Apresentação aconteceu mês passado no BH Hall e reuniu quase 5 mil pessoas
Por Ângela Faria e Helvécio Carlos
A banda Novos Baianos ajudou a mudar o rumo da MPB na década de 1970, separou-se em 1979, ensaiou a volta em 2000. Este ano, Pepeu Gomes, Baby do Brasil, Moraes Moreira, Paulinho Boca de Cantor, Dadi, Luiz Galvão e Jorginho Gomes finalmente subiram ao palco novamente. Cantaram em Salvador, Rio de Janeiro e em São Paulo.
A banda formada por Paulinho Boca de Cantor, Moraes Moreira, Baby do Brasil, Pepeu Gomes, Dadi e Luiz Galvão, levantou o público em BH (foto: Alexandre Guzanshe/E.M/D.A Press)
Em BH, em setembro, o gostinho – por incrível que pareça – foi de estreia. Afinal, a imensa maioria daquele público nunca havia assistido a um show deles ao vivo.
“Maravilhoso. O clima aqui é de Maracanã, de Mineirão”, comemorou Pepeu Gomes, na madrugada de ontem, depois de a banda ser ovacionada no BH Hall, com pista lotada e arquibancadas cheias. Faltou pouco para lotar os 5 mil lugares. Famílias inteiras foram ver a banda na “estreia”.
Fã da irreverência e da alegria dos Novos Baianos, Sérgio Guimarães, de 50 anos, estava lá com a mulher, Edna Cota, e os filhos Gustavo, de 21, e Júlia, de 17.
Pai e mãe eram garotos quando o grupo se separou, mas sempre ouviram Baby e companhia no rádio. Foram ao show por causa de Gustavo, estudante de letras. O rapaz diz que aquelas canções remetem à alegria, “ao bonito da vida”.
“Eles poetizam tudo: a abelhinha, os carneirinhos”, afirma Gustavo, chamando a atenção para a “psicodelia legítima” dos Novos Baianos. Hoje em dia, lembra, muitas bandas jovens “pagam de psicodelia”, mas isso não passa de pose. “E o Pepeu está alucinando na guitarra”, emenda.
Na fileira de baixo, Celia Quaresma, “idade a perder de vista, mãe e avó”, elogiava a “feminilidade lúdica” de Baby, comparando-a a libélulas e borboletas. As irmãs Santos – Lourdes, de 62; Ilka, de 57; e Leila, de 55 – compraram ingressos no primeiro lote. Só para ouvir Preta pretinha ao vivo.
A canção marcou as serenatas que Lourdes ganhou, lá nos anos 1970, quando três rapazes disputavam o seu coração. Ilka adora A menina dança. Leila deixou o marido em casa para curtir as “doidices” de Baby. “Agora ela está voltando para o nosso mundo. Em certa época, ficou muito radical, meio beata evangélica”, diz.
O repertório misturou hits do grupo – Preta pretinha, Mistério do planeta, Besta é tu, Acabou chorare e Tinindo trincando, entre outros – com antigos clássicos de Dorival Caymmi, João Gilberto, Ary Barroso, Assis Valente, Davi Nasser e Alcir Vermelho (mineiro de Muriaé). Moraes e Paulinho têm enfatizado que o projeto só vingou porque a juventude brasileira pediu.
E a moçada estava lá, feliz da vida, ao lado de fãs de cabelos brancos. Durante o show, o poeta Luiz Galvão, frágil devido ao diabetes, ficou sentado na mesa, escrevendo. Depois, foi ao centro do palco declamar seus versos. Pregou o amor, cercado pelos companheiros.
Em vários momentos, a plateia gritou “Fora Temer!”. Um deles, logo depois de Isto aqui, o que é?, o samba-exaltação do mineiro Ary Barroso, que fala do Brasil de iaiá “que não tem medo de fumaça/ E não se entrega não”. Antes da ovacionada Preta pretinha, Moraes anunciou:
“Agora é uma toada mineira”. Depois, contou que, certa vez, parte do palco do Teatro Francisco Nunes despencou durante um show. E Baby lá em cima, grávida, sã e salva...
Nas duas horas de show, cada um teve seu momento solo e a hora de brilhar em conjunto. A competência da banda – formada também por Didi Gomes e Gil Oliveira – toureou a acústica deficiente do BH Hall.
O cenário de Gringo Cardia, com uma velha Caravan no palco deu o toque da vida em comunidade e ajudou a iluminar a apresentação. O guitarrista Pepeu, com seus solos matadores, foi ovacionado várias vezes. Dadi, discreto lá no fundo do palco, é um gigante. A menina Baby, aos 64 anos, arrasou (mais uma vez) em Brasileirinho.
Como nem tudo é recessão neste país, boas-novas vêm aí: a turnê vai mesmo se prolongar até maio de 2017, CD e DVD estão nos planos (inclusive com novas canções) e Pepeu tirou da gaveta Sugesta geral, que não entrou no classico de 1972 Acabou chorare e quase ninguém conhece.
Aliás, que “chorare” nada. Baby e os rapazes, que enfrentaram a ditadura militar com alegria, irreverência e inteligência, estão aí, tinindo e trincando. Prontinhos para encarar o tsunami de baixo-astral que ameaça o Brasil brasileiro, terra de samba e pandeiro.
ROCK CONTRA A CARETICE
No festival Vaca Amarela, em Goiânia, no ano passado, o guitarrista Macloys Aquino cravou: “Não tenho dúvidas de que Salma Jô pode se tornar uma das melhores intérpretes e compositoras do país”.
A opinião pode soar suspeita, é claro, uma vez que, além de companheiros profissionais, Macloys e Salma são um casal. Da relação nasceu, há dois anos, a banda de indie rock Carne Doce, que conta ainda com João Victor Santana (guitarra), Aderson Maia (baixo) e Ricardo Machado (bateria).
Em 2014, eles chamaram a atenção com seu homônimo disco de estreia. Agora, buscam mais espaço na cena nacional – além de transcender o estigma às vezes reducionista de “rock goiano” – com Princesa, lançado recentemente.
Em junho, a banda foi a São Paulo, onde passou um mês dividindo teto e estúdio – o Red Bull Studio São Paulo – em um processo de imersão musical.
No novo disco, o Carne Doce amplia o tom político do trabalho de estreia, com foco maior na poesia de Salma, em composições que falam sobre sexo (Princesa), machismo (Falo), tirania (O pai, inspirada em Carta ao pai, de Kafka) e aborto (Artemísia).
“O nosso rock é muito careta, um reflexo da nossa sociedade. Tenho invejinha do pop americano”, opina Salma, afirmando que, quando vem de fora, as ousadias são aceitas, mas aqui “corre-se o risco de você ser rotulado como doidão rebelde.”
A letrista afirma que, ao escrever, previu reações e preconceitos, sobretudo por causa das músicas que têm um caráter feminista. Mas não se importa de esse aspecto “contaminar” as outras faixas e diz gostarde denunciar o machismo tão presente no país.
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