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sexta-feira, 23 de outubro de 2015

ADRIANA CALCANHOTTO, 50 ANOS


Iniciou sua carreira artística em Porto Alegre, cantando em bares, casas noturnas e churrascarias. 


No final dos anos 1980, mudou-se para o Rio de Janeiro. 

Em 1990, gravou seu primeiro disco, "Enguiço", registrando a faixa-título e a canção "Mortaes", ambas de sua autoria, além de músicas de outros compositores. 

Lançou, em 1992, o CD "Senhas", contendo suas composições "Mentiras", "Esquadros", "Tons", "Segundos", "Negros", "Graffitis" , "Água Perrier" (c/ Antônio Cícero), "Motivos" e a faixa-título, além de "Mulato calado" (M. Batista e H. Batista), "Velhos e jovens" (Arnaldo Antunes e Péricles Cavalcanti), "O nome da cidade" (Caetano Veloso) e "Milagres" (Roberto Frejat, Denise Barroso e Cazuza). A faixa "Mentiras" fez parte da trilha sonora da novela "Renascer" (TV Globo), projetando a cantora nacionalmente. 

Em 1994, gravou o CD "A fábrica do poema", muito elogiado pela crítica. No repertório, suas canções "Por que você faz cinema?", sobre texto de Joaquim Pedro de Andrade, "Cariocas", "Metade", "Sudoeste" (c/ Jorge Salomão), "Inverno" (c/ Antônio Cícero), "Roleta-russa", "Portrait of Gertrude", "Minha música" e a canção-título (c/ Waly Salomão), além de "O verme e a estrela" (Pedro Kilkerry e Cid Campos), "Bagatelas", (Roberto Frejat e Antônio Cícero), "Estrelas" (Sergio Britto e Arnaldo Antunes), "Aconteceu" e " Tema de Alice", ambas de Péricles Cavalcanti, e "Morro Dois Irmãos" (Chico Buarque).




Lançou, em 1998, o CD "Marítimo", contendo suas composições "Parangolé Pamplona", "Vambora", "Asas" (c/ Antônio Cícero), "Pista de dança" (c/ Waly Salomão), com a participação do parceiro, "Vamos comer Caetano", "Canção por acaso", "Cariocas" e a faixa-título, além de "Mais feliz" (Dé, Cazuza e Bebel Gilberto), "Dançando" (Péricles Cavalcanti), "A cidade" (Helder Aragão), "Por isso eu corro demais" (Roberto Carlos), "Quem vem pra beira do mar" (Dorival Caymmi) e "Mão e luva" (Pedro Luiz), as duas últimas com a participação do respectivos compositores. 

Para o cinema, gravou o "Tema de Alice", de Péricles Cavalcanti, para a trilha sonora do filme "Mil e uma", de Susana Morais, e o tema de "Doces poderes", filme de Lúcia Murat. 

Em 2000, lançou "Público", gravação ao vivo do show homônimo realizado no Canecão (RJ), no qual a cantora apresentou-se acompanhada apenas do violão. No repertório, destaque para sua releitura de um sucesso da Jovem Guarda, "Devolva-me", de Lilian Knapp e Renato Barros, canção bastante executada nesse ano. O CD, muito elogiado pela crítica, foi contemplado com o Disco de Ouro. 

Em 2002, gravou o CD "Cantada", que contou com a participação de Daniel Jobim e dos grupos Los Hermanos, Bossacucanova e Moreno + 2. Nesse mesmo ano, apresentou-se no DirecTV (SP) e no Canecão (RJ), em show de lançamento do CD, que lhe valeu mais um Disco de Ouro.

Sob o heterônimo de Adriana Partimpim, apelido de infância, lançou, em 2004, CD homônimo, dedicado às crianças. No repertório, destaque para as faixas "Fico assim sem você" (Claudinho e Buchecha) e "Saiba" (Arnaldo Antunes), além de "Canção da falsa tartaruga" (tradução de Augusto de Campos para uma canção de "Alice no país das maravilhas", musicada por Cid Campos), "Ser de sagitário" (Péricles Cavalcanti), "Borboleta" (Domenico Lancellotti) e "Ciranda da bailarina" (Edu Lobo e Chico Buarque), entre outras. O CD, produzido por Dé Palmeira, foi contemplado com Disco de Ouro, no Brasil, e Disco de Platina, em Portugal, além de render à cantora o prêmio "Faz Diferença", do jornal "O Globo".

Em 2005, apresentou-se no Teatro Carlos Gomes (RJ), na décima primeira edição do festival percussivo PercPan, acompanhada pelo trio formado por Moreno Velloso, Domenico Lancelotti e Kassin, mais o percussionista Quito Ribeiro. Nesse mesmo ano, estreou, no Teatro Carlos Gomes (RJ) o show "Partimpim", com direção de Hamilton Vaz Pereira, Leonardo Netto e a própria cantora, direção musical de Dé Palmeira, cenário de Hélio Eichbauer e figurino de Isabela Capeto e Felipe Veloso. O espetáculo contou com a participação dos músicos Dé Palmeira (baixo), Guilherme Kastrup (percussão), Ricardo Palmeira (guitarra) e Marcos Cunha (teclados). Também em 2005, apresentou o show no Canecão (RJ). Ainda nesse ano, apresentou-se, no Circo Voador (RJ), ao lado de kassin, Domenico e Moreno Veloso. Ainda nesse ano, lançou o DVD "Adriana Partimpim - O show", gravado no Teatro Carlos Gomes (RJ).

Em 2007, fez turnê internacional do show “+Ela”, ao lado do trio +2 (Domenico Lancelotti, Kassin e Moreno Veloso). Lançou, no ano seguinte, o CD “Maré” - segundo da “Trilogia do Mar” iniciada com “Marítimo”, contendo 11 faixas: “Sargaço mar” (Dorival Caymmi), “Sem saída” (poema de Augusto de Campos musicado por Cid Campos), “Um dia desses” (poema de Torquato Neto musicado por Kassin), “Onde andarás” (Caetano Veloso e Ferreira Gullar), “Porto Alegre (Nos braços de Calipso)” (Péricles Cavalcanti), “Três” (Marina Lima e Antonio Cícero), “Para lá” (Arnaldo Antunes) e “Mulher sem razão” (Dé Palmeira, Bebel Gilberto e Cazuza), além de suas canções “Teu nome mais secreto” (c/ Waly Salomão), “Seu pensamento” (c/ Dé Palmeira) e a faixa-título (c/ Moreno Veloso), entre outras. O núcleo instrumental do disco é formado por Dé Palmeira e pelo trio +2 (Domenico Lancelotti, Kassin e Moreno Veloso). Também participaram do CD os baixistas Jorge Helder e Alberto Continentino, Rodrigo Amarante (piano e arranjos de metais), Jards Macalé (violão), Gilberto Gil (violão) e a cantora Marisa Monte.



Em 2009, lançou “Partimpim Dois”, segundo álbum de Adriana Partimpim, heterônimo utilizado pela cantora para assinar seus projetos dedicados às crianças. No repertório, “O trenzinho do caipira” (Heitor Villa-Lobos e Ferreira Gullar), “Gatinha manhosa” (Roberto Carlos e Erasmo Carlos), “Na massa” (Davi Moraes e Arnaldo Antunes), “Bim bom” (João Gilberto), “O homem deu nome a todos animais” (Bob Dylan, vrs. Zé Ramalho), “As borboletas” (Cid Campos e Vinicius de Moraes) e “Alexandre” (Caetano Veloso), entre outras. O CD foi incluído na relação “Os Melhores Discos de 2009” do jornal “O Globo”, publicada ao final do ano, assinada pelos críticos Antonio Carlos Miguel, Bernardo Araújo, João Pimentel, Leonardo Lichote e Tom Leão.

Apresentou-se, em 2010, no Vivo Rio, com o espetáculo “Dois é show”, com o repertório do CD “Partimpim Dois”, tendo a seu lado os músicos Davi Moraes, Moreno Veloso, Domenico Lancelotti, Rafael Rocha e Alberto Continentino. Lançou, nesse mesmo ano, o DVD “Dois é show”, segundo sob a assinatura de Adriana Partimpim, com direção de Susana Moraes, cenário de Hélio Eichbauer e figurinos de Marcelo Pies. A seu lado, os músicos Moreno Veloso e Davi Moraes (guitarras), Alberto Continentino (baixo) e Rafael Rocha e Domenico Lancellotti (baterias e percussões). O espetáculo “Dois é show” foi apontado como um dos 10 Melhores Shows de 2010 do jornal ”O Globo” na edição de 28 de dezembro de 2010.



Fez 50 ilustrações para o livro “Melchior, o mais melhor”, escrito pelo artista plástico Vik Muniz e publicado em 2011. Neste mesmo ano, lançou o CD “O micróbio do samba”, com as faixas “Eu vivo a sorrir”, “Aquele plano para me esquecer”, “Pode se remoer”, “Mais perfumado”, “Beijo sem”, “Já reparô?”, “Vai saber?”, “Vem ver”, “Tão chic”, “Deixa, gueixa”, “Você disse não lembrar” e “Tá na minha hora”, todas de sua autoria. O disco, produzido por Daniel Carvalho, contou com a participação de Alberto Continentino (baixo), Domenico Lancelotti (bateria e percussão) e com a participação especial de Rodrigo Amarante (guitarra), Davi Moraes (violão), Nando Duarte (violão sete cordas) e Moreno Veloso (prato-e-faca). Fez show de lançamento do CD “O micróbio do samba” no Espaço Tom Jobim (RJ). O espetáculo figurou na relação “Os Melhores Shows de 2011” do Jornal “O Globo”, em seleção assinada por Bernardo Araujo, Carlos Albuquerque, Leonardo Lichote, Luiz Fernando Vianna e Silvio Essinger.

Em 2012, lançou o DVD “Micróbio vivo”, gravado no ano anterior no Espaço Tom Jobim (RJ). Nesse mesmo ano, fez show de lançamento do DVD “Micróbio Vivo” na casa Miranda (RJ). Participou da série “De conversa em conversa” do 3º Salão de Leitura, realizado no Teatro Popular de Niterói. Ainda em 2012, lançou o CD “Adriana Partimpim 3”, com suas canções “Salada russa” (c/ Paula Toller) e “Também vocês” (c/ João Callado), além de “Tia Nastácia” e “Acalanto”, ambas, de Dorival Caymmi, “Taj Mahal” (Jorge Ben "Jorge Benjor"), “Lindo lago do amor” (Gonzaguinha), “O pato” (Jaime Silva e Neusa Teixeira), “Criança, Crionça” (Cid Campos e Augusto de Campos), “Porque os peixes falam francês” (Alberto Continentino e Domenico Lancellotti), “Passaredo” (Francis Hime e Chico Buarque) e “De onde vem o baião” (Gilberto Gil).

Em 2013, foi convidada para escrever uma coluna, aos domingos, no Segundo Caderno do jornal O Globo. no mesmo ano, foi indicada ao Prêmio da Música Brasileira, na categoria Melhor Álbum Infantil, pelo CD “Partimpim 3” (Adriana Partimpim). No ano de 2014, com o espetáculo “Adriana Calcanhoto de todas as letras”, participou do projeto “MPB na ABL”, criado, dirigido e apresentado por Ricardo Cravo Albin. No show falou sobre a vida e a obra, além de executar, ao vivo, de sua autoria, vários de seus sucessos de carreira, tais como “Mentiras”, “Metade”, “Vambora”, “Tua”, “Mais perfumado”, “Inverno” (c/ Antônio Cícero). Na ocasião, interpretou, também de sua autoria, as composições inéditas “Olhos de onda” e “E sendo amor”.



