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sábado, 30 de janeiro de 2016

ESTUDANDO A MPB: REFLEXÕES SOBRE A MPB, NOVA MPB E O QUE O PÚBLICO ENTENDE POR ISSO - PARTE 08

Por Rafael Machado Saldanha 


RESUMO: Este trabalho pretende discutir a evolução do uso da sigla MPB (Música Popular Brasileira), desde sua popularização, nos anos 60, até os dias de hoje, dando ênfase para sua ramificação recente conhecida como “Nova MPB”. Também se buscou compreender como se dá a recepção por parte do público brasileiro, procurando contrastar as informações obtidas nas pesquisas bibliográficas com a opinião de ouvintes de MPB reunidos através de um fórum da Internet. Palavras-Chave: Música Brasileira – Estudos da Recepção – MPB – Nova MPB 


O fim?


Este não é o fim dessa história. Não é o fim da discussão. Embora muitas das questões levantadas tenham sido respondidas ao longo dos últimos capítulos, muitas novas foram surgindo, o que nos mostra que ainda há muito para se dizer sobre a MPB. A complexidade do tema faz com que este se torne um tanto caleidoscópico: de cada ângulo que se olha, se tem uma visão nova.

A própria conceituação do que a sigla representa não é um ponto pacífico. Ao longo de sua história, MPB significou várias coisas diferentes. Serviu para nomear a música engajada do início dos anos 60, aceitou os experimentalismos do tropicalismo, herdando seus artistas após o fim do movimento. Se ampliou indefinidamente para aceitar os roqueiros-poetas dos anos 80 até ser tomado cada vez mais como um estilo musical definido, que herda a brasilidade das tradições musicais antigas, a sofisticação da Bossa Nova, o flerte com o popular e o pop principiado no tropicalismo... Para cada contexto, há uma resposta, de modo que algumas vezes parece ser quase impossível dizer com certeza se determinado artista é MPB. Mais fácil dizer que ele está MPB. É possível dizer isso porque parece que os diversos significados que a sigla teve ao longo das décadas continuam vigentes, ocupando e confundindo o imaginário musical brasileiro.

Carlos Sandroni trabalhou recentemente com os gêneros oitocentistas e a dificuldade de se defini-los. À época, o uso de expressões como “Tango” era diferente do que temos hoje. O autor chega a dizer:

O que é curioso, no entanto, é que não era apenas a habanera a sofrer desse problema.
No Brasil, há numerosos exemplos de casos semelhantes: gêneros populares como o lundu,
o fado, o maxixe e o samba foram todos em um momento ou outro
chamados de “tango”. (Sandroni, 2005: 180)

Hoje, o tango é um gênero musical reconhecido, facilmente distinguível. Sandroni salienta que este uso não é fruto de erro:

A recorrência da situação mostra que não se tratava de “erros” ou de “confusões”,
mas do simples fato do que na segunda metade do século XIX, e até um pouco mais tarde,
a habanera e os outros gêneros mencionados podiam mesmo ser chamados de tangos,
com plena consciência, e até mesmo a despeito das intenções do autor (...).
Tango, de acordo com os testemunhos da época que pude consultar, era um nome
genérico para canção e dança considerados de influência negra ou mestiça,
no quadro do mundo ibero-americano. (Sandroni, 2005: 181)

Assim, pode ser que a dificuldade em se definir MPB aconteça por este mesmo motivo: assim como o Tango, a expressão está deixando de significar uma coisa mais ampla – 61 a totalidade da música popular produzida no Brasil – para se tornar algo mais específico – um gênero musical.

A Nova MPB, que parecia ser mais fácil de ser definida, se mostrou igualmente profunda. Os aspectos que deveriam diferenciá-la da “Velha MPB” são justamente os que mais as aproximam. A tentativa de se verificar se o flerte com a pós-modernidade seria uma novidade, revelou-se que a MPB desde o início tem em sua estrutura um “quê” de pósmoderno, que ficaria mais evidente em algumas horas e menos em outras. A mistura do velho com o novo – outro aspecto que é apontado como definidor da Nova MPB – parece até mesmo preceder sua versão antiga. Afinal, não teria a Bossa Nova sido influenciada fortemente pelos antigos sambas e músicas eruditas aliados a então novidade do cool jazz? Assim, muitos acusam a expressão de ser utilizada como mera etiqueta mercadológica, como uma tentativa de se agrupar e rotular alguns artistas para facilitar a sua entrada no mundo da indústria cultural e maximizar suas vendas, numa “produtificação” daquilo que deveria ser arte e cultura. Mas, no entanto, todos conseguem identificar sem muita dificuldade quem se encontra coberto por sua sombra: sinal de que ou esse processo tautológico foi realmente eficaz, ou verdadeiramente existe algum elemento distintivo ainda a ser descoberto.

