Disco emblemático na carreira do artista uruguaio, "Imyra, Tayra, Ipy, Taiguara" completa quatro décadas
Por Luiz Américo Lisboa Junior
Taiguara - Imyra, Tayra, Ipy, Taiguara (1976)
Uma das virtudes dos grandes artistas é sua constante capacidade de reinventar-se sem perder o talento e a linearidade conquistada como marca principal e identificatória de sua obra. Geralmente essa percepção é vista por alguns através de uma critica rasteira e sem profundidade afirmando que o artista anda em busca de sua própria identidade, ou que ainda não se definiu completamente. Ora, esses comentários devem se referir exclusivamente a uma parcela de nossos compositores e interpretes que tem como única meta a vendagem de discos e para isso entregam-se sem escrúpulos ao mercado ficando a mercê do modismo do momento, demonstrando aí sim, um profundo descompromisso com sua atividade artística e ridicularizando-se em entrevistas ou declarações afirmando a todo instante que definiu desta vez o caminho que quer seguir, declarações, portanto, patéticas de artistas não menos patéticos, salve, salve a mediocridade!
Contudo há outros que conseguem um nível de superação tão grande que se expõem e colocam seu talento a prova demonstrando que seu universo criador é ilimitado e não se permite ser rotulado, pelo contrario, a sua afirmação esta na sua real capacidade de transgredir, recriar, mantendo a individualidade autoral constatada e conquistada na sua maturidade artístico/intelectual, desse modo ao atingir esses níveis de conscientização ele se sublima, eterniza-se, torna-se referencia e sua obra ganha dimensões até por ele jamais esperadas, esse é verdadeiro espírito daqueles que não se acomodam, inquietam-se a cada instante, deixando fluir toda sua sensibilidade e talento na busca do inalcançável em busca de uma perfeição utópica, onde não falta a ideologia, o sentimento nativo, a imagem e a fixação da pátria, múltipla em seus variados aspectos culturais e sociais e acima de tudo a sua inserção como elemento integrador do universo, seja ele de modo global ou em sua territorialidade continental, fixando-se como representante de seu chão, cúmplice dele em todos sentidos e por isso mesmo por ele apaixonado.
Desse modo a imagem projetada é a de uma obra de arte real, integralizadora, universalista e por isso mesmo respeitada por todos que dela se aproximam, pois podem sentir ali todas as nuances e características da alma do artista. Assim é na pintura, na literatura é na musica popular raros são os compositores brasileiros que se superam no próprio talento redescobrindo e redesenhando sua terra através de sons que ao nos darem prazer auditivo nos levam a constatação do sublime, da permanente sensação de prazer melódico/poético numa celebração à arte musical.
Assim temos como demonstração inequívoca e materializada dessas reflexões o compositor Taiguara, que encantou o país com belas canções de amor e o deslumbrou depois com um trabalho experimental maduro representado no LP Imyra, tayra, ipy, Taiguara, lançado em 1976 onde se verifica a sua constante renovação artística e inquietude criativa, mantendo a essência da beleza de suas composições, o talento literário e acima de tudo a ideologia libertária que sempre buscou para si e para sua gente. O disco representa a nossa ancestralidade nativa entremeada pela sonoridade de um povo e de uma nação singular, captada em sua permanecia histórica. Com uma criatividade sem paralelo em sua obra e arranjos melódicos sofisticados e inovadores torna-se atemporal pois sintetiza a busca do artista em sua permanente relação com as nossas matrizes ancestrais representada através das nações indígenas sua fonte de inspiração maior.