Discografia Oficial


Enguiço (1990)




Luis Fernando Veríssimo, 1990


Durante muito tempo toda cantora gaúcha que vencer no norte será comparada com a Elis Regina e essa é uma doce sina da qual a Adriana não escapou .
O valor da nova cantora se me de pelo inverso do tempo que leva para a comparação perder o sentido e ela passar a ser sua própria referência. 
No caso da Adriana, foi rápido. A comparação com Elis é natural e é lisonjeira mas hoje ninguém mais faz. Adriana não é igual a ninguém, não lembra ninguém, não segue ninguém. Ela inaugura outra linhagem.
A imprensa, sempre atrás de sínteses de efeito, disse que antes de ficar famosa no Rio a Adriana cantava em churrascarias em Porto Alegre. Não é bem assim. Adriana cantava até em churrascarias, na necessária luta pelo espaço para aparecer. Em Porto Alegre, isto incluía tanto o sofisticado “pocket-show” de cabaré quanto a churrascaria.
Adriana é um produto desse ecletismo, da apropriação irônica ou não do brega, da teatralidade na mistura de estilos , dessa coisa meio Berlim anos 20 de Porto Alegre. Lembro que na primeira vez que a vi cantar fiquei impressionado com a sua maturidade, apesar do jeito de garotona. Já sabia tudo. Como dominar o palco, como dosar o drama, o humor e a emoção, como se envolver e manter a distância crítica ao mesmo tempo. Está tudo no primeiro disco – o ecletismo, a segurança, a emoção, a ironia - e isto que é apenas o primeiro. O que virá depois nem é bom pensar. O que eu estou dizendo? É ótimo pensar no que ainda vamos ouvir da Adriana Calcanhoto e da sua linhagem.

Concepção: Adriana Calcanhotto
Produção: Mazzola
Estúdio: Impressão Digital Studio (RJ)
Direção de Arte: Carlos Nunes
Arte: Julio Lapenne
Fotos: Frederico Mendes
Maquiagem: Emilio Reck
Cabelo: Cesar Neubert
Participação Especial: Renato Borghetti - Gaita ("Pão Doce")

Faixas:
01 - Enguiço
02 - Naquela estação
03 - Caminhoneiro
04 - Sonífera Ilha
05 - Disseram que eu voltei americanizada
06 - Orgulho de um sambista
07 - Nunca
08 - Pão doce
09 - Mortaes
10 - Injuriado



Senhas (1992)



Senhas e Sendas de Adriana Calcanhoto

Waly Salomão



Vou começar como quem não quer nada e querendo: Adriana tem se mostrado mais difícil de pegar e de se encaixar num lugar pré-determinado e uma capacidade imensa de escapar ao marketing tacanho dos napoleões bonapartes de cascaduras ou tatuapés. Tudo isto está longe de constituir deficiência, muito pelo contrário. SENHAS abre com as linhas de um programa estético-comportamental de quem não suporta a pestilência gerada pela água parada e deseja dividir a água.

Com uma impressionante precisão cirúrgica Adriana vai direto ao xis do problema: “Eu não gosto do bom gosto/eu não gosto de bom senso”. Encarando o jogo como símbolo do mundo, as senhas seriam peças dinâmicas que movem e comovem o tabuleiro. Os versos são senhas porque sugerem e abrigam muitos sentidos: “eu hospedo infratores e banidos”. Começa fincando suas bandeiras, balizas e opções: “eu gosto dos que secam de desejo, dos que ardem”. Todos estes sinais disparam, demarcam e definem um território autoral. Estamos diante de uma autora. Seria mais fácil certamente tratar com um produto prêt-à-porter descartável. 

Para uns (ou umas) ser estrela é bem fácil, é congelar a própria imagem emoldurada num círculo de neón. Para outros (e outras) brilhar é poder compor e cantar cada vez melhor numa crescente exigência íntima, de contínuo auto-ultrapassamento. O brilho de Adriana Calcanhoto seguramente pertence a esta última e superior categoria. Que a gaúcha platinum blonde recebe de frente uma mulata cheia de matizes e suingues fica evidente, por exemplo, em “NEGROS”. Aliás evidente é a palavra certa pois considero esta música uma prova do aprimoramento da técnica de composição da Calcanhoto: superação do maniqueísmo vulgar do preto no branco por uma visão do mundo mais complexa e com mais tons, cores e nuances. Perfeito, portanto, que o fecho da canção seja uma declaração de perplexidade mais que atual: “Lanço o meu olhar sobre o Brasil e não entendo nada”. Sob o batuque sincopado e sintomático dos tamborins da MANGUEIRA DO AMANHÃ.

A escolha, o uso e o tratamento da canção de Veloso, “O NOME DA CIDADE” podem ser interpretados não somente no sentido literal do migrante rural para o rio-mar da grande cidade mas a meu ver principalmente assim: compor e cantar implica em mergulhar no mistério, mas não há só mistério nem há só inspiração, pois existe também o que em inglês é dito como improvement , ou seja, aprimoramento, progresso, como em qualquer domínio técnico. Ouvindo-a cantar penso seguidamente que Adriana Calcanhoto é uma feiticeira que sabe afastar os vudus do caminho da sua viagem. Isto percute até nos vasos de cerâmica, bongô e caxixi de Marcelo Costa. Riachos, rios afluentes que vão encorpando e tornam mais espesso o mar da expressão. Fã declarada de dois amantes das cores berrantes, o cineasta espanhol Pedro Almodóvar e a pintora mexicana Frida Kahlo, Adriana sabe privilegiar a câmera na mão e uma idéia na cabeça do cinema-verdade de Wilson Batista em “MULATO CALADO”, uma gravação despojada e depurada, só sua voz e o violão de Jaime Alem.

Impossível uma ética que se aproxime mais do cinema de um Rosselini ou do filme “RIO ZONA NORTE” de Nelson Pereira dos Santos do que o final anti-cagüetagem: “a poícia procura o matador mas em Mangueira não existe delator” .

Alcool forte é a faixa “ÁGUA PERRIER”, Adriana canta num tom mais agudo uma letra irônica mas sem hostilidade ressentida do poeta-filósofo Antonio Cicero onde há um hipotético diálogo com o pensamento Yuppie, apogeu da civilização classe média. Calcanhoto e Antonio Cicero sabem refutar o Yuppismo sem descambar em obsoletas utopias proféticas. De símbolo Yuppie a “ÁGUA PERRIER” se reverte então na prova cabal de que o universo da música popular não gira só entre a banalidade e a redundância. Toda invenção é uma resposta.

Assim falava o velho Dante Alighieri, um dos pais da literatura ocidental, no começo da DIVINA COMÉDIA: “Nel mezzo del cammin di nostra vita”. Assim falava o jovem Carlos Drummond citando e desviando-se jocosamente do velho: “No meio do caminho tinha uma pedra”. Assim diz a canção “VELHOS E JOVENS”: “Antes de mim vieram os velhos/os jovens vieram depois de mim/e estamos todos aqui/no meio do caminho dessa vida”. Qualquer grande artista vivencia a situaçnao delineada na bela e adequada canção “VELHOS E JOVENS” da dupla Péricles Cavalcanti e Arnaldo Antunes: a criatividade estea no meio. Toda canção que conhecemos começa como uma confluência de canções, um encontro de canções, um mosaico de canções. Toda invenção é uma resposta. Qualquer genuíno artista começa interpretando a seu modo a tradição herdada e introduzindo no meio o seu quinhão temperado diferente. Com bossa e garra, o disco “SENHAS” mostra sbar que essa teia existe e nela Adriana Calcanhoto está bem atada e bem solta. “SENHAS” firma e confirma sua posição no mapa dos genuínos criadores inquietos da nossa música popular.

Concepção: Adriana Calcanhotto
Produção: Adriana Calcanhotto e Ricardo Rente
Estúdio:Impressão Digital (RJ)
Engenharia de Gravação: Marcos de Saboia
Engenharia de Mixagem: Marcos de SAboia, Adriana Calcanhotto e Ricardo Rente 
Assistentes: Marcelo, Geraldo e Claudinho
Produção Executiva: Celina Cunha
Arranjos: Adriana Calcanhotto e músicos participantes
Roadie: Liu
Café: Aldeir & Zuza
Produção Executiva: Celina Cunha
Arte: Adriana Calcanhotto
Fotos: Milton Montenegro
Figurino: Marcelo Pies
Coordenação Gráfica: Carlos Nunes
Arte-final: Julio Lapenne
Maquiagem: Gilles
Cabelo: Seu Paulo

"Milagres / Miséria"
Estúdio: Transamérica (SP)
Engenharia de Gravação: João Roberto Guarino
Assistente: Rogério Frabetti
Participações Especiais:

Moleque de Rua: Percussão ("Milagres / Miséria")
Mangueira do Amanhã: Tamborins ("Negros" e "Tons")

Faixas:

01  - Senhas
02 - Mentiras
03 - Esquadros
04 - Tons
05 - Mulato calado
06 - Segundos
07 - Negros
08 - Graffitis
09 - Água Perrier
10 - Velhos e jovens
11 - O nome da cidade
12 - Motivos
13 - Milagres / Miséria


A fábrica do Poema (1994)


A Fábrica do Poema - Faixa a Faixa

Adriana Calcanhotto

POR QUE VOCÊ FAZ CINEMA?

Joaquim Pedro de Andrade/Adriana Calcanhoto

Em junho deste ano caiu na minha mão o catálogo da mostra “JOAQUIM PEDRO DE ANDRADE” do Centro Cultural Banco do Brasil, onde li, pela primeira vez, a famosa resposta dele à pergunta do LIBÉRATION: “POR QUE VOCÊ FAZ CINEMA?” Fiquei impressionada com o que ele diz e, mais ainda, com a sonoridade geral, com o ritmo daquelas palavras. De forma razoavelmente incomum para mim, musiquei-o na mesma hora. A “canção” abriu então uma espécie de trilha que passei a perseguir no disco todo. Faltavam alguns dias para o início da gravação e eu coloquei no lixo o repertório que já havia definido e comecei tudo de novo.

A FÁBRICA DO POEMA
Adriana Calcanhoto/Waly Salomão 

Durante o tempo em que estava compondo para o disco pensei várias vezes em escrever algo para LINA BO BARDI, chegando até a anotar algumas idéias soltas. Lembrei e esqueci disso muitas vezes até ficar sabendo que WALY havia escrito, no ano passado, um poma para ela. Liguei para ele (já do estúdio) e pedi para ouvir pelo telefone mesmo. Ele leu de um jeito lindo e quando ficou em silêncio, no fim, a canção (para mim) estava pronta.

BAGATELAS
Frejat/Antonio Cicero

Sempre gostei de BAGATELAS ouvi muito no disco do BARÃO VERMELHO e depois na bela voz de Luciana Costa, no Rio Grande o Sul. Que bom que eu não tinha um revólver, cantei eu mesma, em alguns shows de voz e violão, e depois deixei-a de lado. Achei que agora era o momento de gravá-la. Será que agente é louca ou lúcida quando quer que tudo vire música?

