Mas quanto mais ouvia mais sentia que João Gilberto e Tom Jobim estavam anos-luz, anos-som adiante deles. Carlos Lyra e sua turma tinham preocupações sociais, acreditavam na música como instrumento de ação política, denunciavam a jazzificação da bossa nova, criticavam sua americanização e “elitização” e buscavam as raízes populares na (re)descoberta de grandes sambistas cariocas como Cartola e Nelson Cavaquinho e de artistas populares nordestinos como Luiz Gonzaga, João do Vale e Jackson do Pandeiro. A sua “linha musical” basicamente seguia as idéias do Centro Popular de Cultura da UNE, do qual Lyra foi um dos fundadores e que reunia a fina flor da jovem esquerda carioca, de onde sairia boa parte do Grupo Opinião de teatro e do Cinema Novo.
“Pobre samba meu foi se misturando, se modernizando e se perdeu e o rebolado, cadê não tem mais... e o samba meio torto, ficou meio morto, influência do jazz...”
Reclamava Carlos Lyra em “Influência do jazz” com tanto talento e tão boa melodia, que a música acabou paradoxalmente se tornando um hit nos shows do Beco das Garrafas — a antítese do samba-social e reduto irredutível do samba-jazz —, onde recebeu exuberantes interpretações, naturalmente ultrajazzísticas. Coisas de Copacabana. O samba-jazz dos músicos do Beco das Garrafas, com seus naipes de metais, sua percussão pesada, seus cantores improvisadores, chegou a ser chamado de “heavy samba” por um crítico de jazz francês e, apesar do espanto que provocou, não estava longe da verdade musical.
Conheci Sérgio Mendes acendendo um peido em frente ao Little Club, no Beco das Garrafas. Numa roda de papo, ele empinou a bunda, acendeu um isqueiro na “linha de tiro” e — como um engolidor de fogo de circo — lançou na noite carioca uma chama azulada e fugaz, entre aplausos e gargalhadas.
Sérgio era uma das grandes estrelas do samba-jazz do Beco das Garrafas. Celebrado por seu talento e bom gosto musical e temido pela língua ferina e divertida, ele era um jovem pianista de Niterói, fã de Bill Evans e Horace Silver, de grande sensibilidade harmônica e com um fraseado musical ágil e elegante. Sérgio Mendes não tocava só jazz, tocava Tom Jobim e músicas do moderníssimo maestro Moacyr Santos com seu sexteto Bossa Rio, que durante meses superlotou os 50 lugares do Bottle’s Bar, agora do ex-garçom Alberico Campana, e resultou num dos melhores discos instrumentais já produzidos no Brasil, que se intitulava desafiadoramente “... e você ainda não ouviu nada”.
Sérgio no piano liderava Edson Machado na bateria, Otávio Bailly no baixo, o argentino Hector Costita no sax tenor e Raul de Souza e Edmundo Maciel nos trombones, tocando arranjos sensacionais de Tom Jobim, de Moacyr Santos e do próprio Sérgio para “Corcovado”, “Ela é carioca”, “Nana” e “O amor em paz”, que se tornaram históricos, pela audácia harmônica à Gil Evans, pela potência e precisão do ataque dos metais, pelo suingue e pegada da cozinha, pelos solos e improvisos, por sua linguagem moderna... e brasileira. O disco teve impacto extraordinário no meio musical e para muitos juntava o melhor do jazz e da bossa nova, mas não podia ser chamado de jazz nem de bossa.
Porque era samba-jazz. João Gilberto não tinha nada a ver com isso e dizia que sempre fez samba. E nunca levou a sério esta história de samba-jazz. Samba sempre foi samba, todo mundo (achava que) sabia o que era, só que João tocava e cantava samba tão diferente, que parecia mais próximo do cool jazz do que do batuque dos terreiros. Depois entendi que ele sintetizava em seu violão uma bateria de escola de samba.
Mas, além do samba e de Orlando Silva, João também amava Chet Baker, como todos nós. Chet cantava como um músico, como todos os grandes cantores, mas não reproduzia no seu canto os fraseados e os solos que fazia em seu trompete. Parecia buscar um campo intermediário entre o som cool e intimista do seu instrumento e o sentimento da sua voz, frágil e vulnerável. Chet cantava com um fio de voz, murmurando, mastigando, soprando as palavras. Direto ao coração. De Manhattan a Copacabana. Como João Gilberto, parecia que Chet Baker tinha descoberto a existência real do microfone. Antes deles, parecia que os outros — até mesmo Sinatra e Ella — usavam o microfone só para amplificar o volume de suas vozes, mas continuavam cantando como se estivessem
no palco. Eles não: cantavam ali ao seu lado, no seu ouvido. A tecnologia os libertava da tirania da força vocal e do volume, e eles podiam criar uma nova expressividade, mais econômica e precisa, mais suave e elegante; novos ambientes sonoros para novos tempos. Com eles a música saía menos dos pulmões e mais do coração. Eles eram radicalmente tecnológicos: não existiriam sem o microfone. Nem nós sem eles.
