Chico já era conhecido, seu primeiro Lp era um estrondoso sucesso, e estava se apresentando para pouco mais de cem pessoas (entre as quais fui assíduo autoconvidado) que abarrotavam a casa para ouvi-lo cantar “Olê olá”, “Morena dos olhos d’agua”, “Tem mais samba” (“tem mais samba no porto que na vela/ tem mais samba o perdão que a despedida...”) e seus outros hits. Todas as noites ele encaixava nas músicas versos que criava de improviso para homenagear os amigos presentes.
Além da música, o futebol — e a paixão pelo Fluminense — nos aproximavam: íamos (quase) todos os domingos ao Maracanã, onde ficávamos tomando cerveja nas cadeiras e gritando no meio da torcida “Jovem Flu”, que fundamos junto com Hugo Carvana, Ronaldo Bôscoli, Carlos Leonam, Paulo César Oliveira e outros fanáticos tricolores. Fizemos muito barulho nos estádios incentivando o time — e na imprensa, pressionando a diretoria para comprar craques ou trocar de técnico.
Uma tarde Chico apareceu com uns amigos no jornal. Queria protestar porque seu samba “Tamandare” tinha sido proibido pela Censura, por desrespeitar a memória do patrono da Marinha. Fui o repórter escalado para ouvir o amigo. O samba de Chico reclamava da vida e do salário e gozava o Marquês de Tamandaré, que ilustrava as notas de um cruzeiro, que não valia nada. A matéria inflamada saiu, mas a música ficou: a Censura não tinha o menor humor e estava cada vez mais intolerante.
O ritmo da pilantragem se popularizava: “Carango”, um samba jovem balançado de Imperial e do maranhense Nonato Buzar, gravado por Simonal e o Som Três, estoura nas paradas: “Ninguém sabe o duro que dei, pra ter fon-fon trabalhei, trabalhei...” Novo gol da dupla Imperial e Simonal: “Nem vem que não tem”, uma nova pilantragem com uma primeira parte inteira falada no ritmo da música, um proto-rap com molho carioca: “Nem vem que não tem, nem vem de garfo que hoje é sopa, nem vem de escada que o incêndio é no porão...” Outro petardo de Imperial, na mesma levada dançante, se torna um sucesso nacional com Simonal, mais pilantra do que nunca, explicando por que as garotas gostam tanto dele: “Eu era neném, não tinha talco, mamãe passou açúcar ni mim.” Louras e morenas choviam na horta do “Simona”, navegando nas noites cariocas a bordo de um dos carros mais bonitos da cidade. Simonal é contratado pela Shell para estrelar suas campanhas comerciais. Uma idéia-bomba da Magaldi, Maia & Prósperi: pela primeira vez um negro brasileiro, além de Pelé, tinha sua imagem associada a uma grande companhia estrangeira. A peso de ouro.
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