METADE
Adriana Calcanhoto

METADE foi sendo feita na estrada, aos poucos, como um quebra-cabeça. Cada pedaço foi escrito em uma cidade, em um hotel diferente. Uma canção de lugar nenhum.

SUDOESTE
Adriana Calcanhoto/Jorge Salomão

Temos muitos amigos em comum, eu e JORGE SALOMÃO mas não nos conheçíamos atee janeiro deste ano, quando marcamos um almoço no Satyricom. Por causa de nossa timidez pedimos um vinho e eu comecei a ler as coisas que ele havia trazido para mostrar. De um poema (na época ainda ineedito) chamado “Buraco Negro” um trecho saltava da página, oferecia-se despudorado. Nos encontramos de novo, por acso, meses depois em um vernissage na frente do mesmo Satyricom. Ficamos bebendo aquele vinho de coquetel e eu repetia para ele o trecho que adoro, “tenho por princípios nunca fechar portas”… Gravei nossa parceria no primeiro dia de mixagem (que é quando não se grava mais nada) e para comemorar entreguei a ele uma bandeja cheia de cristais, preparamos o microfone e lá se foram meus copos de vinho, em milhares de cacos…

O VERME E A ESTRELA
Cid Campos/Arnaldo Antunes

Pensei em gravar o “VERME E A ESRELA” desde a primeira vez em que ouvi a gravação do CID no “ROCK DE AUTOR” de 1991. Mas sem modificar nada, mantendo o andamento, a leitura, a voz de veludo do AUGUSTO, como um cover.Conversamos muito, antes da gravação, não parecia fácil reproduzir o arranjo – só com contrabaixos – para outro tom e, de fato, tivemos algum trabalho mas a solução não demorou a aparecer. CID musicou o estranho poema de KILKERRY com uma clareza e uma simplicidade comoventes. Tenho muito orgulho desta nossa versão.

ESTRELAS
Sérgio Britto/Arnaldo Antunes

Telefonei para ARNALDO ANTUNS e pedi uma canção inédita para meu disco ainda sem repertório definido, este clássico da relação compositor-cantora. Levei pra ele flores perfumadas demais e fiquei achando ali, sentada no chão coberto de fitas, que seria fácil gravar um disco inteiro só com as coisas que ele anda fazendo , sem contar tudo o que a gente já conhece e adora. Voltei para o Rio com cinco músicas, para escolher uma entre elas e esta tarefe apresentou-se beem mais árdua do que parecia. Quando, enfim, consegui eleger “ESTRELAS”, liguei pra ele de novo que me perguntou surpreendido: Estrelas? Mas eu te mostrei Estrelas? 

ACONTECEU
Péricles Cavalcanti

ACONTECEU é uma toada, delicada, sem mitos, sem drama, bem PÉRICLES. Foi uma das primeiras certezas do disco, logo no início. Quando pedi uma música ele disse que queria me mandar uma parceria com alguém. Esperneei muito com isso, insisti que queria música e letra dele até ele ceder. Me mandou esta que fala de amor, do meu amor, de como aconteceu. Eu estava certa.

CARIOCAS
Adriana Calcanhoto

Parei uma noite em casa para compor. Anotei coisas, imagineis sons, fui montando racionalmente uma cancnao confessional complicadíssima, cheia de pretensões. Quando peguei o violão, CARIOCAS saiu inteira, de um único sopro, radicalmente oposta ao que eu planejava, falando inclusive de outro assunto. Nem gosto tanto da idéia de que canções podem nascer prontas, mas acabei me rendendo a esta, alegre, docemente.

MORRO DOIS IRMÃOS
Chico Buarque

Nunca mais fui a mesma depois da primeira audição de MORRO DOIS IRMÃOS no disco do CHICO. Acho que fiquei quieta por uns dois dias, ruminando o susto. A decisão, três anos depois, de gravá-la tabém não foi fácil e eu desisti muitas vezes. na noite em gravei a voz, cantei-a várias vezes até tudo ficar como eu estava imaginando e depois continuei cantando, sem gravar, pra mim mesma, pra ninguém, por um bom tempo.

INVERNO
Adriana Calcanhoto/Antonio Cicero

Fingi para ANTONIO CICERO (durante toda a gravação) que eu compreenderia se ele não conseguisse colocar uma letra na música que eu havia mandado, já que estava concentrado escrevendo seu livro. Fui falsa o tempo todo mas não posso dizer que cheguei a perder a esperança, aliás, gravei uma base instrumental com os músicos e fiquei esperando o dia em que chegaria em casa pisoteando folhas de fax…

ROLETA RUSSA
Adriana calcanhoto

A gravação desta música foi um dos momentos mais divertidos que eu já havia visto em um estúdio. Rimos muito, todos nós, dos ensaios até o último dia de mixagem mas esta faixa foi gravada literalmente às gargalhadas…

TEMA DE ALICE
Péricles Cavalcanti

Cantei o TEMA DE ALICE no filme de SUSANA MORAS, o “MIL E UMA” e desde então fiquei com vontade de ter a canção mais perto de mim, talvez no meu disco. Na noite em que iniciávamos a gravação da faixa, PÉRICLES E SUSANA apareceram pra nos visitar. Colocamos o PÉRICLES no estúdio, ele tocou violão e eu gravei a voz guia. Ficou assim.

PORTAIT OF GERTRUDE
Adriana Calcanhoto

Adoro GERTRUDE STEIN, sua paixão pelo inglês, seu humor americano e, sobretudo, sua musicalidade, o ritmo de seus textos. Quando soube que existia uma gravação onde ela lê alguns de seus poemas, encomendei na mesma hora uma fita. Confesso que não esperava uma voz tão doce e melodiosa e já na primeira audiçnao achei que ela entoava algum tipo de música oculta. Propus então aos meninos revelar essa música de algum modo e nós trabalhamos muito para isso. Descobrimos, é claro, milhares de melodias e ritmos internos, mas foi realmente irresistível a opção pelo trecho em que ela está cantando BOSSA NOVA!

MINHA MÚSICA
Adriana Calcanhotto

Para meu pai que tocou a bateria.
Na verdade, para meu pai vir tocar bateria comigo. 

Adriana Calcanhotto
outubro 1994


Concepção: Adriana Calcanhotto
Produção: Mayrton Bahia
Direção Musical: Ricardo Rente
Direção Artística: Jorge Davidson
Estúdio: Discover Digital Studio (RJ)
Engenharia de Gravação: Fábio Henriques Alexandre Ribeiro e Márcio Tavares
Coordenação de Produção: Mauro Benzaquem
Assistente de Produção: Andréa Alves
Engenharia de Mixagem: Mayrton Bahia, Adriana Calcanhotto e Ricardo Rente
Masterização: Gere Jr.
Roadie: Julian Dornellas, Liu Mesquita e Clauber Reis
Criação de Arte: Adriana Calcanhotto
Direção de Arte: Adriana Calcanhotto e Marcus Wagner
Fotos: Milton Montenegro
Assistente de Fotos: Jaime Acioli e Felipe Renhemer
Coordenação Gráfica: Carlos Nunes
Produção de Capa: Claudia Montenegro
Roupa de Papel: Marcelo Pies e ana Maria Morais (executada por Ilma Costa Santos)
Maquiagem: Maria Lucia Santos
Fotos PB: Marta Luz
Participações Especiais:

Jorge Salomão: Quebrando copos ("Sudoeste")
Péricles Cavalcanti: Violão ("Tema de Alice")
Carlos Calcanhotto: Bateria ("Minha Música")

Faixas:
01 -  Por que você faz cinema?
02
 -  A fábrica do poema
03
 -  Bagatelas
04
 -  Metade
05
 -  Sudoeste
06
 -  O verme e a estrela
07
 -  Estrelas
08
 -  Aconteceu
09
 -  Cariocas
10
 -  Morro Dois Irmãos
11
 -  Inverno
12
 -  Roleta Russa
13
 -  Tema de Alice
14
 -  Portrait of Gertrude
15
 -  Minha música


Maritmo (1998)



Por Netuno!

Waly Salomão

As conchas dos ouvidos foram feitas para ouvir coisas insólitas, fez-se a alma para gozar da alegria e do prazer.

Adriana Calcanhotto gestou seu Maritmo para ser não convencional e dançante, ao mesmo tempo; seguindo as variações do curso do mar e do ritmo das sonoras marés. Maritmo muda o tempo inteiro porque foi concebido assim, quer dizer, para se desadequar de qualquer tarjeta prévia.

E é tão fácil limpar o ouvido mouco e soltar os pés de chumbo.

O disco Maritmo contém o mar em estado bruto sem abstrações literárias. Nada mais variado do que o mar, o mar é mais variado até do que um bazar persa. a canção-título “Maritmo” é puro filme à maneira da câmera de Mário Peixoto, autor da maior obra-prima que o cinema brasileiro realizou __ “Limite”. Como uma prancha de surfista, a letra desliza observadora das coisas, observação direta de quem anda à beira-mar ou nele navega. Adriana retratada mais de uma vez pelo pintor Iberê Camargo, admiradora declarada de Frida Kahlo mas quem se revela em Maritmo é uma Calcanhotto amante das cores distintas, sutis e cambiantes: “a onda branca/preta branca/a praia vermelha/cobalto/no alto/o azul marinho/a nuvem prata/a espuma pérola/a areia marfim”.

E as variações do prisma plástico chegam à sua extrema liberdade em “Parangolé Pamplona” , a proposição-invenção libertária que Hélio Oiticica mandou para a cidade espanhola, estandartes de pano coloridos que jogados sobre o corpo fazem-no entrar em êxtase: “e é só dançar e deixar a cor tomar conta do ar”.

Adriana constrói uma carreira íntegra porque sabe beber água forte direto da fonte. E para potencializar ainda mais seu feitiço recebe um presente de Yemanjá na faixa “Quem Vem pra Beira do Mar”, quando estabelece um contracanto pungente com a voz emblemática e embargada do Obá de Xangô, o capitão de longuíssimo curso Dorival Caymmi. E que transição mais harmoniosa para a próxima faixa “Mão e Luva”: depois do “velho marinheiro” vem o jovial e genuíno talento de Pedro Luís. Adriana demonstra sua liberdade para fazer rasantes de um extremo a outro e prova que sabe selecionar de quem ela se torna carne e unha. E de quebra ainda destrói qualquer possibilidade de ser enquadrada no estúpido clichê de eclética.

Sua aversão pelo aquarelismo diluidor fica clara precisamente na audácia canibalesca de “Vamos Comer Caetano”. É a mais sensível, tinhosa e inteligente arquitetura de samples que conheço. (Aliás em Maritmo, Calcanhotto sampleia até o sofisticado músico atonal Alban Berg). E a linha-chave da letra bem na ginga carnavalesca dos manifestos modernistas de Oswald de Andrade é : “pelo óbvio, pelo incesto!”. Que a vera fraternidade só começa pela devoração destemida do ícone maior da MPB. Que destroçamento afetuoso e sexy da fabulosa linha evolutiva do historicismo otimista do jovem Caetano. Sem linearidade que a reta é torta e o tabu tornado totem pela bacante mareada Adriana Calcanhotto. Ela possui uma calorosa chave de ignição: comer é começar. É por isso que sabe pilotar o carro veloz da mais que bela canção do Rei Roberto, “Por isso Corro Demais”, com sua interpretaçnao nua e crua da “máquina” possante e pulsante do desejo. Desejo de um mar de pérolas. Ao invés da canção enlatada e congelada, partir do quase zero da maré vazante, e, dessa maneira, a “Canção por Acaso” encontra no arranjo arrojado do campeão Hermeto Pascoal o parceiro ideal. Ao piano, Hermeto executa sutilezas dignas de um Eric Satie. Abra seus orifícios, escancare seus ouvidos e “Vambora” ouvir Maritmo , um hipnótico disco voador porque dotado de musicais e poéticas Asas. Ouvir estático ou abalando a “Pista de Dança” . Pelas barbas e pelo tridente de Netuno! 