 As pesquisas com a recepção foram fundamentais para se compreender o sistema da música no Brasil de maneira completa. Saber como os diversos pontos teóricos repercutem junto ao público ajuda a ampliar nossa percepção da importância que determinados fatos na construção da imagem e do pensamento sobre a música brasileira, e em específico a MPB, tem para aqueles que a consomem hoje.

Outro ponto importante da pesquisa foi esboçar um perfil do ouvinte típico da MPB. Notando quem respondeu ao convite de participar da pesquisa, podemos perceber semelhanças entre eles: geralmente são pessoas bem educadas, que sabem se expressar bem e respeitam as opiniões dos outros debatedores – ao menos quando estão entre “iguais”. A grande maioria apresenta um bom conhecimento sobre o assunto, se interessando pela história dos movimentos e pela biografia dos artistas. No entanto, em pouco tempo percebe-se em alguns um certo tom de elitismo, um sentimento de superioridade, uma sensação de não pertencimento àquela massa a qual eles tantas vezes se referem.

Neste aspecto, a pesquisa com a recepção serviu para confirmar o que já se desconfiava desde o primeiro capítulo: a MPB ocupou o espaço de “alta cultura dentro da cultura de massa”, como havia previsto Morin(1997a). Como já havia dito Marcos Napolitano(1999), a MPB se tornou sinônimo de bom gosto, e isso faz com que seus fãs se julguem acima daqueles que não compartilham seu “gosto musical superior”.

Pudemos constatar que embora o discurso consciente se mostre inclusivo, talvez devido a pressões do que se considera politicamente correto, para estes ouvintes da MPB ela continua precisando do “outro” para se definir. Se o papel desse “outro” foi interpretado pela Jovem Guarda nos anos 60, hoje ele parece caber àquilo que comumente é chamado de “música mais ‘popular’”. Sob este rótulo se encontram o funk carioca, o pop rock, a axé music, o pagode romântico, o forró universitário e todas aquelas expressões que não são imediatamente associadas ao cânone da MPB, mas ocupam lugar de destaque nas listas de mais vendidos das gravadoras e mais executadas nas estações de rádio e canais de televisão. Assim, não por acaso, os fãs de MPB elegeram a mídia como principal inimiga. Mesmo havendo várias rádios dedicadas exclusivamente a ela, na opinião de muitos, a MPB não estaria tendo o devido espaço nos meios de comunicação massivos. A mídia, contaminada pelo jabá, estaria impedindo que mais pessoas tivessem acesso àquela música de bom gosto que eles já possuem.

Ignoram, no entanto, um princípio básico da comunicação que diz que nenhuma recepção é completamente passiva. Embora o processo de repetição influencie, ele sozinho não é determinante para se garantir a massificação – se assim fosse, as gravadoras não precisariam investir em diversidade. É o que diz o modelo teórico de Lazarsfeld:

Suas premissas de base estabeleciam ser característica de todo ser humano a
capacidade de “fazer escolhas”. Nega, portanto, que um público tido por “massivo” somente “reaja”.
(...) Lazarsfeld não titubeou em afirmar que cada indivíduo é capaz de procurar
e encontrar um meio de comunicação cujo conteúdo mostre compatibilidade
às suas convicções e modos de ver. (Polistchuk; Trinta, 2003: 90-91)

García-Canclini (1996) corrobora com essa tese e acredita que o consumo se dá de maneira consciente, vendo neste uma poderosa ferramenta de construção de identidade. Porém, é dessa forma que essa parcela elitista dos ouvintes da MPB justifica o afastamento de seus ídolos das camadas mais populares do gosto, o que lhes é conveniente, por manter “imaculado” o Olimpo onde se encontram seus ídolos – e de uma certa maneira, eles próprios.

Como podemos ver, cada vez que se encerra uma questão, outra parece se abrir. Por isso, seria injusto dizer que este é o final dessa jornada. Este foi somente um primeiro passo.










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