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sábado, 31 de outubro de 2015

O CERCO CONTRA O BLOG UM QUE TENHA E SEU PAPEL COMO DIFUSOR DE CULTURA BRASILEIRA

Ricardo Ramos, Pedro Dias Pinheiro, Pedro Cisalpino, Leonardo Martins Bento, Regina Kalil Wehbe




Resumo

O Um Que Tenha, em 2012, interrompeu suas atividades em decorrência da pressão contra o compartilhamento de conteúdo na internet. Através da análise do acervo blog, destacaremos seu papel como difusor de cultura brasileira. Ao mesmo tempo, apresentaremos o posicionamento do blog no contexto dos debates sobre direitos autorais na internet.

Palavras Chave: Direitos autorais; cultura; MPB.


Introdução

Criado em 2006, o Um Que Tenha é um blog especializado em música brasileira com propósito "estritamente cultural", como destaca o seu criador, Fulano Sicrano. O objetivo principal é a divulgação de músicas e de artistas brasileiros. Até 2009, último levantamento do acervo disponível para consulta, o blog contava com mais de 4.500 álbuns para download. Em seu endereço eletrônico (www.umquetenha.org) podem ser “baixados” trabalhos que abrangem diferentes estilos musicais e que representam períodos históricos distintos. Há espaço para músicos com as carreiras consolidadas entres os grandes, os ainda desconhecidos e àqueles em processo de esquecimento.

Em outubro 2012, o administrador do blog anunciou que havia recebido um comunicado que sua conta no Rapidshare1 havia sido fechada, fato este que inviabilizaria a continuidade do blog. Rapidamente a notícia se espalhou entre os admiradores de música brasileira, uma vez que o blog conta com um acervo praticamente infindável de artistas brasileiros e trabalhos de músicos estrangeiros relacionados à música brasileira. O impacto do fechamento 2 é difícil de medir, mas é possível afirmar, com segurança, que a maior prejudicada é a música popular brasileira. 

O jornalista Luiz Nassif, em seu blog, afirmou que "em poucos anos de liberdade, esses dois blogs fizeram mais pela MPB do que três décadas de jabás em rádios" (NASSIF,2012). Ele se referia também ao fechamento de outro importante blog musical brasileiro, o Loronix. A partir da afirmação do jornalista / blogueiro fica mais fácil compreender a importância do Um Que Tenha para a MPB. O papel do blog, longe de ser algo relacionado à pirataria, está diretamente vinculado à divulgação de novos artistas e o ressurgimento de outros que viviam à margem da mídia, como afirmou o próprio Fulano em entrevista ao Jornal o Estado de São Paulo (2009). Esta não foi a primeira tentativa de fechamento do Um Que Tenha, em 2009, quando era hospedado na plataforma Google/Blogger, o Um Que Tenha foi comunicado que sairia do ar. A alegação era que o blog infligia a leis de direitos autorais norte americanas. A saída encontrada pelo Fulano Sicrano foi mudar de plataforma. Apenas um mês depois estava de volta, já no endereço eletrônico umquetenha.org. A repercussão fim do Um Que Tenha, já em 2009, foi muito grande. O responsável pelo blog concedeu várias entrevistas para veículos de comunicação como o Jornal Estado de São Paulo e Revista Exame, entre outros. O que chama a atenção ao analisarmos a pressão sofrida pelo blog é a postura do mesmo quanto ao conteúdo que disponibiliza. Qualquer artista que se sinta lesado com a disponibilização de seu trabalho deve entrar em contato com o responsável pelo blog, que será atendido prontamente. Em 2009, 4.500 discos publicados depois de sua criação, apenas dois artista haviam se manifestado contrariamente à disponibilização de seus trabalhos para download no blog.


Luta contra a pirataria e a postura política do Um Que Tenha

A política do blog, publicada em sua primeira página, deixa claro sua intenção: "O Um Que Tenha tem caráter estritamente cultural. Nosso propósito é divulgar a música e os artistas brasileiros e difundir o prazer de ouvi-los, sem que isso resulte em ônus ou benefício financeiro direto ou indireto para ninguém"3 . O blog também recomenda que o usuário compre os discos que tenha gostado depois de acessá-los através do Um Que Tenha.

Em 2011, o blog adotou a postura de publicação de álbuns com no mínimo três anos passados desde o lançamento, com exceção para os casos de vontade expressa do artista ou produtor da disponibilização em períodos inferiores. Tal postura reforça o papel do blog como um difusor de cultura, no período, incontáveis trabalhos foram postados a pedido de artistas interessados na divulgação de seu trabalho.