A ala “light” da bossa carioca se concentrava em torno de Roberto Menescal e Ronaldo Bôscoli, que começaram a compor juntos e a partir do estrondoso sucesso de “O Barquinho” — gravado por João — emplacaram um hit atrás do outro, com Maysa, Os Cariocas, Sylvinha Telles e outros. “Vagamente”, “Nós e o mar” e “Rio” eram músicas leves, com letras românticas e coloquiais, rimas sonoras e paisagens marinhas. Eles se acreditavam a ortodoxia da bossa nova carioca, defensores do que achavam ser o fundamentalismo jobino-gilbertiano, a arte pela arte, onde entre patos e lobos não havia lugar para retirantes ou favelados, personagens de destaque na nova bossa social.
Mas João Gilberto não tinha nada a ver com isso e Tom Jobim parecia representar um equilíbrio entre as duas tendências, talvez porque as duas tenham se originado dele, que se situava em algum ponto acima das facções que buscavam a sua aprovação. Tom não dizia que sim nem que não, nem se era samba ou jazz, gostava de Ary Barroso e Cole Porter e era adorado por todos. Mesmo nas mais ferozes polêmicas entre nativistas-sociais e parnaso-jazzistas, seu nome sempre pairava acima de qualquer dúvida ou suspeita e freqüentemente era até usado para acusar de traidores de sua música tanto uns como outros.
No final de 1962, no Beco das Garrafas só se falava em Carnegie Hall. Todo mundo ia para o show do Carnegie Hall, uma jogada do americano Sidney Fry, dono da gravadora Audio Fidelity, que queria marcar com um grande evento a chegada oficial da bossa nova aos Estados Unidos. Todo mundo no Beco dizia que ia tocar no Carnegie Hall. E muitos realmente foram e cantaram e tocaram, mas, quando ouvimos a fita com a gravação ansiosamente esperada, tirando João Gilberto, Tom Jobim e Sérgio Mendes, o mais era quase só nervosismo, amadorismo e tremedeiras.
João, Tom e Sérgio ficaram em Nova York. Disputados por gravadoras, assinaram contratos para discos, chamaram a atenção da imprensa especializada, encantaram os jazzistas. O resto do pessoal voltou para o Beco.
Nos Estados Unidos, os dois mestres e inventores, João e Tom, e o mais talentoso músico e bandleader a fundir samba e jazz, o niteroiense Sérgio, iniciavam carreira internacional, paparicados pelos grandes nomes do jazz como Stan Getz, Cannonball Adderley e Gerry Mulligan e pelos críticos mais influentes. A primeira vez que ouvi Stan Getz e Charlie Byrd tocando bossa nova, com todo o respeito, achei, achamos todos, que eles ainda teriam que comer muito feijão para chegar à síntese, à elegância e, sobretudo, ao suingue de Tom e João. Com o tempo, fui me acostumando e gostando. Afinal, apesar de o ritmo me soar meio “quadrado”, pesadão, o fraseado e o timbre de Getz eram belíssimos, e as harmonizações de Byrd eram complexas e sofisticadas.
O ritmo é que era o problema, parecia um violão meio gago, duro, não tinha aquela fluência e leveza do violão de João. Era duro ouvir, em outros discos, os primeiros bateristas americanos que tentavam fazer o suingue da bossa: era só aquele barulho de baqueia no aro da caixa, pocpoc, poc-poc. Mas também tivemos o orgulho de ver os cultuados Hilos,um dos grandes grupos vocais americanos, dedicando um disco inteiro à bossa nova. Mas para as novíssimas gerações não havia coisa mais velha do que a bossa nova. A expressão estava desmoralizada e os jovens músicos, que veneravam Tom e João com paixão xiita, não queriam mais fazer bossa nova: faziam “samba moderno” ou então “nova música brasileira”, ou simplesmente “música popular brasileira”.
