DE QUEM SÃO ESSES CLÁSSICOS? (V)
Waldeck: humor e criatividade, além de clássicos
Semana passada, encerrando o ciclo de canções cujos títulos continham a expressão “Pau de Arara”, trouxe aqui e reproduzi para nossos leitores, aquela que talvez seja a mais desaforada de todas: “Pau de Arara é a Vovozinha”. Talvez a derradeira contendo título semelhante. Não sei.
Naquele dia, avisei que, sendo quem era o autor daquela música, não poderia parar por ali a série “De Quem São Esses Sucessos/Clássicos?”. Deixar de fora Gordurinha é faltar com um dos maiores e mais importantes nomes deste segmento que denomino de quase-desconhecidos ou anônimos autores de grandes clássicos brasileiros.
Gordurinha era o apelido – a graça pelo oposto -, de Waldeck Artur de Macedo, um perfeito magricela. Nascido na Saúde (ah, velha rua Frei Caneca, ladeira do Alvo, nota do autor), em Salvador, no dia 10 de agosto de 1922. Do seu repúdio à colonização americana, esteriotipada pela goma de mascar nasceu o bebop-samba ‘Chiclete com Banana’, em parceria com Almira Castilho (esposa e parceira de palco de Jackson do Pandeiro), que acabou por antecipar o tropicalismo ao sugerir antropofagicamente na letra: ‘só boto be-bop no meu samba quando o Tio Sam pegar no tamborim……quando ele entender que o samba não é rumba’. O desagravo antropofágico foi celebrizando por Gilberto Gil.
Mas não foi só de glória e reconhecimento tardio a vida deste que, ao lado do Trio Nordestino, iria se transformar no baluarte do forró na Bahia e no Nordeste. Sua estréia no mundo da música se deu em 1938, quando fez parte do conjunto vocal “Caídos do céu” que se apresentava na Rádio Sociedade da Bahia, fazendo depois par cômico com o compositor Dulphe Cruz.
Logo se destacou pelo seu dom de humorista e pelo sarcasmo que iria ser disseminado em suas letras anos mais tarde.
Em 1942, Gordurinha largou a Faculdade de Medicina e seguiu sua sina de cigarra. Os passos iniciais seriam dados numa Companhia Teatral. Caiu na estrada, de cidade em cidade e povoando de música e pantomimas outras plagas.
Seu próximo passo seria um contrato na Rádio Jornal de Comércio, em Recife, em 1951. Depois, o jovem compositor, humorista e intérprete Gordurinha passou pela Rádio Tamandaré, onde conheceu o poeta Ascenso Ferreira, Jackson do Pandeiro e Genival Lacerda.
Estes dois últimos gravaram, em primeira mão, várias das suas composições. “Meu enxoval”, um samba-coco em parceria com Jackson do Pandeiro seria um dos carros chefes do disco ‘Forró do Jackson’, de 1961.
Outro que se daria bem com uma composição do baiano seria o forrozeiro paraense Ary Lobo – outro artista que o Brasil insiste em esquecer – que prenunciou o Mangue Beat ao cantar: ‘Caranguejo-uçá, caranguejo-uçá/ A apanho ele na lama/ E boto no meu caçuá/ Caranguejo bem gordo é gaiamum/ Cada corda de 10 eu dou mais um.
“Vendedor de Caranguejo” foi gravada por Clara Nunes, em 74, e por Gilberto Gil no seu ‘Quanta’, de 1997. Entre centenas de sucessos, alguns clássicos, Gordurinha, sozinho ou em parcerias – fez maravilhas como “Baiano Burro Garanto que Nasce Morto”; “Mambo da Cantareira”; “Pau de Arara é a Vovozinha”; “Chiclete com Banana” e esta que escolhi por ser uma das mais belas obras do cancioneiro popular brasileiro:
Súplica Cearense (Gordurinha e Nelinho), com Luiz Gonzaga e Fagner
Oh! Deus, perdoe este pobre coitado
Que de joelhos rezou um bocado
Pedindo pra chuva cair sem parar
Oh! Deus, será que o senhor se zangou
E só por isso o sol arretirou
Fazendo cair toda a chuva que há
Senhor, eu pedi para o sol se esconder um tiquinho
Pedir pra chover, mas chover de mansinho
Pra ver se nascia uma planta no chão
Oh! Deus, se eu não rezei direito o Senhor me perdoe,
Eu acho que a culpa foi
Desse pobre que nem sabe fazer oração
Meu Deus, perdoe eu encher os meus olhos de água
E ter-lhe pedido cheinho de mágoa
Pro sol inclemente se arretirar
Desculpe eu pedir a toda hora pra chegar o inverno
Desculpe eu pedir para acabar com o inferno
Que sempre queimou o meu Ceará
– O único registro que tenho do parceiro de Gordurinha em ‘Súplica Cearense’, Nelinho, é procedente de um blog, “Dr Zem”, que diz: “A música “Súplica Cearense”, foi criada em um período de muita chuva no Nordeste e, em um programa de TV, onde estavam sendo arrecadados dinheiro e comida para as famílias atingidas. Meu avô (Gordurinha) estava no camarim com Nelinho, e juntos fizeram a música e na mesma hora pediram para apresentá-la”. – carta enviada por Walddeck Luiz Macedo de Souza (Gordurinha Neto). A música é de Nelinho e a letra de Gordurinha.
Fontes:
Dicionário Ricardo Cravo Albin;
Vagalume;
Wikipedia; e
Blog Zem
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