
Paulo Guimarães/Danilo Caymmi/Paulinho Jobim/Franklin/Copinha: Flautas
Tavinho Burnier: Viola elétrica de 12 cordas
Cartier/: Violão acústico
Gilson: Piano
Fernando Leporace: Baixo
Tuca: Piano acústico
Antonio Swab: Trompas
Iberê Gomes Grosso/Alceu: Violoncelos
Vidal/Ricardo/Carlos Eduardo/Wilson Aizik/Valter/Paulo/Bove: Violinos
Ed Maciel/Manoel Araújo: Trombones
Zenio: Tuba
Netinho: Clarineta
Ribeiro: Pratos
Lizzie/Rosana/Ismail/Betinho/Didito: Coro
Participação especial: Burnier e Cartier em Espanhola
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