Cantor e compositor de rara habilidade ao piano tem obra e vida marcadas por força de interpretação, letras impactantes e defesa da liberdade
Por João Pedro Feza
Álbum “Imyra...”, recolhido pela censura em 1976, foi reeditado em CD no Brasil: rica instrumentação; e a direita, CD “Ele Vive”, lançado em outubro de 2014, traz onze canções inéditas retiradas de fitas antigas e recuperadas em estúdio
Taiguara era tudo, menos econômico. Não economizou no jeito rasgado de cantar nem no esmero artesanal de suas letras.
Era igualmente um “mergulhador” ao piano: explorador das teclas com convicção de militante. A mesma militância que jamais fez questão de esconder contra a censura. Pelo contrário, pagou o preço por posições à esquerda do sistema.
Sofria com as incertezas do país, de onde se viu “convidado” a sair em alguns momentos tensos.
Tornando-se sistematicamente podado (ele viria a ter 68 músicas vetadas pela ditadura, além de dois discos inteiros), Taiguara se autoexilou em Londres no começo dos anos 70. Regressou em 1975, gravou um álbum experimental com Hermeto Paschoal, Toninho Horta e orquestra (“Imyra, Tayra, Ipy”) e novamente bateu asas. Tanto na Europa quanto na África se manteve ligado à música até novo retorno nos anos 80. Morreria de câncer em 1996 – não sem antes lutar pela vida, inclusive em hospitais de Cuba.
Do vibrante começo de carreira às performances apoteóticas em festivais da canção, Taiguara também não economizou em sorriso. Censurado ou não, não perdia “esse riso largo”, como na música de Guilherme Arantes. “Queria ser o Taiguara”, disse Guilherme certa vez. “Só sou músico por causa do disco ‘Imyra...”, contou Lenine. “Talento raro”, definiu Toquinho.
Nos últimos cinco anos, novidades fizeram parte da obra de Taiguara emergir.
“Imyra...”, recolhido das lojas em 1976, foi finalmente lançado em CD; Nasi e Erasmo Carlos regravaram “Dois Animais na Selva Suja da Rua”, música de Taiguara; o filho dele, Lenine Guarani, lançou primeiro disco com músicas do pai; a filha, Imyra, está com shows no Rio em tributo. Já a gravadora Karup lançou o livro “Os Outubros de Taiguara” (de Janes Rocha) – e CD póstumo “Ele Vive” com canções inéditas recuperadas. Além disso, Wagner Tiso e outros músicos refizeram parte do disco “Imyra...” em show.
Hoje (aliás, “Hoje” é nome de um de seus sucessos), Taiguara vive firme na militância afetiva de fãs.
Um artista, contudo, ainda a ter a devida valorização pelo país que tanto quis ver livre e justo – e em nome do qual não economizou amor, defesa e poesia.
Universo no teu corpo
(Sucesso de 1970: abaixo, trecho
de letra original e melancólica)
Eu desisto
Não existe essa manhã que eu perseguia
Um lugar que me dê trégua ou me sorria
E uma gente que não viva só pra si
Só encontro
Gente amarga mergulhada no passado
Procurando repartir seu mundo errado
Nessa vida sem amor que eu aprendi
Por uns velhos vãos motivos
Somos cegos e cativos
No deserto do universo sem amor
E é por isso que eu preciso
De você como eu preciso
Não me deixe um só minuto sem amor
Universo no teu corpo
(Década de 90: Taiguara faz letra mais
otimista, jamais gravada em disco)
Eu resisto
Já existe essa manhã que eu perseguia
Um lugar que me deu trégua e me sorria
E uma gente que não vive só pra si
Já te encontro
Gente amada preparando teu futuro
Procurando renascer de um tempo escuro
Numa vida só de amor que eu aprendi
Nosso velho e bom motivo
São milhões de seres vivos
No inferno desumano e desigual
Pois lutar é nosso ofício
Diz a história desde o início
Que a maldade sempre chega a seu final
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