Entremeando faixas vocais e outras instrumentais Taiguara procura demonstrar não apenas o seu sentimento nativista como também a sua latinidade inserindo toques musicais latino americanos. Concebido em seu auto exílio na época da ditadura militar, Taiguara tinha em mente a realização de um trabalho que intencionava criticar o militarismo ditatorial do continente americano, especialmente no Brasil, para isso lançava mão de todo seu talento criando meios de driblar a censura que tanto o perseguia utlizando pseudônimos na autoria de algumas faixas e o nome de sua esposa Geisa Chalar da Silva nas três canções mais polemicas, Publico, Terra das palmeiras e Situação. O projeto foi apresentado a Emi/Odeon que o aprovou sem restrições dando carta branca a Taiguara para a seleção de quantos músicos fossem necessários para a gravação, resultando numa união poucas vezes vista de grandes feras da musica brasileira, como Wagner Tiso, na regência; Hermeto Paschoal, flauta e flauta baixo; Nivaldo Ornelas, sax soprano, tenor e flauta; Toninho Horta, violão, Jacques Morelembaun, violoncelo; Novelli, baixo acústico; Lucia Morelembaum, harpa; Ubirajara Silva (pai de Taiguara), bandoneon; Mauro Senise, flauta; Neco, bandolim; Paulinho Braga e Zé Eduardo, bateria e percussão, além de uma orquestra, perfazendo mais de 80 músicos na totalidade.
Paralelo a gravação do disco havia a realização de um show com turnê estendida a vários estados, sendo a estréia marcada para 1 de maio de 1976 nas ruínas do convento de São Miguel das Missões no Rio Grande do Sul, contudo o caráter ideológico do projeto foi abortado pela censura que proibiu o espetáculo um dia antes de sua estréia, decepcionando a todos os envolvidos e principalmente ao seu idealizador que se auto exilou mais uma vez. Mesmo sem a apresentação do espetáculo o disco foi mantido no mercado e passou a história como um dos nossos mais magníficos trabalhos musicais contemporâneos, uma obra prima, fruto do talento de um artista que o Brasil teima em esquecer ou não dar o valor merecido a sua altura, mas que nós não permitiremos jamais, pois onde tiver sentimento e brasilidade a musica de Taiguara estará sempre presente, pois ela já não nos pertence mais, é universal.
Músicas:
01 - Pianice (Taiguara)
02 - Delírio transatlântico e chegada no Rio (Taiguara)
03 - Público (Taiguara)
04 - Terra das palmeiras (Taiguara)
05 - Como em Guernica (Taiguara)
06 - A volta do pássaro ameríndio (Taiguara)
07 - Luanda, violeta africana (Taiguara)
08 - Aquarela de um país na lua (Taiguara)
09 - Situação (Taiguara)
10 - Sete cenas de Imyra (Taiguara)
11 - Três Pontas (Milton Nascimento/Ronaldo Bastos)
12 - Samba das cinco (Taiguara)
13) Primeira bateria (Taiguara)
14) Outra cena (Taiguara)
Ficha Técnica
Arranjos e orquestrações: Taiguara/Hermeto Pascoal
Regência e produção: Wagner Tiso
Diretor artístico: Miltom Miranda
Diretor de produção: Renato Correa
Técnicos de gravação: Toninho/Dacy/Roberto/Serginho
Técnico de remixagem: Nivaldo Duarte
Corte: Osmar Furtado
Montagem: Ladimar
Layout da capa: Thomas Michael Lewinsohn
Desenhos: Taiguara
Músicos:
Taiguara: Voz/piano/sintetizador/mellotron/flauta
Nivaldo Ornellas: Sax soprano/tenor/flauta
Toninho Horta: Violão
Jacquinho Morelembaun: Cello
Novelli: Baixo acústico
Paulinho Braga: Bateria/percussão em Três Pontas
Zé Eduardo: Bateria/percussão em A volta do pássaro ameríndio
Ubirajara Silva: Bandoneon em Primeira bateria
Lucia Morelembaun: Harpa
Hermeto Pascoal: Flauta/flauta baixo
Mauro Senise: Flauta
Neco: Cavaquinho
Vozes: Lucinha/Malu/Eva/Marizinha/Novelli/Nivaldo Ornellas/Wagner Tiso
Nenhum comentário:
Postar um comentário