Disco tem como convidadas nomes como Mônica Salmaso, Maria Pia de Vito, Maria João e Esperanza Spalding
Durante uma longa entrevista por telefone, o violonista e compositor carioca Guinga resolve remexer suas memórias. “Aos 28 anos, ganhava US$ 8 mil por semana como dentista. Dinheiro pra cacete. Estava juntando uma boa grana para comprar um apartamento no Leblon. Veio um monte de problemas e, em três anos, perdi tudo o que tinha. Amanheci sem trabalho e sem dinheiro. Doença e governo, por exemplo, formam o binômio perfeito para ferrar com teu dinheiro.”
Hoje, aos 65 anos e depois de três décadas tratando o dente alheio, conclui: “Foi a música que me salvou”. Por um tempo, o artista conciliou as duas atividades e estava satisfeito assim. “Como dentista, eu fazia a música que bem entendesse, sem precisar bater em porta de gravadora”, diz. Com as “porradas da vida”, fez da música sua única profissão e, hoje, comemora os vários discos que colegas gravam com sua obra, bem como os belos trabalhos que assina, a exemplo do recém-lançadoPorto da Madama (Selo Sesc).
Esse último trabalho tem como principal característica o revezamento de quatro cantoras absolutamente distintas ao longo das 13 faixas: a paulistana Mônica Salmaso, a italiana Maria Pia de Vito, a portuguesa Maria João e a norte-americana Esperanza Spalding, que formam um painel com referências de MPB, jazz, música africana e fado. O Porto da Madama, a propósito, existe: uma antiga estação de trem perto de Niterói (RJ), engolida pelo crescimento da cidade.
No repertório, o artista colocou seis temas próprios, a exemplo de Cine Baronesa (com Aldir Blanc),Passarinhadeira (com Paulo César Pinheiro), Ilusão real(com Zé Miguel Wisnik) e a faixa-título. Entre as releituras de obras de outros compositores, estão Lígia(Tom Jobim), Canção da noiva (Dorival Caymmi),Serenata do adeus (Vinícius de Moraes) e Dúvida, com Domingos Ramos (Luiz Gonzaga).
CONVIDADAS
Guinga já havia tocado com todas elas e, a princípio, havia pensado em fazer disco só com estrangeiras interpretando suas músicas. Maria João e Maria Pia estão para lançar álbuns totalmente dedicados às canções do carioca, e Esperanza se encantou pelo que ele escreve há três anos, quando fizeram show juntos no Rio de Janeiro. Já Mônica canta a música de Guinga há anos e gravou recentemente um CD só com composições dele e Paulo César Pinheiro (Corpo de baile).
Quando soube do projeto, não houve constrangimento, garante o violonista. “A Mônica é sempre convidada em potencial. Sou alucinado por ela. Minha briga por ela é ruim, pois disputo com Dori Caymmi, Chico Buarque, Edu Lobo e por aí vai”, brinca.
À exceção de Esperanza, as estrangeiras vieram gravar no Brasil. Elas escolheram o que cantariam a partir de opções sugeridas pelo carioca. Ponto fora da curva é Dúvida, que Mônica resolveu gravar na hora, sem que um arranjo tivesse sido pensado para ela. “Ela falou para eu acompanhá-la, como se fosse a uma seresta com minha mãe. Foi a coisa mais simples do mundo, completamente limpa e sem referência. Pureza mesmo. Fiquei muito emocionado”, conta.
Em Lígia, que a norte-americana gravou em português e a distância, tendo apenas o violão e uma voz-guia para a melodia, Guinga tomou um susto. “A primeira impressão era de que tinha dado errado. Ela entra diferente do habitual. Depois, percebi que estava uma maravilha. Ela cantou para fora e todo mundo geralmente canta Tom Jobim para dentro, naquela estética da bossa nova.”
O violonista calcula ter 300 músicas gravadas e outras 100 na gaveta, compondo num ritmo de quatro ou cinco canções por ano. Diz que já chorou muitas vezes por críticas de discos seus, inclusive recentemente, e que nunca reclamou de nenhuma. “Por mais injusto que tenha achado o jornalista, me calei. Bem, mas as críticas positivas são um milhão de vezes maiores que as negativas”, conta.
Guinga diz se considerar compositor popular, não violonista. “O violão é meu instrumento, como um machado, martelo ou boticão. Não sei tocar rápido, não sou virtuoso, nunca estudei. Faço o que a intuição e o coração pedem, usando o que acho que fica bonito. Não procuro disco de violão para ouvir, procuro música. O que mais me emociona são os violões dos compositores, como João Bosco, Gilberto Gil e Dori Caymmi. Eles deram contribuição monstruosa ao violão brasileiro. São violões impregnados de Brasil.”
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