Nos últimos anos, vem aumentando em todo o mundo a pressão exercida pelos grandes grupos empresas de entretenimento contra a cultura de compartilhamento, na visão deles, contra a pirataria. Em 2011, foi enviado ao Congresso Norte-Americano o Stop Online Piracy Act (SOPA), que pretendia ampliar os meios através dos quais os detentores de direitos autorais poderiam agir combater o tráfico de informações online.

Ao mesmo tempo, tramitava no Senado Norte-Americano o projeto PROTECT IP Act (PIPA), projeto de lei que pretendia combater sites relacionados à pirataria, principalmente aqueles fora dos Estados Unidos. Ambos os projetos baseavam-se em argumentos relacionados às perdas econômicas dos proprietários de direitos autorais em decorrência da pirataria. 

Lemley et al. (2011), destacam a aprovação das referidas leis comprometeria a funcionalidade de uma internet global e única, que permita a interação livre e sem mediação de usuários em todo o mundo. Os autores consideram os projetos acima citados as maiores ameaças contra a internet na história. A questão dos direitos autorais é sim um problema que deve ser debatido, assim como a pirataria deve ser combatida, mas sem colocar em risco a liberdade da internet (LEMLEY; LEVINE; POST, 2011). 

A prisão do proprietário do proprietário Megaupload, Kim Schmitz, site de armazenamento de arquivos, em janeiro de 2012, também gerou grande repercussão sobre a utilização da internet e os direitos autorais. Como publicou a página Link do Estadão, "a Justiça americana afirma que a Megaupload faz parte de uma rede mundial de pirataria na internet, controlada por uma organização criminosa, e que causou danos aos direitos autorais no valor de pelo menos US$ 500 milhões". 

As tentativas de restrição à força das liberdades na internet, exemplificadas com a SOPA a PIPA e a prisão de Kim Schmitz, ampliaram o debate e geraram grandes reações contrarias. Incontáveis sites ao redor do mundo organizaram um Blackout como meio de protestar contra as políticas que colocavam em risco a liberdade e o compartilhamento de conteúdo na internet. O movimento contrário contou com apoio de grupos de força como o Google, Facebook, LinkedIn, Twitter, Yahoo!, Amazon, eBay e etc.

Em geral, tais medidas são unilaterais, voltadas para interesses individuais, que passam ao largo das transformações comportamentais e culturais que a difusão da internet possibilitou. Através da interconexão, sem mediação, as pessoas de qualquer lugar do mundo, com exceção dos regimes ditatoriais, compartilham conhecimento, informação e interesses. Regimes estes, que o potencial democratizante da internet também tem papel importante para superá-los, como observamos na chamada Primavera Árabe. 


Considerações Finais

 No caso do Um que Tenha, percebemos que o blog, de fato, pretende promover a divulgação cultural. Fica nítido que não se trata de pirataria, os artistas que se sentirem lesados são estimulados a manifestar-se. Muitos artistas, não só independentes, vem utilizando e observam o potencial da internet e, consequentemente, do blog como meio de divulgação de seus trabalhos.

Desde que, em 2011, definiu que publicaria apenas discos com pelo menos três anos passados desde o lançamento, o que se percebe é que o Um Que Tenha, a pedido ou com a devida autorização, publica recorrente trabalhos novos, sinal que muitos artistas aproveitam e comemoram a oportunidade de divulgação de seu trabalho. 


Referencias Bibliográficas
Dias, M.T. Notificado, blog ”Um que tenha” sairá do ar. Jornal Estado de São Paulo. São Paulo, 2009. Disponível em: http://blogs.estadao.com.br/link/notificado-blog-um-que-tenha-saira-do-ar/. Acesso em: 15 maio de 2013.
Lemley, Mark A., Levine, David S. and Post, David G., Don't Break the Internet (January 3, 2012). Stanford Law Review Online, Vol. 64, p. 34, December 2011; Stanford Public Law Working Paper No. 1978989. Available at SSRN: http://ssrn.com/abstract=1978989
Nassif, L. O fim de dois Blogs musicais que marcaram época. Brasilianas. São Paulo, 2012. Disponível em: http://www.advivo.com.br/blog/luisnassif/o-fim-de-dois-blogs-musicais-que-marcaram-epoca. Acesso em: 18 maio 2013.
Jolly, D. A New Question of Internet Freedom. New Yotk Times. New York, 2012. Disponível em: http://www.espm.br/rjclipping/2012/fevereiro/40933.pdf. Acesso em : 18 de maio de 2013. 

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