Uma noite no Bottle’s Bar ainda meio vazio, ouvi um mulato forte e bonito cantando e tocando um violão muito diferente. Não tinha nada de jazzístico, mas também não tinha nada de João Gilberto. Ele não dedilhava o violão, mas tocava-o vigorosamente com a mão inteira, rítmico e percussivo à maneira dos bluesmen. Mas o que ele tocava era indiscutivelmente samba. Mas um samba com uma batida muito diferente, talvez porque fosse um misto de maracatu, como dizia a letra e cantava Jorge Ben em “Mas que nada”.
Fiquei impressionadíssimo, contei para toda a turma, cantei-lhes um pedaço da música e uma noite, no Juão Sebastião Bar, o templo da bossa em São Paulo, comentei entusiasmado com Carlos Lyra que tinha ouvido um tal de Jorge Ben, que estava fazendo uma mistura sensacional de samba com maracatu, mas ele não deu a menor bola. Se eu tivesse dito a verdade, que o que Jorge chamava de maracatu parecia rock, ele não teria acreditado. Nem eu. Marcos Valle e Edu Lobo eram compositores de muito talento e tocavam violão muito bem, embora não tanto quanto Dory, um divertido baiano-carioca, que levava música a sério e era filho de Dorival Caymmi — o mestre de seu mestre, João Gilberto. Como João visitava Caymmi freqüentemente e cantava durante horas para ele, Dory desfrutou o privilégio de ver, ouvir e aprender com quem tinha inventado tudo. Tocava violão o dia inteiro e acompanhava a irmã Nana nos shows e nas festinhas com harmonizações moderníssimas para canções de Tom Jobim e de Caymmi. Nana era tão fã de João Gilberto que daria o nome dele a seu primeiro filho.
Os primeiros da turma a ter uma música gravada foram os irmãos Valle, Marcos e Paulo Sérgio, que emplacaram “Sonho de Maria” no disco do Tamba Trio: uma bela melodia romântica com harmonizações sofisticadas, pura bossa nova jobiniana, com uma letra sobre o drama, o desespero e finalmente o suicídio de uma empregada doméstica: “Tanta roupa pra lavar todo o barraco pra arrumar tanta coisa pra chorar todo morro a sambar tanta gente pra invejar nenhum sonho pra sonhar...” Foi um sucesso. Principalmente nas jovens rodas musicais da cidade, que se multiplicavam e se dividiam. Ninguém queria mais saber da bossa nova ligeira e praieira, o barquinho ia e a tarde caía, o tempo no Brasil esquentava e pedia ritmos e palavras mais fortes, música e política começavam a se misturar e se confundir com a ascensão populista de Jango Goulart.
O Tamba Trio, liderado por Luiz Eça, era um grande sucesso artístico e comercial no Brasil inteiro e fazer parte do seu disco já era uma glória local para os irmãos Marcos e Paulo Sérgio, louros e surfistas, bronzeadíssimos e queridos das meninas. Ainda por cima, moravam numa bela casa com piscina no canal do Leblon, vizinhos de Tom Jobim, que Marcos visitava freqüentemente. Em todas as rodas musicais, os irmãos eram bem recebidos e, mesmo entre os mais rigorosos, era unânime o reconhecimento do talento de Marcos que, além de compor belas melodias e harmonias sofisticadas, cantava com voz pequena e afinada e tocava muito bem piano e violão: era considerado — com Dory Caymmi e Edu Lobo — um dos maiores talentos da novíssima geração e logo recebeu proposta da Odeon para gravar seu primeiro disco, com arranjos de Eumir Deodato.
Marcos tinha sido companheiro de tortura de Edu, tanto nos bancos do Colégio Santo Inácio como em sete longuíssimos anos de aulas de acordeão numa abominável academia de Copacabana, por imposição materna: ouvido de mãe não se engana. Com 16 anos, liberto do acordeão, Marcos fez sua primeira música no violão: “Duas mulheres me adoram e por mim choram...” Um certo exagero poético: as duas “mulheres” tinham 15 anos cada, num tempo em que maiores intimidades, embora mínimas, demandavam muito cinema e paciência. E para que ninguém chorasse, Marcos namorava as duas.
Marcos e Edu formavam um trio vocal com Dory e cantavam música brasileira moderna, ou contemporânea, ou o que fosse, menos bossa nova, embora tivessem por Tom e João a mesma paixão absoluta. Cantando “Sonho de Maria”, os três apareceram pela primeira vez na televisão.