* * *

Entrevista com Adriana

1) Por que tanto tempo sem gravar? Durante estes quatro anos você estava trabalhando neste disco?
Estava sim trabalhando neste disco mas é claro que não tracei uma meta para quatro anos de trabalho, é que não consigo ir para o estúdio enquanto não me sinto inteiramente desligada do trabalho anterior e isso às vezes leva mais tempo do que espero.

2) O que você acha que mudou na sua vida e na sua carreira do seu último trabalho para este agora?
Vejo agora menos idealização em relação ao que faço, menos comparação e isso talvez configure um passo rumo às minhas intenções de não-classificação do meu trabalho.

3) Você acha que vem por aí mais um sucesso com “Vambora”, igual ao que “Metade” teve?
Quem pode responder isso? Mas espero que sim.

4) Como é o seu processo de composição? Como é a Adriana compondo?
Preciso de largos espaços de esvaziamento, de desaprendizagem, de “zero”. Em geral quando pego o violão já tenho alguma coisa em mente, já estou ruminando uma idéia e a partir disso minha tentativa é de ir lapidando, descascando esta idéia para que o resultado seja simples e não tenha enfeites.

5) Como é a Adriana no dia-a-dia? Você tira muito do que vê e vive ao seu redor para, principalmente, escrever as letras?
Nunca sou do mesmo jeito. Meu trabalho é o que eu vivo, vejo e o que não vejo, tudo o que faço é sempre assimilação de processos de criação (meus e dos parceiros, músicos ou técnicos), tudo o que faço sou eu.

6) Qual a sua expectativa com este trabalho?
Espero fazer o show no qual venho trabalhando há algum tempo. Neste momento acho que o palco me desafia mais do que o estúdio, acho que posso experimentar com mais liberdade. Acho que o formato “espetáculo” permite mais do que as gravações propriamente. Estou ansiosa para iniciar os ensaios.

7) A Adriana não volta mais de jeito nenhum para Porto Alegre? Cariocas são bacanas mesmo?
Cariocas são o máximo! E gaúchos também!! Mas não volto para Porto Alegre porque gosto de cidades grandes, sempre gostei e desde criança sonhava em morar no Rio. Adoro também Nova Iorque mas morar, só no Brasil.

8) Como surgiram os convites de participações especiais como as de Dorival Caymmi, Guinga e Hermeto Pascoal? A idéia foi sua?
Dorival Caymmi é um sonho, mal pude acreditar quando ele chegou no estúdio. Charmoso, generoso, nobre, exigente. Sempre estive muito interessada na obra dele, considero fundamental, sempre ouvi e li tudo o que pude a respeito e quanto mais me aproximo mais e mais me modifico. Além disso “Quem vem pra beira do mar” é a história da minha vida…
Hermeto Pascoal e sua música eu conheço muito, aquilo é o que mais me interessa em música, a liberdade, a experimentação, o humor. Na verdade, gravando com ele eu me certifiquei de um tipo de procedimento, de atitude em relação à música que é o que eu imagino e persigo e que ele torna possível e concreto para qualquer pessoa, e isso (posso adiantar), já determina o rumo do meu próximo trabalho, ou enfim, do próximo passo do trabalho de agora.
(Escrevi um bilhete para Hermeto convidando-o para tocar no disco. Ele musicou o bilhete. No dia da gravação me mostrou a música e alguns dias depois me mandou de presente a partitura, escrita por ele à mão. Esta partitura está no encarte do CD, sobre o bilhete, na página de “Canção por acaso”).
Waly Salomão é meu amigo, ee um poeta que adoro, de quem gosto cada dia mais. Pedi para que ele fosse ao estúdio m dia para ler a “Pista de dança”, ele foi e fez tudo o que eu imaginava, foi prazeroso, fácil de fazer, ficou como eu queria, não uma composição musical propriamente mas uma leitura de poesia. Depois fiquei brincando com a voz dele, sampleando, fazendo “corte e colagem”, acrescentando ruídos, inclusive scratches com um disco do João Gilberto.
Adorei o disco do Pedro Luís e etou contentíssima de tê-lo comigo neste trabalho. Gostei de conhecê-lo e acho A Parede o máximo. Eles são muito bacanas e trabalham sério. Sou fã.
Guinga gosta de trabalhar antes da gravação e eu adoro isso, nem sabia que ele era assim mas gostei muito do jeito dele no estúdio, ele arrasou.

9) Como foi trabalhar ao lado desses feras?
Trabalhar com os feras é sempre muito rico porque quanto mais fera mais generoso e quanto mais generoso mais exigente, mais e mais de você o cara quer. Eu adoro conhecer o modo como as pessoas trabalham, como elas desenvolvem seus métodos, como lidam com o próprio talento, como e com o que aprendem. Nesse sentido esse disco me deu muito.

10) Já tem shows marcados para a estréia deste álbum?
O show vai estrear em setembro, possivelmente em São Paulo.

11) Sua música me passa uma tranqüilidade, as melodias de tão bonitas mexem comigo. Você se sente assim? Serena e tranqüila?
Bom, depende, enquanto estou fazendo uma coisa, seja uma canção, um disco ou um show, concebendo algo, trabalhando mesmo, eu não me sinto nada serena ou tranqüila, ao contrário, fico mergulhada em dúvidas, acho sempre que tudo pode ficar melhor do que o que já está. Mas gosto que seja assim porque depois vem o esvaziamento e aí sim, alguma possibilidade de calma.

* * *

Maritmo, faixa-a-faixa
Adriana Calcanhotto
Parangolé Pamplona
(Adriana Calcanhotto)

Parangolé Pamplona é um dos parangolés de Hélio Oiticica que tem na verdade o nom ede “Capa Feita no Corpo”. É um trabalho de 1968 e este me interessa particularmente porque ele é contruído no corpo pela própria pessoa que vai usar, pelo participante. Então ele já deixa de ser uma “obra” que tem a mão do artista enquanto construtor ou artesão. É o espírito pop, o “faça-você-mesmo” que este parangolé propõe que me fascina, é com o que eu me identifico, é o que eu quero para a minha música. No show vou construir e dançar com vários Parangolés Pamplona.
- Por que “Pamplona”?
Porque Hélio Oiticica criou este parangolé, em 1968, para uma exposição na cidade de Pamplona. Ele mandou para lá as medidas do pano e algumas instruções de como construir a capa e entitulou “MADE-ON-THE-BODY-CAPE”.

Maritmo
(Adriana Calcanhotto)

É um passeio pela costeira, pelo limite do mar, pela areia. A minha vida passa por este caminho, entre o Arpoador e Angra dos Reis. É dedicada a Mário Peixoto por esses motivos e também porque o conheci em angra, pouco tempo antes dele morrer e jamais vou esquecer aquela tarde.

Vambora
(Adriana Calcanhotto)

É a última composição desta série. O que eu mais gosto são os samples literários “Dentro da noite veloz” e “A cinza das horas”.

Quem vem pra beira do mar
(Dorival Caymmi)

Uma das primeiras certezas que tive sobre este disco, antes mesmo de começar a compor. Costumo dizer que ela conta a história da minha vida. Tomei a decisão de gravá-la quando voltei a morar em Ipanema e a pensar sobre a proximidade do mar. Sem falar na presença de Caymmi…

Mão e luva
(Pedro Luís)

É uma canção que Pedro fez para mim, pensando em Machado de Assis. Eu adoro, foi ótimo me aproximar dos meninos e reler “A mão e a luva”, espero fazer mais coisas com ele, com eles.


Pista de dança
(Adriana Calcanhotto/Waly Salomão)

“Pista de dança” é uma leitura de poesia, do belíssimo poema do Waly. Para ser ouvida nas pistas.

Vamos comer Caetano
(Adriana Calcanhotto)

Um arranjo de samples. Há muito tempo venho pensando sobre isso. Quando, no verão, eu li o livro de Caetano (“Verdade tropical”) tive a idéia de fazer um arranjo só com samples mas de um único artista, de uma só obra. No caso de Caetano são 30 anos de gravações, no estúdio, ao vivo, com mais ou com menos qualidade, uma infinidade de texturas sonoras. A partir daí comecei a escrever a canção. Tinha acabado de ler numa carta de Hélio Oiticica (do livro de cartas dele com Lygia Clark) que ele havia ido com Caetano ao programa do Chacrinha e ficara apavorado com as pessoas que tentavam pegá-lo, rasgá-lo e como Caetano ficava calmo com aquilo, como na verdade gostava e deixava-se devorar. Aí lembrei de Caetano nas “Bacantes” de José Celso Martinez Correa, no Rio de Janeiro, em 1996. Caetano na primeira página dos jornais, pelado, devorado, e então escrevi a canção.

Mais feliz
(Dé/Bebel Gilberto/Cazuza)

“Mais feliz” sempre esteve no meu repertório, nem lembro mais quando foi que cantei pela primeira vez . Sempre pensei em gravá-la e não sei porque nnao gravei antes. Adoro a letra do Cazuza, é de uma fase de letras muito interessantes dele e a parceria com Bebel e Dé é arrasadora. A letra fala de amizade e a minha gravação é dedicada a alguns de meus melhores amigos: Neca, Daisy, Luki, Gogóia, Isabel, Bebel

Asas
(Adriana Calcanhotto/Antonio Cicero)

Para mim é uma das letras mais bonitas de Antonio Cicero. Foi também a primeira melodia que escrevi, sem letra. Fiquei contente com o resultado, não vejo a hora de cantá-la no show.

Dançando
(Péricles Cavalcanti)

Quando comecei a me preparar para fazer este disco tudo o que eu pensava era em dança. Um disco para dançar ou para falar de dança ou as duas coisas. Então liguei pro Péricles e encomendei uma canção. Falamos um pouco a respeito do que eu estava pensando e lembro que falamos até sobre a dança do Arnaldo Antunes, sobre aquele jeito de dançar. Péricles ligou de volta no mesmo dia com “Dançando”, já pronta. Era exatamente o que eu estava querendo.

A Cidade
(DJ Dolores)

Vi na televisão uma matéria sobre um cara de Recife que anda pelas ruas com um gravadorzinho, gravando os sons da cidade para depois programá-los e fazer umas levadas. Então nnao sosseguei enquanto não falei com ele e encomendei uma vinheta pro disco. Ele trabalhou lea em Recife e mandou tudo pronto, nós não trabalhamos juntos no estúdio mas eu sabia que iria gostar do resultado.

Por isso corro demais
(Roberto Carlos)

Eu a-do-ro esta canção e já cantei algumas vezes em shows, em passagens de som e gravei deste jeito mesmo, só com meu violão e com a guitarra do Felipe Eyer.

