Aldir Blanc, um cara gente fina, e compositor de escola
Biografia conta também a história da MPB nos anos 70
Por José Teles
O português Antonio Aguiar, avô do compositor Aldir Blanc gostava de contar uma briga que travou com um delegado famoso na Zona Norte carioca, conhecido por Estrela: “...Não poderá reagir porque policiais o seguraram. Anos, depois, viu o agressor em um restaurante onde fica hoje o edifício Avenida Central, na Avenida Rio Branco. Foi ao dono do estabelecimento e avisou: - Manda as pessoas embora, a despesa é minha, os prejuízos também porque eu e o delegado Estrela vamos brigar.
Arrebentaram o restaurante e um ao outro. Findo o combate. Antonio foi ao caixa pagar o combinado, o que gerou protestos de Estrela: - De forma alguma, a metade da despesa é minha”. Esta hoje impensável refrega de cavalheiros é está no livro Aldir Blanc, resposta ao tempo – vida letra, de Luiz Fernando Vianna (Casa da Palavra, 307 páginas, R$ 55). Aldir Blanc conseguiu traduzir para suas letras um outro lado do Rio de Janeiro, que nem é o da mitificada Zona Sul, nem do romantizado morro, cantados pela maioria dos compositores cariocas.
É o Rio da classe média suburbana da Zona Norte, do Estácio, Vila Isabel e adjacências. Um Rio que só permanece nas impagáveis letras que Aldir Blanc escreveu para várias parcerias, a mais notável encetada como mineiro João Bosco no início dos anos 70. Nasceu com quatro quilos, aos dez meses de gravidez da “Formosa Helena”, como ele a trata mãe em suas crônicas. Depois de ter Aldir Blanc Mendes, em 2 de setembro de 1946, Helena passou a sofrer de “uma espécie de neuropsicose puerperal, da qual jamais se livrou até morrer, em 2002, aos 80 anos”, conta o psiquiatra Aldir Blanc.
O pai, funcionário público, ainda está vivo, aos 90 anos. Não se sabe como. Asmático e fumante inveterado, vivia sendo levado às pressas para o hospital mais próximo. Aldir Blanc cresceu com os avós maternos em Vila Isabel, apropriadamente, na Rua dos Artistas, 257. O avô o viciou em livros, é viciado até hoje. Da poesia para a letra de música , que começou a fazer em meados dos anos 60. Em 1968, com o amigo de infância Sílvio Silva compôs Amigo é pra estas coisas, que não conseguiram classificar para a fase nacional do Festival Internacional da Canção, em 1970.
A música entrou num festival universitário, e virou um clássico, depois de gravada pelo MPB-4. Saíram do festival universitário um leva de compositores, que ficou conhecia como a geração do sufoco. César Costa Filho, Ivan Lins, Gonzaguinha, Maurício Tapajós, Sílvio Silva e Aldir Blanc faziam parte desta turma. Fazia parte também um estudante de filosofia, Pedro Lourenço Gomes, que teria um papel fundamental na MPB, sem nunca ter feito uma única música.
UM PRA LÁ, DOIS PRA CÁ
Pedro Lourenço conheceu o mineiro João Bosco em Ouro Preto, um estudante de Engenharia. Ao ouvir as músicas de João, entusiasmou-se, e lhe disse que conhecia o letrista perfeito para elas. No Rio, disse a Aldir Blanc que encontrara o melodista perfeito para as letras dele: “Há controvérsias na reconstituição dos fatos. Aldir acredita que as primeiras conversas, já regadas à músicas inéditas, tenham ocorrido no Rio, no apartamento de Pedro, em Laranjeiras, ou no de Scliar, no Leblon. Mas o encontro mais importante, que selou oficialmente o início da parceria e amizade aconteceu em Ponte Nova, cidade natal de João”.
João Bosco tinha tantas músicas prontas e boas que Aldir abdicou dos outros parceiros e passou a fazer letra com exclusividade para o mineiro. A primeira música gravada da dupla, Agnus seu, foi lado B de compacto que iniciou, em 1972, a série Disco de Bolso, do semanário O Pasquim. No lado A está a primeira versão de Águas de março com Tom Jobim. No ano seguinte eles seriam descobertos por Elis Regina, que gravaria vinte músicas de Bosco/Blanc. A última que lançou foi O bêbado e o equilibrista.
Curiosamente, a parceria começaria a acabar a partir daí. Sem brigas, sem discussão. Luiz Fernando Vianna, na época, do Jornal do Brasil, tentou saber o movimento da separação. Os dois desconversaram. Anos depois, Aldir Blanc explica mineiramente: “A minha versão é que o João usava cada vez mais onomatopéias, as letras eram menos cantadas. Eu não sentia receptividade em relação ao que estava mostrando como letra”. Mesmo assim a parceria continuou até a metade dos anos 80, com o nome Aldir cada vez menos presente nos álbuns de João Bosco.
O biografado, aos 70 anos continua muito vivo, embora bebendo muito menos do que nos anos 70 e 80, e criando como sempre. O livro repassa sua obra pós-João Bosco, de cerca de 100 parcerias apenas com Guinga (um entre seus vários parceiros). livros, musicais, documentários feitos sobre ele. Mas a verdade é que até mesmo o interesse por esta biografia, embora ela vá além do biografado, deve-se às canções que Aldir Blanc compôs com João Bosco, numa parceria das mais importantes e consistentes da história da MPB.
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