Uma noite Edu recebeu um telefonema de sua amiga Olivia Leuenroth, de Petrópolis, dizendo que Vinícius, que era amigo de seu pai, Cícero, fundador da Standard Propaganda, estava em sua casa e era uma ótima oportunidade para conhecê-lo.
Edu pegou um ônibus até a rodoviária e de lá outro até Petrópolis. Alguns drinques e músicas depois, quando o poetinha já estava animadíssimo e derramando charme sobre a jovem filha de um escritor amigo, perguntou a Edu se ele não tinha uma musiquinha para ele fazer uma letrinha para expressar o climazinho romântico com a meninazinha, que estava embevecida com as atenções do poetinha. Claro que Edu tinha e o poeta foi para um canto e rapidamente escreveu:
“Não sei se foi um mal, não sei se foi um bem, só sei que me fez bem ao coração...”
E só fez bem mesmo: Edu voltou de Petrópolis com os versos de “Só me fez bem” dobrados dentro do sapato para não perder e completamente bêbado, sem acreditar no que tinha acontecido: era parceiro de Vinícius de Moraes e tinha 19 anos. Começou a fazer sucesso no circuito dos shows universitários e das festinhas e levava música extremamente a sério, queria estudar, aprender, criar.
Quando Edu conheceu Ruy Guerra, um cineasta moçambicano muito politizado de temperamento polêmico, formado pelo Institute Des Hautes Études Cinematographiques em Paris, que namorava Nara Leão, encontrou um amigo e um parceiro ideal. Juntos fizeram uma série de músicas de inspiração nordestina (Edu era de ilustre origem pernambucana, filho do jornalista, radialista e compositor Fernando Lobo), com melodias ricas sobre harmonias sofisticadas e letras sonoras e políticas, de denúncia social e de chamadas à transformação, como “Requiem” e “Canção da terra”.E também canções líricas, mas com imagens fortes e carnais, opostas aos diminutivos e romantismos da bossa de Copacabana, dos sucessos de Menescal e Bôscoli.
Culto e inteligente, de formação européia, Ruy Guerra teve participação intensa na definição e amadurecimento da música de Edu Lobo. E também nos rumos da criação de outro jovem músico do Rio, membro de outra ilustre linhagem, esta anglo-carioca: Francis (Victor Walter) Hime estudava Engenharia, mas só pensava em música. Tocava piano e violão, bebia bem e era amigo de Vinícius, seu parceiro em “Sem mais adeus”. Era chamado pelo poetinha de “príncipe da moderna canção brasileira” e parecia mesmo: além de talentoso, Francis era bonito e nonchalant, fino e educado, criado entre o Country Club, colégios suíços e os melhores salões da sociedade carioca.
Voltando de São Paulo, Edu me disse que tinha conhecido na casa de Horácio Berlinck um cara muito inteligente, que fazia boas músicas e ótimas letras. E até me cantou uma delas, um samba sincopado, tipo Geraldo Pereira, muito bom.
“Ô Teresa, esta tristeza não tem solução ser mulher é muito mais do que pregar botão não vê não...” Algum tempo depois, o amigo paulista de Edu apareceu, tímido e simpático, numa roda de violão na praia. Pediu o violão para mostrar umas coisinhas. Tocou algumas músicas e as meninas estavam adorando. Mas quando ele disse que teria uma música sua gravada pela Claudete Soares, achei que era pura cascata (ou “bafo”, como se dizia na época). Imaginem se a grande Claudete Soares iria gravar a marchinha de um inédito. E paulista! Ele cantou “Marcha de uma manhã de sol” e assim que terminou, pedi licença e tomei-lhe o violão — que era meu — e comecei meu showzinho.
Foi assim que conheci Chico Buarque.
Que além de tudo era carioca. Paulista era eu, que nasci na Maternidade São Paulo, na Rua Frei Caneca, mas vivia em Copacabana desde os cinco anos de idade. Chico era aluno de meu tio, Flavio Motta, na Faculdade de Arquitetura e Urbanismo de São Paulo e depois ficamos amigos e ele ficou famoso e quanto mais amigos ficamos mais ele se divertia em me torturar — fez isto durante anos, com sádico prazer — me lembrando o histórico mico. Mas a História me absolve, afinal, a grande Claudete Soares, que tinha menos de um metro e meio e era uma estrelinha da bossa nova depois de ter começado como “a princesinha do baião”, jamais gravou “Marcha de uma manhã de sol”.