Canção por acaso
(Adriana Calcanhotto)

Em novembro de 95 assaltaram meu apartamento no Jardim Botânico e levaram todos os discos. Escrevi no mesmo dia “Canção por acaso”. Fiquei tão impressionada que acabei mudando de lá, mudando, ou melhor, voltando para Ipanema, o que seultou num disco “maritmo”.
Gravei algumas versões dessa música sem nunca ficar inteiramente satisfeita até chamar o Hermeto…

Cariocas – remix 96
(Adriana Calcanhotto)

Outra versão, minha e do Sacha Amback, que fizemos em 96, para “Cariocas”.

Produção: Liminha e Adriana Calcanhotto ("Parangolé Pamplona", "Maritmo", "Pista de Dança", "Mais Feliz", "Asas", e"Dançando"), Adriana Calcanhotto ("Vambora", "Quem Vem pra Beira do Mar", "Vamos Comer Caetano" e "Por Isso Eu Corro Demais"), Adriana Calcanhotto e Hermeto Pascoal ("Canção por Acaso") e Adriana Calcanhotto e Sacha Amback ("Cariocas - Remix 96")
Direção Artística: Miguel Plopschi
Produção Executiva: Ju Velloso Mesquita
Assistente de Produção: Adriana Calcanhotto 
Estúdio:
Engenharia de Gravação: Vitor Farias ("Parangolé Pamplona", "Vambora", "Pista de Dança", "Asas", "Vamos Comer Caetano" e"Dançando"), Denilson Campos ("Maritmo"), Tom Capone, Rodrigo Lopes e Marcus Adriano ("Quem Vem pra Beira do Mar"), Denilson Campos e Vitor Farias ("Mais Feliz"), Helder Aragão ("A Cidade"), Rodrigo Lopes ("Por Isso Eu Corro Demais") e Vitor Farias e Guilherme Reis ("Canção por Acaso")
Engenheiro Adicional: Rodrigo Lopes ("Canção Por Acaso" 
Assistentes de Gravação: Bruno Leite e Marco Aurélio ("Parangolé Oamplona"), Breno Gardel, Bruno Leite e Breno Maia ("Maritmo" e "Mão e Luva"), Rodrigo Lopes ("Vambora"), Marco Aurélio ("Quem Vem pra Beira do Mar"), Marcelo Calvário e Breno Maia ("Mais Feliz"), Bruno Leite, Mário Ló, Marcelo Calvário e Breno Maia ("Asas") e Bruno Leite, Mário Léo e Marco Aurélio ("Dançando")
Engenharia de Mixagem: Vitor Farias ("Parangolé Pamplona", "Mais Feliz" e "Por Isso Eu Corro Demais"), Vitor Farias e Marcus Adriano ("Vambora"), Marcus Adriano ("Maritmo", "Quem Vem pra Beira do Mar", "Asas" e "Canção por Acaso"), Tom Capone e Vitor Farias ("Mão e Luva"), Vitor Farias, Marcus Adriano e Sacha Amback ("Pista de Dança"), Vitor Farias e Marcelo Costa ("Dançando"), Rodrigo Lopes, Marco Aurélio e Marcelo Calvário ("Vamos Comer Caetano") e Vitor Farias e Sacha Amback ("Cariocas") 
Assistentes de Mixagem: Ben-Hur Côrrea (exceto em "Mão e a Luva", por Bruno Leite)
Masterização: 
Roadie: 
Catering: 
Direção de Arte: Isabel Diegues
Programação Visual: Martha Bevilacqua 
Assistente de Programação Visual: Cristiana javier
Fotos de Dorival Caymmi: Heloísa Passos
Fotos de Encarte: Isabel Diegues
Fotos do "Parangolé Pamplona": Fabio Ghivelder
Coordenação Gráfica: Carla Framback
Maquiagem: André Muxfedt
Participações Especiais: 
Hermeto Pascoal: Arranjo e Piano ("Canção por Acaso")
Dorival Caymmi: Voz ("Quem Vem pra Beira do Mar")
Pedro Luis e a Parede: Voz e Instrumentos ("Mão e Luva")
Waly Salomão: Voz ("Pista de Dança")

Faixas:
01 - Parangolé Pamplona 
02 - Maritmo
03 - Vambora
04 - Quem vem pra beira do mar 
05 - Mão e luva 
06 - Pista de dança
07 - Vamos comer Caetano
08 - Mais feliz 
09 - Asas
10 - Dançando 
11 - A cidade
12 - Por isso eu corro demais
13 - Canção por acaso
14 - Cariocas


Público (2000)

Sofisticada inteligência
Péricles Cavalcanti

“Adriana é uma artista singular no complexo ambiente musical brasileiro. Seu estilo combina uma natural vocação “pop” para compor, cantar e tocar canções, especialmente baladas; com uma sofisticada inteligência conceitual para trabalhar, com originalidade e competência, qualquer gênero ou estilo. Além disso, eu e ela mantemos, há algum tempo, uma misteriosa parceria. Quando Adriana me pede para compor alguma coisa para ela, é como se a canção de uma certa forma e sem que eu, até então soubesse, já estivesse pronta na minha cabeça”.

* * *

butique
Waly Salomão
Eu estou de olho é na butique dela, pois Adriana constitui uma ótima vitrine pra poesia

* * *

criatividade
Antonio Cícero
Adriana Calcanhotto é um dos poucos artistas da música popular que sempre merecem – e sempre recompensam - uma atenção incondicional, pois a sua criatividade se exerce no sentido de estimular o que há de mais lúcido em nossa sensibilidade e o que há de mais fino em nossa inteligência

* * *

Silêncio, por favor...
Mário Marques
Adriana Calcanhotto é uma artista inquieta. Questiona os padrões, as fórmulas e o modo como a música se desenvolve a partir de sua cerne. Como tal, seu primeiro disco pela gravadora BMG não poderia ser comum, com canções dispostas em faixas de 1 a 14, como os departamentos artísticos têm-se imposto. “PÚBLICO”, disco ao vivo gravado em temporadas no Garden Hall, no Rio, e no teatro Glória, em Vitória, complementado com mais quatro músicas trabalhadas em estúdio, é um disco para ser entendido não como um disco-coletânea de sucessos, mas como outro disco. Um disco especial de uma artista idem. 

Tal direção pode ser comprovada no repertório, nada óbvio, e nos arranjos do disco, que propõem renovação. A faixa que abre o cd, “E O MUNDO NÃO SE ACABOU” (Assis Valente), havia sido feita sob encomenda pelo produtor da Rede Globo, Mariozinho Rocha, para a minissérie ‘O FIM DO MUNDO” (1996). Em novembro do ano passado, às vésperas do ano 2000, sombras especulativas rodeavam o futuro da humanidade e Adriana achou oportuno recolher o samba para o disco, o que fez com propriedade. Tocando violão (três), acompanhada apenas do ar, dos aplausos e do percussionista Marcelo Costa, a cantora reviu parte de seu último disco, “MARITMO”. “MAIS FELIZ” (Dé, Bebel Gilberto e Cazuza), que já apresentava em shows desde 1986, foi simplificada ao extremo, trocando teclados por lances vocais. “VAMBORA”, balada que pontua “MARITMO”, realça a letra, um belo tratado de separação e saudade. (“Ainda tem o seu perfume pela casa/ainda tem você na sala/porque meu coração dispara/quando tem o seu cheiro/dentro de um livro/DENTRO DA NOITE VELOZ…NA CINZA DAS HORAS”). A saída da música, com acordes cheios ao violão, reproduz o apoteótico final de guitarra da gravação original. “VAMOS COMER CAETANO”, no qual Adriana refaz com refinado humor a imagem de Caetano nu, nas páginas dos jornais, após ser atacado pelo elenco da peça “AS BACANTES”, de Zé Celso Martinez Corrêa, tem reproduzido em sampler a intodução, mas a percussão acolhe um curioso bate-prato de Costa, arrastado pela programação. 

“CARIOCAS”, com citação de “ELA É CARIOCA” (Jobim/Vinicius), reforça a construção da canção em cima da interpretação de Adriana, a melhor intérprete de si mesma. Mais curta, a versão é finalizada numa manipulação de aplausos em estúdio encadeada por scratches feitos pela própria cantora. Perturbadora. “ESQUADROS”, baião sob seu espectro, pérola de umjá vasto repertório autoral, parece ineedita, tal o frescor da letura.

Volta seu foco também para leituras particulares. Como a de “CLANDESTINO” (Manu Chao). “Conheço pouco o trabalho dele, achei engraçado, sujo, caótico”. E reprocessa canções ouvidas na infância (“obrigada que era pela minha babá”) como “DEVOLVA-ME” (Renato Barros/Lilian Knapp). “Ouvia muito rádio, a programação inteira da AM em Porto Alegre por causa dela. Mas só gravei na memória essa música”. Potencializa canções que já haviam sido gravadas por ídolos seus, caso de “UNS VERSOS” (por Maria Bethânia, que também pinçou dela “ÂMBAR”). “fico pensando na gravação de Bethânia o tempo todo. Às vezes faço em show, às vezes não”, diz.

A ligação com outras artes é complementar na conceituação de seu trabalho. Quando abraça as artes plásticas, o cinema ou o teatro, simboliza sua inquietude. E o faz bem, especialmente no que tange à pesquisa. Foi assim ao musicar o poema “O OUTRO”, do poeta português Mário de Sá-Carneiro. A história de seu envolvimento com sua obra estava no show e foi parar no disco. Convidada pela Editora Nova Aguilar, em 1996, para fazer o lançamento das obras completas de Mario de Sá-Carneiro na Livraria Argumento, debruçou-se sobre seus textos e largou no palco sua definição do poeta: “só uma pessoa como eu é capaz de topar uma empreitada dessa, sem a menor noção de quem venha a ser Mario de Sá-Carneiro. Era um poeta contemporâneo de Fernando Pessoa, atormentado com a poesia em si, dele, com o fato de ser gordinho, com a morte. De uma tal maneira que aos 27 anos vestiu smoking, não conseguiu esperar e se matou. Bichinha complicada com uma poesia não menos densa. Fiz uma noite de loucuras com os poemas dele e musiquei alguns”. A melodia parece complementar a métrica e vice-versa, é dos poucos artistas que conseguem transpor a barreira no qual poemas viram letras, viram música.

Faz o mesmo com “REMIX SÉCULO XX”, que ela costuma chamar de “POLYVOX”, de Waly Salomão. Poema interativo, no qual se escolhe as palavras e as conecta, Adriana as seleciona com habilidade, recita ritmicamente fazendo bumbo, batendo o pé no chão e transporta o poema pós-moderno numa ilustração cheia de cores. Amassa o papel com força. E está, claro, registrado no cd. Assim como uma versão dela remixada por Dudu Marote e o DJ Mau Mau. 

Ao gravar o amigo Péricles Cavalcanti, leva para o estúdio “MEDO DE AMAR Nº3”. Com a mesma contemporaneidade, revela o acento dançante de “MARESIA” (Antonio Cicero/Paulo Machado), jágravada por Marina. “DONA DE CASTELO” (Jards Macalé/Waly Salomão), canção-tema do filme “DOCES PODERES” de Lúcia Murat, tem produção, arranjo, piano e teclados de Sacha Amback, em 1996.

