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quinta-feira, 28 de julho de 2016

MÚSICOS SE JUNTAM EM DUPLAS PARA ENFRENTAR OS TEMPOS DIFÍCEIS

Projetos destacam a produção autoral e revitalizam clássicos


Por Kiko Ferreira



Nesses tempos de dinheiro curto, economia e criatividade precisam andar de braços dados. Na música, uma das fórmulas que costumam funcionar sem muitos gastos é formar duplas para gravar discos e fazer shows. Portanto, não é por acaso que vários CDs reunindo dois artistas chegam simultaneamente ao mercado: Mestrinho & Nicolas Krassik, Nascente (Gabriel Rossi e Félix Júnior), Encontros (Arthur Dutra e Zé Nogueira) e Baião mineiro (Elder Costa e Marcos Nimrichter). Propostas diferentes com pegadas diferentes, mas todas em busca de qualidade.

O projeto que funciona melhor é o álbum de estreia da dupla formada pelo compositor e vibrafonista Arthur Dutra e pelo saxofonista Zé Nogueira. Com a variedade de timbres ampliada pelo baixo de Bruno Aguilar e presenças ocasionais das vozes Guinga e Lorrah Cortesi, além da percussão de Marcos Suzano, o trabalho traz 11 faixas. A frase escrita por Guinga para o encarte soa como mantra: “As teclas paralelas do vibrafone se encontrarão no infinito, onde haverá um saxofone soprando e esperando por elas. Nesse encontro, a música corrige a matemática”. O encarte remete à citação famosa do filósofo Leibniz (1646-1716), para quem a música seria “exercício oculto de aritmética no qual a alma não sabe que conta”.

A parceria começou em 2009, quando Zé Nogueira deixou de contar com o vibrafone de Jota Moraes em seu quinteto e encontrou a solução em Arthur Dutra. Tanto funcionou que a dupla sobreviveu além do quinteto. Gravado no estúdio de uma casa centenária no bairro carioca da Glória, o disco apresenta quatro de 10 temas compostos por Dutra em Paris entre 2012 e 2013, além de instigantes releituras de Tom Jobim (Nuvens douradas e Modinha, em faixa dividida com Veleiros, de Villa-Lobos) e Guinga (Lendas brasileiras e Nó na garganta). Encontro traz temas do francês Didier Mallherbe Nambarai e do tunisiano Anouar Brahem (Dance with waves). Fluidez e consistência rimam com essa música inventiva.



VIRTUOSE

Menos climático e mais virtuosístico é o encontro do gaitista Gabriel Grossi com o violonista Félix Júnior. Nascente – parceria de Guinga e Hermeto Pascoal – coloca em pé de igualdade as obras do bruxo albino e do dentista mais musical do país. Parceiro de Gabriel desde seu disco de estreia, Diz que fui por aí (2002), quando gravaram Nossa valsa, o mineiro Félix empunha o sete cordas com destreza, dialogando com a harmônica do brasiliense Grossi. São 15 anos de cumplicidade.

O repertório é dividido entre as obras dos dois compositores. Aberto com Senhorinha (Guinga e Paulo César Pinheiro) e fechado com o safo Baião de Lacan (Guinga e Aldir Blanc), traz faixas menos óbvias de Hermeto (Suíte norte sul leste oeste, Balaio, O farol que nos guia e Fátima), além de parcerias de Guinga com Aldir (Exasperada) e com Celso Viáfora (Dimenor). Não bastasse demonstrar intimidade ao recriar obras dos dois mestres, eles ainda compuseram, em dupla, músicas para reverenciar os compositores: Domingo Pascoal e Selva de pedra.


TRADIÇÕES

Figura ímpar na cena musical carioca, o violinista francês Nicolas Krassik está plenamente adaptado à música brasileira. Seu violino costuma frequentar rodas, shows e discos de samba e choro com desenvoltura fascinante. No grupo Fé na Festa, que acompanhou Gilberto Gil, ele conheceu o sanfoneiro Mestrinho. Admiradores de Dominguinhos e do forró, passaram a trocar figurinhas. Construíram um show em que as tradições da França e do Brasil no uso dos dois instrumentos eram revisitadas e ampliadas, produzindo diálogo frutífero.

Apesar de o ídolo da dupla ser Dominguinhos, autor da faixa de abertura (Nilopolitano), é Sivuca quem merece maior destaque. Entre as 11 músicas do CD, duas são clássicos do sanfoneiro albino: Feira de mangaio (com Glorinha Gadelha) e João e Maria (com Chico Buarque). Entre as composições de Mestrinho (Um sorriso de esperança e Em minha alma) e de Krassik (Cordestinos e Serelepe), o álbum revitaliza clássicos de Baden Powell e Vinicius de Moraes (Formosa), Jacob do Bandolim (Diabinho maluco) e até a arrebatadora Melodia sentimental, de Villa-Lobos.


BAIÃO

Fechando o pacote, uma surpresa. Mais conhecido como guitarrista da banda de Ana Carolina e autor de discos de leveza invejável, como Ímpar, que dividiu com Wolf Borges em 1998, e Lindas e benditas (2002), o violinista, compositor e cantor mineiro Elder Costa se une ao pianista e acordeonista carioca Marcos Nimrichter para registrar o CD Baião mineiro, mais intimista e variado que seus quatro álbuns anteriores. Gravado ao vivo (e sem ensaios) no estúdio Salaviva, em São Paulo, em julho de 2014, o álbum mescla originalidades e influências da dupla.

Com a presença da percussão de Marco Lobo e do baixo de Gustavo Carvalho, o disco tem 13 faixas e inquestionável sotaque mineiro. Das recriações sem pressa de Itamarandiba (Milton Nascimento e Fernando Brant), Viola violar (Milton e Márcio Borges) e Baião barroco (Juarez Moreira) a temas próprios – Congada, Na capela da minha paixão e Mantiqueira minha musa –, Elder exerce seu sotaque, quebrado no meio e no final por um solo do berimbau de Marco Lobo e por Noturno, de Nimrichter, que encerra o álbum em tom quase solene. A novidade, em termos de dicção, são as faixas Se outra paixão e Na França o mar é mulher, parcerias com Madhav Bechara que poderiam ter saído de songbooks dos gaúchos Vitor Ramil, Nei Lisboa e Totonho Villeroy.

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