Roberto, com uma pastinha debaixo do braço, e Erasmo, carregando um violão, entraram esperançosos no elevador do velho prédio de quatro andares onde funcionavam a gravadora e os estúdios RCA, nas vizinhanças da Central do Brasil. Roberto precisava gravar: seu primeiro Lp produzido por Imperial tinha fracassado e agora todas as suas esperanças se concentravam em uma versão que Erasmo tinha feito para “Marina”, um calipso lento de levada contagiante que ele tinha ouvido no “Make Believe Ballroom” da Rádio Metropolitana e que estava estourando nos Estados Unidos. Na pastinha levava o seu compacto de “Brotinho sem juízo” para mostrar que já tinha gravado e a letra do calipso, porque queria mudar de gênero.
A porta do elevador se fechou e em seguida se abriu para que entrassem Cauby Peixoto e seu empresário Di Veras. Roberto perdeu o fôlego, Cauby era um de seus grandes ídolos, seu modelo de cantor. Quando a porta se fechou, Roberto não se conteve: “Sou grande admirador seu”, gaguejou para Cauby. “Eu também”, Erasmo acrescentou. E Cauby, rindo magnânimo: “Eu sei, garotos, eu sei...”
“Quer dizer que vocês também vão... lá?”, perguntou enigmaticamente Cauby, enquanto o elevador subia lentamente.
“Não, nós vamos conversar com o diretor artístico para ver se a gente grava um disco”, respondeu Roberto. Eufórico, Cauby fez um vocalise e contou que ia gravar um sucesso, uma música que estava arrebentando no mundo inteiro. “Vocês ainda não conhecem, mas é uma música maravilhosa, que se chama ‘Marina’, um sucesso nos Estados Unidos, se quiserem podem assistir à gravação”, convidou o ídolo gentilmente.
Murchos e mudos, Roberto e Erasmo nem saíram do elevador. Desceram lentamente em silêncio e pegaram o lotação de volta para a Tijuca. Mas apesar de todo o seu sucesso internacional e de toda a voz e popularidade de Cauby, “Marina” fracassou no Brasil.
Roberto continuava se apresentando nos programas vespertinos de Imperial na rádio e na TV e à noite trabalhava como crooner na Boate Plaza, em Copacabana, onde cantava um repertório mais romântico e imitava João Gilberto cantando sambas, acompanhado pelo piano de João Donato e o conjunto da casa.
“Maria e o samba” foi a primeira música que Erasmo fez sozinho. Roberto gostou e aprendeu, ensinou a Donato e começou a cantar no Plaza: “Se faltasse o samba, Maria de nada valeria, Mas se faltasse Maria eu não teria vontade alguma de escutar meu samba...” “Aparece lá para ouvir, o Donato gosta muito”, convidou Roberto. Erasmo apareceu no dia seguinte: era a primeira vez que ia a uma boate. Mas sem paletó e sem documentos foi barrado na porta. Com um paletó emprestado pelo porteiro a pedido de Roberto, entrou pelos fundos e se escondeu numa mesinha perto da cozinha. Roberto lhe pagou um Cuba libre e ele ouviu sua música e ficou ali a noite inteira. Com o dia clareando em Copacabana, pegou o lotação de volta para a Tijuca ainda sonhando com aquelas luzes e aqueles sons.
No dia seguinte voltou. Mas não foi só ao Plaza, passou pela porta do Drink, do Arpege, entreouvindo a música que saía, seguiu a pé pela Avenida Atlântica, passou por todos os bares do Beco das Garrafas, Little Club, Bottle’s, Dominó, entrando em alguns como quem procura alguém, foi até o final da Praia de Copacabana, passando por todas as boates, e no Posto Seis pegou seu lotação de volta para a Tijuca. Uma tarde Roberto foi até a casa de Erasmo em busca de um disco de Elvis, Hound Dog, para tirar a letra. Graças a Imperial, que era um dos promotores do espetáculo, ele ia cantar na abertura do show de Bill Halley no Maracanãzinho, junto com todo o “Clube do Rock”. Erasmo tinha tudo de Elvis, discos, fotos, letras, Roberto agradeceu e convidou: “Aparece lá no ‘Clube do Rock’.”
Erasmo foi ao Maracanãzinho, dançou na arquibancada, viu Roberto, as bailarinas e os mímicos e no dia seguinte foi para a TV Tupi, onde Imperial apresentava o “Clube do Rock”, um programinha de 15 minutos dentro de um programa de variedades vespertinas produzido por Jacy Campos, que tinha também culinária, decoração, moda, entrevistas e novidades femininas pela tarde adentro.
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