Para Duu Marote, que diz ter se “oferecido” para produzir o disco, Adriana é a artista “mais exigente e inteligente com quem já trabalhou”. “Ela ouve o disco com um fone de ouvido várias e várias vezes, conserta tudo até a perfeição. Por isso seu nível de qualidade é absurdo”. Em seu “Guia de MPB em CD”, o crítico Antonio Carlos Miguel a cita como “uma das mais interessantes compositoras de sua geração”. Adriana Calcanhotto dribla os elogios como faz com suas canções, surpreendentes, instintivas, sempre coordenadas com o belo. Espera-se que “PÚBLICO” seja o primeiro capítulo de seu futuro. Um futuro fabricado a cada dia.

Silêncio, por favor… 

* * *

Adriana
Péricles Cavalcanti
Quando vi uma apresentação de Adriana em 1989, pela primeira vez, fiquei muitíssimo impressionado com a qualidade do acabamento formal de seu trabalho. Desde então, ela já mostrava um propósito de conjugar uma alta definição visual (nas roupas, na maquilagem, no corte de cabelo, na ambientação para o concerto) com uma forte determinação de clareza na expressão musical. Logo depois ela gravou seu primeiro LP, interpretando composições de vários autores e, também, duas de sua própria autoria, "Enguiço" e "Mortaes", que já exibiam uma disposição para desenhar uma marca bem pessoal. Nos conhecemos por intermédio de Susana Moraes, em 1991, quando eu acabara de gravar meu primeiro disco e ela se preparava para gravar o seu segundo ("Senhas",1992), o primeiro em que assinaria a maioria das composições, além da supervisão artística. Daí para cá ficamos amigos, ela tem com freqüência cantado e gravado canções minhas e, muito além disso, seu trabalho só tem se desenvolvido e enriquecido no sentido daquelas características que a minha primeira impressão detectou e ainda no de outras. E a gente vai, cada vez mais, conhecendo esta artista tão peculiar. 

Não há sucesso popular sem uma profunda intuição (ou será vocação?) para captar e traduzir esses fluxos, ao mesmo tempo, anônimos e tão pessoais que percorrem a sensibilidade, o imaginário, enfim o gosto de uma audiência "consumidora" de música pop. E Adriana Calcanhotto tem isso, naturalmente, para cantar, compor ou mesmo tocar, com segurança, seus violões e guitarras. Não é à-toa que o mais recente disco dela, gravado ao vivo, chama-se "Público"(2000), como que reconhecendo e explicitando o caráter pessoal-impessoal que o seu dom acarreta. 

A Balada talvez seja o gênero popular urbano que mais tem se prestado a fazer essa misteriosa ponte musical entre o individual e o coletivo. E "Mentiras", "Metade" e "Vambora" são composições-interpretações de Adriana que atestam isso. Por outro lado, uma sofisticada inteligência conceitual faz com que ela seja capaz de trabalhar diversos materiais musicais e poéticos, dela ou de outros autores, de comunicação menos imediata, ou mais complexa, com a mesma competência e discernimento, inserindo-os em contextos que incluem os elementos e gêneros os mais heterogêneos. Como exemplo, ouça-se o disco "Maritmo"(1998), cujo próprio nome, uma "palavra-valise" (palavra montada à partir de outras), já indica, de uma maneira poética e sonoramente original, os dois temas principais que predominam no repertório: o mar e a dança. Aqui convivem harmoniosamente um antigo e lindíssimo samba-canção de Dorival Caymmi "Quem vem pra beira do mar" (com a participação do autor cantando), com a musicalização, à maneira da "Discomusic" contemporânea, de um poema de Waly Salomão chamado "Pista de dança" (com a presença vocal do autor), mais a balada de Roberto Carlos "Por isso eu corro demais" e, ainda, "Uma canção por acaso", composta por ela, com o arranjo e a participação do genial multi-instrumentista Hermeto Pascoal, entre outras coisas. 

Vale lembrar, também, da original utilização, por Adriana, da gravação da voz da grande escritora vanguardista da primeira metade do século XX, Gertrude Stein, na composição e gravação de "Portrait of Gertrude", no seu disco "A fábrica do poema" (1994). Isso faz de Adriana Calcanhotto uma artista diretamente ligada à uma linhagem de autores e intérpretes na música popular, surgida nos anos sessenta, que procura aproximar ou mesmo misturar de forma orgânica, sem diferenciá-las, a chamada cultura de "alto repertório" (poesia de vanguarda, música experimental ou erudita, artes plásticas, etc) com a cultura mais popular, de massa considerada de "baixo repertório" (música para a repetição exaustiva nos "hit parade" das rádios, subliteratura, cinema comercial etc). Em termos internacionais, é só pensar nos Beatles ou em Bob Dylan (que parece carregar essa atitude no próprio nome artístico, inspirado no poeta galês Dylan Thomas) e, no Brasil, se lembrar do movimento Tropicalista. Não é sem razão, portanto, que Adriana compôs e gravou nos seus dois discos mais recentes "Vamos comer Caetano" citando, exemplificando (através do uso de samplers) e parodiando a "Antropofagia" do modernista Oswald de Andrade, tão cara ao principal mentor do Tropicalismo. E, não é à-toa também que Adriana, com muito talento para as artes plásticas (ela mesma projeta as capas dos seus discos), compôs "Parangolé Pamplona", faixa de abertura de "Maritmo", em homenagem a Hélio Oiticica, artista cujos trabalhos também procuravam demonstrar que as fronteiras entre o "culto" e o "popular" podem ser, apenas, pré-conceitos. Eu me orgulho muito de, através de minhas composições (algumas feitas sob sua encomenda), participar do trabalho desta artista cuja inteligente sensibilidade é capaz de reunir, sob o mesmo teto estético-musical, personalidades, não pára de crescer. 

Produção: Dudu Marote
Direção Artística: Jorge Davidson
Engenharia de Gravação: Roberto Marques (Vitória) e Michael Fossemkeper (Rio de Janeiro)
Mixagem: Turtle Tone Studio (NY)
Engenharia de Mixagem: Michael Fossemkeper
Masterização: George Marino
Coordenação: Franklin Garrido / Unidade Móvel ARP
Produção Executiva: Simone Ruótolo
Assistente de Produção Executiva: Cristiane Menezes
Arte: Adriana Calcanhotto
Fotos: Pedro Moraes (shows, camarins e capa) e Robert Feinberg (estúdios)
Design: Victor Hugo Cecatto
Coordenação Gráfica: Luis Felipe Couto e Emil Ferreira

Gravações em Estúdio:

"Maresia"
Engenharia de Gravação: Luis Paulo Serafin (RJ), Rogério Pereira (SP) e Michael Fossenkemper (NY)
Estúdio: Cia dos Técnicos (RJ), Dr. Do (SP) e Soundcraft (NY)

"Medo de Amar"
Engenharia de Gravação: Marcio Gama (RJ) e Rogério Pereira (SP) 
Estúdio: Mega (RJ) e Dr. Do (SP)
Assistentes: Carlos Blau (Dr. Do)
Edições Digitais: Dudu Marote e Rogério Pereira

Faixas:
01 - E o mundo não se acabou
02 - Mais feliz 
03 - Clandestino
04 - Uns versos
05 - Devolva-me
06 - Remix século XX
07 - O outro
08 - Vambora
09 - Vamos comer Caetano
10 - Esquadros
11 - Cariocas
12 - Medo de amar Nº 3
13 - Maresia
14 - Dona do Castelo
15 - Remix século XX


Cantada (2002)

Tirar
Adriana Calcanhotto

A única coisa que eu sempre soube sobre este disco, muito antes de ter as canções para ele, é que eu o queria muito, muito simples. Por mais tolo e pretensioso que pareça dizer isso, a verdade é que não foi tão difícil assim. 

Algumas pessoas que eu convidei mostraram-se interessadíssimas em trabalhar dessa forma e outras na verdade já trabalham assim e quanto mais conseguem fazer as coisas de modo simples mais querem conseguir, é claro. Então nossos desejos somados fizeram com que todos os processos da feitura do disco fossem balizados pela idéia de tirar: tirar os excessos, tirar os enfeites, tirar acordes, cortar vozes, solos inteiros, repetições, sobras, gorduras, over-actings, efeitos, citações,plug-ins, enfim, jogar no lixo tudo o que não parecesse essencial. 

Como é fácil imaginar, não acho que tenha conseguido de todo alcançar meu objetivo mas cumprir o prazo combinado também era muito importante, era um tipo de desafio que me auto-impus para não cair na tentação de passar os próximos dez anos tirando coisas de um disco.

O melhor de tudo, afinal: são as coisas que valeram mesmo, que soaram lindas, que nos pegaram de surpresa, que nos flecharam, que me comoveram, que me encheram de prazer ao serem feitas, que eu não cortaria nunca.

Tomara que minhas dúvidas, meu prazer e minha alegria estejam impressos. E sejam audíveis.

* * *

Uma cantada bem bolada
Antonio Cicero & Waly Salomão

CALOR. Tudo lateja. Que chama é essa que singulariza e dá propulsão à CANTADA de Adriana Calcanhotto? Quem sabe? Talvez a vontade e a capacidade de manter aceso o veio experimental não nas bordas alternativas, mas, precisamente, no mainstream da música pop comercial. E ela o faz pelos caminhos menos óbvios: pela diminuição proposital dos acordes em proveito de um cancioneiro minimalista lúdico e pela promessa de felicidade – pela CANTADA – com a qual conseguiu seduzir para o seu projeto os músicos-autores que a ajudam a realizá-lo.

Ela nos confessou que os escolheu por não serem músicos-funcionários, mas criadores que, orientados pela lei do desejo, conseguem penetrar em territórios ainda não inteiramente mapeados. Outsiders, encontram-se fora da indústria, o que lhes permite ser mais surpreendentes e engraçados. "É a galera com que mais me identifico". Moreno + 2, Los Hermanos, Bossacucanova fazem um uso desassombrado e descompromissado da tecnologia de ponta: cibernética, sim, porém a serviço do balanço, sem fetiches nem macaqueamentos de estereótipos importados. Um tempero para a NOITE é acrescentado por Daniel Jobim quando desliza pelas superfícies das canções.

O atraente diferencial de Adriana Calcanhotto é essa arte combinatória e ousada de incorporar no trabalho dissonâncias culturais de tal modo que, longe de tentar harmonizá-las, enfatiza seus choques, suas fendas e suas brechas, como se fosse um DJ, a arranhar e samplear sonoridades reconhecíveis da música comercial e erudita, da poesia canônica e de clichês liricistas entremeados de sugestões de frases musicais cantaroladas. Não por acaso SE TUDO PODE ACONTECER se dá como um hino à fecundidade do acaso. É desse modo que brota o seu acre-doce estilo novo de sedução. Trata-se de uma recusa à fusion convencional, a palatáveis colchas de retalhos e à empolada polenta caipiro-cosmolita. Vamos comer Madonna? O convite para comer o boogie-woogie da Madonna (MUSIC/IMPRESSIVE INSTANT) resulta no bomb-shell que é a Madonna adrianizada.

Eis aqui um PROGRAMA deliberadamente enviesado, incorporando claros-escuros, arranjos impuros, explorações ready-mades, quase-tecnos, músicas para pistas de danças, instantes marcantes, momentos decisivos, in-seguranças máximas e perícia na manipulação das identidades oscilantes entre SOU SEU e SOU SUA. Calcanhotto transita entre o público e as nuances da INTIMIDADE. A leitura em diagonal das páginas amarelas do JORNAL DE SERVIÇO de Carlos Drummond de Andrade é um ponto alto dessa celebração. Assim se lançam PELOS ARES canções que fazem despertar os homens (e as mulheres) e adormecer as crianças (NINAR).

