Por Joaquim Macedo Junior
Pixinguinha
A música instrumental sempre foi menos apreciada e ouvida no Brasil. Já levantaram muitas teses, pesquisas até foram feitas para tentar detectar o fenômeno.
Poderia voltar ao fim do século 19 em busca de João Pernambuco, Antônio Callado e mesmo Chiquinha Gonzaga, com a criação do violão e do choro brasileiros, num dedilhado nativo, criativo e definitivo para o arcabouço da música nacional.
Escutando o nosso som instrumental apenas por Alfredo da Rocha Viana Filho, o Pixinguinha, poderíamos pensar na possibilidade de até os dias de hoje ouvirmos mais música tocada que apoiada ou enfeitada por uma letra.
Quando visito Pixinguinha, às vezes diariamente, costumo refletir o seguinte: e se “Carinhoso” e “Rosa” não tivessem letra, como, por exemplo, ‘Urubu”.
Gostaria de contar com os queridos leitores para fazer também essa reflexão: se a música instrumental, nua e crua, prescinde de uma letra, que lhe dê a audição literária; ou, como na maioria dos casos, é certo mesmo que a música venha entranhada na letra e vice-versa.
Penso muito naqueles que, habitantes da Europa, da Idade Média, Renascimento e depois, se satisfaziam com os trovadores.
A minha prosaica peleja não intenta competição, por isso mesmo, sem vencedores, nem vencidos.
A primeira instrumental que aqui reproduzo é a exuberante valsa, logo tocada em choro, “Rosa”! Ah, com o exímio e saudoso Paulinho Nogueira.
Além de ser um dos clássicos da música nacional, Rosa tem uma peculiaridade. Quem relata é o próprio autor: “a valsa foi composta em 1917 e somente anos depois recebeu a letra de Otávio de Souza”.
Pixinguinha continua: “seu título original era “Evocação”, só recebendo letra muito mais tarde. Como manda a regra e a tradição do chorinho, a música foi composta em três partes. Mais tarde, recebe letra apenas para a primeira e a segunda partes e foi gravada e regravada muitas vezes dessa forma”.
Anos antes, a versão original, em três partes e sem letra, foi gravada para o boxe “Choro Carioca, Música do Brasil”, lançado pela Acari.
Bem, e Otávio de Souza, de quem pouco ou quase nada se sabe. Segundo Pixinguinha, Otávio era um mecânico do Engenho de Dentro, bairro carioca, muito inteligente e que morreu novo”.
Ouçam agora Rosa, já com a letra de Otávio de Souza, na voz de Orlando Silva.
A letra de Rosa é um capítulo à parte. Rebuscada, parnasiana e lindíssima, foi composta, como já dissemos, por Otávio de Souza, que nunca mais comporia nada parecido. Um compositor de uma única música, uma obra prima.
Diz a lenda que Otávio se aproximou enquanto o mestre bebia num bar do subúrbio do Rio para falar que havia uma letra que não saía de sua cabeça toda vez que ouvia a valsa. Pixinguinha ouviu e ficou maravilhado.
A gravação feita por Orlando Silva foi a responsável pela popularização de Rosa, com erro de concordância e tudo, no trecho “sândalos dolente”.
Tu és, divina e graciosa
Estátua majestosa do amor
Por Deus esculturada
E formada com ardor
Da alma da mais linda flor
De mais ativo olor
Que na vida é preferida pelo beija-flor
Se Deus me fora tão clemente
Aqui nesse ambiente de luz
Formada numa tela deslumbrante e bela
Teu coração junto ao meu lanceado
Pregado e crucificado sobre a rósea cruz
Do arfante peito seu.
Tu és a forma ideal
Estátua magistral oh alma perenal
Do meu primeiro amor, sublime amor
Tu és de Deus a soberana flor
Tu és de Deus a criação
Que em todo coração sepultas um amor
O riso, a fé, a dor
Em sândalos dolentes cheios de sabor
Em vozes tão dolentes como um sonho em flor
És láctea estrela
És mãe da realeza
És tudo enfim que tem de belo
Em todo resplendor da santa natureza.
Perdão, se ouso confessar-te
Eu hei de sempre amar-te
Oh flor meu peito não resiste
Oh meu Deus o quanto é triste
A incerteza de um amor
Que mais me faz penar em esperar
Em conduzir-te um dia
Ao pé do altar
Jurar, aos pés do onipotente
Em preces comoventes de dor
E receber a unção da tua gratidão
Depois de remir meus desejos
Em nuvens de beijos
Hei de envolver-te até meu padecer
De todo fenecer
* * *
ERRAMOS – Recentemente publicamos, informamos erroneamente que Lenine “ocupava a cadeira 38 da Academia Pernambucana de Letras”. Este colunista pede desculpas a seus leitores, pois nosso grande cantor, compositor e artista múltiplo, jamais pertenceu àquela instituição. Cometi o equívoco que tanto combato: consultar a Internet diretamente, sem confirmar em outras fontes.
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