Orgulhamos-nos de fazer parte dessa galera. Como poderiam poetas chapa-quente deixar de cair na CANTADA de Adriana Calcanhotto?

06/10/2002

Produção: Adriana Calcanhotto e Dé Palmeira (exceto "Programa", produzido por Kassin, Moreno Veloso e Dé Palmeira; e "Jornal de Serviço", produzido por Bossacucanova)
Gerência Artística: Sergio Bittencourt
Pós-Produção: Kassin
Engenharia de Gravação: Sergio Ricardo, Daniel Carvalho e Fabiano França
Estúdios: Verde & Rosa e Monoaural (RJ) 
Assistentes de Gravação: Lucas Marcier e Luciano Tarta 
Engenharia de Mixagem: Fabiano França (No Ar Estúdio), exceto por "Pelos ares" (mixado por Fabiano França e Daniel Carvalho)
Assistentes de Mixagem: Luizão Dantas e Fernando Fishgold
Masterização: Ricardo Garcia (Magic Master)
Roadie: Robinson Schwaitzer
Catering: Solange Ramos
Administração: Dinéa Palma
Produção Executiva: Andréa Franco
Assistente de Adriana: Zezé Cortes
Arte: Adriana Calcanhotto
Fotos: Bob Wolfenson (Adriana Calcanhotto) e Cesar Oiticica Filho (Magic Square Nº5, de Hélio Oiticica)
Design: Victor Hugo Cecatto
Coordenação Gráfica: Rosangela Almeida e Emil Ferreira
Participações Especiais:
Moreno + 2: Instrumentos ("Programa")
Berna Ceppas: Synth ("Programa")
Los Hermanos: Instrumentos ("Mulher Barbada")
Bossacucanova: Colagem ("Jornal de Serviço")
Moreno Veloso: Trompete e Cellos ("Se Tudo Pode Acontecer") e Cello ("Sou Sua")
Péricles Cavalcanti: Piano ("Intimidade")
Daniel Jobim: Voz e Piano ("Music") e Piano ("Sou Sua", "Se Tudo Pode Acontecer", "Cantada" e "Noite")
Junior Tostoi: Guitarra ("Pelos Ares" e "Calor")


Faixas:
01 - Programa
02
 - Justo agora
03
 - Pelos Ares
04
 - Eu espero
05
 - Noite
06
 - Calor
07
 - Sobre a tarde
08
 - Cantada (Depois de ter você)
09
 - A mulher barbada
10
 - Sou sua
11
 - Intimidade (Sou seu)
12
 - Music
13
 - Se tudo pode acontecer
14
 - Jornal de serviço
15
 - Ninar


Maré (2008)





Faixa-a-faixa
Adriana Calcanhotto

Maré 
Música: Moreno Veloso / Letra: Adriana Calcanhotto

Parceria minha com Moreno, que fala do mar como imagem poética e ao mesmo tempo partícula, onda, coisa física, que a linguagem não pode traduzir, é de 2005. Ele mandou a bonita melodia, toda cromática, eu fiz a letra e nós a cantamos juntos várias vezes (com +2 e no projeto Três). Cantei também nos meus shows solo, em diferentes versões e andamentos, sendo que esta, a versão do disco, é a de que gosto mais. Os cellos, no dia em que foram gravados, me fizeram chorar.

violão – adriana calcanhotto / violão e cellos - moreno veloso / baterias – domenico lancellotti

Seu pensamento 
Música: Dé Palmeira / Letra: Adriana Calcanhotto

Belíssima música do Dé e nossa primeira parceria, foi uma das primeiras certezas deste repertório. Escrita em setembro de 2003, ficou guardada até a gravação, sendo que na turnêPartimpim a cantávamos muito, Dé e eu, nos camarins, depois que as crianças iam embora e as toneladas de tralhas e brinquedos eram cuidadosamente guardadas. Kassin, numa das guitarras, atravessa a música do início ao fim pulsando uma única nota - adoro.

violão – adriana calcanhotto / guitarras – kassin / cellos – moreno veloso / baixo – dé palmeira / bateria – domenico lancellotti


Três 
Música: Marina Lima / Letra: Antonio Cicero

Não é exatamente um pedido meu para Marina, mas funcionou como se fosse, desde que, zapeando a tv, me deparei com ela(s) no Altas Horas. Fiquei doida e, a cada sílaba que ela cantava, eu ficava mais, a letra de Antonio Cicero ia se revelando inacreditável e, quando a música terminou, eu só sabia que era minha e estaria no Maré. A canção, feito trampolim, me precipitou para o estúdio num momento em que eu só pensava em me esvaziar de Adriana Partimpim e flanar. Mas foi muito bom, o impacto da música me encheu de fogo, e resolvi fechar logo o repertório (e as férias) e partir para a ação. “Três” era a peça que faltava pra considerar as canções que tinha um “repertório” para gravação. É a primeira música de Marina que gravo, se não me engano, o que é engraçado, já que cantei tantas coisas dela em shows, desde Porto Alegre. Marina foi rigorosa e exigente comigo, que estava insistindo em um acorde errado — e eu adorei. 
“Três” é uma das canções mais bonitas que eles fizeram juntos, os dois irmãos.

violão – adriana calcanhotto / cellos – moreno veloso / piano elétrico – kassin / mpc live – domenico lancellotti

Porto Alegre 
Música e letra: Péricles Cavalcanti

Como de costume, encomendei a Péricles Cavalcanti uma canção para o meu disco. Fiz um briefing mínimo, dizendo que o ambiente era marítimo e ele ligou já no dia seguinte com duas (!!) músicas lindas. Uma delas era “Porto Alegre”, que ele mesmo acabou gravando em O Rei da cultura1 porque eu falei - e sabe-se lá por quê - que ela não estaria no disco. Mas, num ensaio com Kassin, Dé e Domenico, bem antes do início das gravações, eles tocaram de um jeito que eu não imaginava, Kassin fazendo aquela brincadeira de guitarrada, o baixo do Dé, incrível, eu adorei tudo e, a partir dali, ela foi ficando pra sempre em minhas listas e mais listas de possibilidades até a peneira final. 

É demais o Ulisses desbundado na primeira pessoa. Engraçada, simples e sofisticada, uma típica canção Péricles. E também muito típico da nossa interação foi o fato de ele escrever uma canção onde não resiste às sereias — sem que eu jamais tivesse comentado que, desde que comecei a juntar canções com o claro intuito de fazer um disco, permeando tudo, de maneira mais ou menos explícita, esteve sempre presente o canto de sereia. Simpatizo com o arquétipo da mulher que é a música do mar, sensual, maternal, irresistível, hipnótica, Kianda2. Meio mulher, meio peixe, entre o fundo e a beira, e que detém o canto, no sentido de canto primeiro, do nascimento do canto, anterior à palavra. Nenhum canto contemporâneo que conheço se aproxima tanto dessa fluidez primordial como o deMarisa Monte; sei da identificação dela com as sereias; daí propus que criasse como e quantas sereias quisesse, podendo ser as sereias e Calipso também. No estúdio foi lindo, ela chegou, conversamos um pouquinho, ela abriu um Hall’s e foi para o microfone. De lá nos hipnotizou a todos, brincando, improvisando uma profusão de cantos e inventando sereias graves, agudas, trinadas, de todos os modelos e tipos. Difícil foi escolher depois. 

guitarra – adriana calcanhotto / guitarras – kassin / baixo – dé palmeira / bateria – domenico lancellotti / congas – moreno veloso / canto de sereia – marisa monte


Mulher sem razão 
Música: Dé Palmeira e Bebel Gilberto / Letra: Cazuza

Em 1989 Bebel Gilberto me deu sua fita demo, que virou um dos discos da minha vida. Uma das músicas era “Mulher sem razão”, irmã da bela “Mais Feliz” (que eu cantava desde 1986, gravei no Maritmo e depois no Público), outro petardo da impressionante - e infelizmente tão pequena - safra Dé Palmeira/Bebel Gilberto/Cazuza. Eu gostava da gravação deCazuza no Burguesia3 , mas a versão da Bebel naquela fita tinha sutilezas melódicas que faziam com que ela parecesse inédita a cada audição. Um dia Lucinha Araújo me ligou pra perguntar – por que você não grava “Mulher sem razão”? E pensei - é mesmo, por que não? Falei pro Dé do meu envolvimento antigo com a música e da sugestão de Lucinha, e ele me ensinou a tocar direito, me deu acordes ótimos e ainda contou que a fita que Bebel me dera de presente era dele!?. Pra provar, mostrou a própria letra manuscrita na capa da fita mas me fiz de morta e a preciosa K-7 segue comigo. Dédirigiu nossas intenções e acentos na gravação da base e só ficou satisfeito quando ficou satisfeito. Depois, com base e voz gravadas, Rodrigo Amarante escreveu para trombones pensando em cinema francês. Uma alegria ter registrado, finalmente, essa canção tão bela e tão íntima, à qual sou tão afetivamente ligada. 
Bebel conta que a mulher sem razão da letra é ela mesma. Será?...

violão – adriana calcanhotto / baixo – dé palmeira / teclado - rodrigo amarante / trombones tenor e baixo - bidu cordeiro / bateria – domenico lancellotti / congas – moreno veloso / pandeirola e tamborim - marcelo costa / arranjo de metais - rodrigo amarante com felipe pinaud


Teu nome mais secreto 
Música: Adriana Calcanhotto / Letra: Waly Salomão

Foi a última composição que fizemos juntos, Waly e eu. Estávamos trabalhando nela na época em que Cássia Ellermorreu e aquilo foi tão triste que nós não conseguimos prosseguir, e desistimos. Com o tempo fomos retomando devagarinho, até o ponto em que ele ligava todos os dias com dois ou três versos pra enxertar. Eu não conseguia formatar a música porque a letra crescia como se não houvesse amanhã; então baixei um decreto: a letra da canção seria a que eu tinha até aquela hora e se chamaria “Teu nome mais secreto”. A partir daí os acréscimos (Waly não fazia cortes) seriam feitos na versão “poema”, publicada post-mortem em Pescados Vivos4 com o título “Madeiras do Oriente” - e com 12 versos a mais do que os por mim musicados A letra é inteiramente Waly, cheia de lábia e de lábios, densa, sexy, e fala, como diriaDuda Machado, em “água primeira feminina”5. Depois que Walymorreu, ficou tudo bem difícil e a canção voltou pro decantador esperando para ser, quem sabe um dia, gravada. 
Quando tive a primeira idéia para a música, antes mesmo de definir com Waly a forma final da letra, sonhei em convidar meu adorado Jards Macalé pra tocar violão, e ele topou. Levou pro estúdio o violão usado no Transa6 - instrumento realmente incrível, com som único, braço macio, um sonho – e gravou a música com ele. Foi uma tarde inesquecível, e até tentei não dar mole demais, mas a verdade é que estava completamente comovida de tê-lo ali. Fiquei pensando também no barulhão queWaly teria feito, foi foda. 

violão – adriana calcanhotto / violão – jards macalé / cello - moreno veloso / mpc live – domenico lancellotti


Sem saída 
Música: Cid Campos / Letra: Augusto de Campos

Li na orelha do livro Não poemas7 , de Augusto de Campos,Arnaldo Antunes contar que “Sem saída” retoma o mote mais repetido pelos antagonistas da poesia concreta (ela teria levado a poesia a um “beco sem saída") e fiquei bastante impactada com essa informação. Com o poema, um labirinto a ser percorrido com o mouse, onde se lê os versos em qualquer ordem, já estava impressionada, e muito. Quando ouvi, tempos depois, o mesmo “Sem saída” musicado por Cid Campos no seuFala da Palavra8, aí sim, fiquei completamente chapada. É incrível o dom que Cid tem de musicar poemas, às vezes muito complexos, aparentemente não musicáveis ou simplesmente loucos, e transformá-los em canções redondas e muito belas sem nada retirar de sua estranheza, pelo contrário. E achei tão linda a gravação dele que resolvi gravar exatamente igual, utilizando o mesmo arranjo, na linha cover. Com o tempo, Arto começou a argumentar que a gravação do Cid já existia, pra que fazê-la de novo? Eu entendia o ponto de vista, mas não gostava da idéia de me separar dos contracantos e do clima bluesy, apesar de estar determinada a não determinar arranjos. Afinal, gravei o violão que o próprio Cid me ensinou e, sobre ele, Arto e eu tocamos bateria. Um de cada vez, sem baquetas, apenas jogando chocalhos e objetos na direção de tambores e pratos. Foi engraçado e ajudou a exorcizar um pouco da minha resistência à bateria, instrumento que considero hiperestimado (compreendam por favor, sou filha e irmã de bateristas, cresci ouvindo as criaturas batucando na mesa, no volante do carro, em praticamente toda superfície disponível; é cansativo, pra dizer o mínimo). Enfim, assim, brincando, Artoconseguiu me soltar do som da gravação do Cid e sugeriu Aldo Brizzi para escrever um arranjo sobre o violão e a bateria já gravados, o que achei bárbaro. Já havia cogitado chamá-lo outras vezes, mas estes eram o momento e a canção exatos. 
Aldo é comovente na maneira de interagir com músicos e técnicos. Sabe que precisa abrir os ouvidos ao redor para os microtons, que vai encontrar resistências e diz que é impressionante como instrumentistas muito interesantes, conhecidos por sua abertura para a experimentação, em termos de forma, harmonia e mesmo de tempo, têm dificuldade para trabalhar com conceitos não-convencionais de afinação. Não é fácil ganhá-los para a exploração de nuances internas de uma mesma nota; ficam desconfortáveis com os batimentos e choques de harmônicos e imagino que seja pelo fato de que passam anos e anos estudando para tocar afinado ou mesmo temperado, mas com precisão. Além do mais, não são muitas as peças escritas assim; enfim, acredito, ou melhor, espero, que este seja somente o primeiro de alguns trabalhos em colaboração comAldo Brizzi.

violão, bateria - Adriana Calcanhotto / baixo e guitarra - Alberto Continentino / trombone - Marlon Sette / Cello - Moreno Veloso / Bateria - Arto Lindsay/ Arranjo - Aldo Brizzi


Para lá 
Música: Adriana Calcanhotto / Letra: Arnaldo Antunes

Aconteceu de um jeito curioso. Marisa Monte telefonou convidando para um amigo-oculto onde nós, compositores, trocaríamos, ao invés de presentes, músicas ou letras, dependendo da especialidade ou do desejo de cada um. Como eu não tinha uma letra (porque não escrevo letra sem música) levei a melodia que tinha, por puro acaso, na gaveta. No sorteio tirei o Dadi, que me deu um CD com duas melodias, e ele me tirou! Música demais, portanto, pra nenhuma letra, mas, enfim, era só uma brincadeira, deixei para lá. Lembro até que naquela noite vi Arnaldo e Marisa esboçando um rascunho de letra, mas logo esqueci do assunto. Meses depois, numa temporada de shows em Lisboa, recebo no camarim Arnaldo, que veio mostrar uma letra linda para a música que eu nem lembrava que existia e que caiu como uma luva no repertórioMaré. 
Ainda teve a guitarra que Arto gravou num take só, live, punk, tempo real, lindo. Depois, o piano do Rodrigo Amarante, de paletó e flores, foi também um presente, literal, no meu aniversário.


violão – adriana calcanhotto / guitarras – kassin / piano – rodrigo amarante / guitarra solo – arto lindsay / baixo – dé palmeira / bateria – domenico lancellotti


Um dia desses
Música: Kassin / Letra: Torquato Neto

Kassin mostrou por telefone, eu no carro indo pro aeroporto e ele em casa com o violão. Ouvindo muito mal no celular, com a ligação picotando, me apaixonei pela canção. Cantamos juntos na turnê +Ela e, na volta, cantei nos shows solo pra curtir o maravilhoso violão de aço que a Yamaha me deu de presente. 
Quando Kassin cantou por telefone, entendi — pela urgência em me mostrar, ou talvez porque a ligação estivesse péssima — que ele acabara de musicar o poema do Torquato. Mas não; depois ele contou que havia feito isso aos dezesseis anos, no caminho da escola para casa, depois de ler o poema em Os últimos dias de paupéria 9. No dia da gravação ele passou no estúdio pra dar um beijo e, mais tarde, ligou dizendo que a música não lhe saía da cabeça, que o havia transportado para os seus dezesseis anos, e que estava ligando pra dizer isso, que estava se sentindo em calças de tergal. 
Acho interessante a mistura de Torquato Neto com Kassin numa canção que resulta, apesar da ironia de um e de outro, positiva, esperançosa, solar. Diferente da imagem que se tem da poesia de Torquato, o Midnight Rambler, como Hélio Oiticica o chamou. Adoro o eco da “noite escura” num dos versos desse poema com a “noite escura” de Waly, em “Teu nome mais secreto”. 
Foi legal ter na faixa Alberto Continentino, tocando solto, dando input. Ele entrou no disco pra tocar o arranjo escrito por Aldo Brizzi; fiquei feliz em tê-lo desta vez tocando o que ele mesmo inventou para a música. Moreno registrou os delicados vocais que fazia comigo na turnê +Ela.

violão de aço – adriana calcanhotto / guitarra e baixo – alberto continentino / vocais –moreno veloso


Onde andarás 
Música: Caetano Veloso / Letra: Ferreira Gullar

Sempre amei essa canção, sempre quis cantá-la e achei que era o repertório certo pra tentar. E gostei das soluções encontradas por Moreno, Kassin e Domenico para as questões que coloquei sobre como (ou para quê) gravar esta música. Gostaria que fosse da maneira menos contaminada possível da ironia da interpretação de Caetano – que, pra mim, sempre soou um pouquinho como pretexto para as emblemáticas e devoradoras imitações de Orlando Silva e Nelson Gonçalves10. Eu achava que, com as imitações, Caetano imprimia um certo distanciamento da pungência desbragada do poema – que eu pretendia encarar. Não foi tarefa das mais fáceis, é óbvio, mas ficamos, eu e todos os que enlouqueci com o assunto, felizes com o resultado. Contamos, ainda, com o auxílio luxuoso do monstro sagrado e dulcíssimo, Jorge Helder, no baixo acústico e do querido Marcelo Costa na percussão. 

violão – moreno veloso / guitarras - kassin / baixo- jorge helder / lixas, xequerê, block, bicicleta, mpc live - domenico lancellotti / vassourinha e afoxés – marcelo costa


Sargaço mar 
Letra e música: Dorival Caymmi

Pérola de 1975 a que não pude resistir, sendo que nem tentei. Queria muito que soasse simples, vazia, o mais Caymmipossível, então liguei pro Gil e ele contou que estava na platéia do Teatro Municipal de São Paulo na noite em queCaymmi mostrou a canção pela primeira vez. Ou seja, era mesmo de Gilberto Gil que a faixa precisava, e de mais nada. Gravamos juntos, ao vivo, o violão e a voz, num sábado de sol.

violão – gilberto gil





Notas 

(1) O Rei da cultura, Péricles Cavalcanti, DeleDela / Petrobras São Paulo, 2007

(2) Em Angola, o culto a Kianda, divindade do mar, sempre existiu, secretamente, mesmo após a colonização, sendo uma prova de resistência do imaginário mítico africano. As ianda (plural de Kianda) são entidades reguladoras de tudo que se relaciona ao oceano. Segundo Ruy Duarte de Carvalho, cativam-se das pessoas, velam por elas e pelas águas, manifestando-se, de acordo com as pesquisas feitas por esse antropólogo e poeta, de formas diferentes.
(3) Burguesia, Cazuza, Polygram 1989

(4) Pescados Vivos, Waly Salomão, Editora Rocco, Rio de Janeiro, 2004.

(5) Transa, Caetano Veloso, Polygram, 1972,

(6) no poema “Manhã piscina” em Margem de uma onda, Duda Machado, Editora34, São Paulo, 1997

(7) NÃO poemas - Augusto de Campos, Editora Perspectiva, São Paulo, 2003. 
“... em “Semsaída”, estampado na contracapa, que toma o mote mais repetido pelos antagonistas da poesia concreta (que ela teria levado a poesia a um “beco sem saída", expressão também citada/brindada em “desplacebo”), positivando seu sentido, afirmando a potência do desafio ante o impossível. “Semsaída” lembra “tudo está dito” (1974), pelo que diz, assim como pela forma de decifração que impõe para que se chegue ao que diz. E também pela livre disposição das frases, que podem ser lidas em diferentes ordens.”... (Arnaldo Antunes na orelha de NÃO).

(8) Fala da Palavra, Cid Campos, Independente, São Paulo, 2006

(9) Os últimos dias de paupéria, Torquato Neto (organizado por Ana Maria Silva de Araújo Duarte e Waly Salomão). Editora Max Limonad, São Paulo, 1982. 

(10) “...o início da faixa "Onde Andarás", uma parceria minha com Ferreira Gullar, parece com o Chet Baker. Depois imito o Orlando Silva e o Nelson Gonçalves” ... (Caetano Veloso sobre sua gravação de “Onde Andarás”, no disco Caetano Veloso, 1967, Philips)


* * *

Perguntas em forma de cavalo marinho *Eucannã Ferraz* Título roubado de um poema de Carlos Drummond de Andrade

Já a capa convida-nos para uma apreciação atenta, interessada. A beleza dá-se de modo radical. A maquiagem parece dizer inequivocamente que o rosto é também máscara. Por quê? A face ali é, a um só tempo, natural e inventada. Mulher e deusa, Adriana e Calipso, água e tinta, pele e tela. O olhar: destemor ou espanto? Para que águas tal enigma convida?

Vinicius de Moraes cunhou no célebre poema “O dia da criação” uma imagem tão simples quanto eloqüente: “a vida vem em ondas como o mar”. Foi nisso que pensei ao ouvir o novo álbum de Adriana Calcanhotto, Maré. 

Nele, a paisagem é menos a descrição de uma determinada ambiência que o elemento de composição de uma metáfora cujo motivo central é a vida. Ou seja, o mar, ritmo-imagem, serve como matéria para produtos imaginários que expressam movimento, fluxo, tempo, física, transmutação, música, destino, improviso, desejo, melancolia, morte. O mar é aqui, portanto, mais que cenário. São as qualidades marinhas que parecem emergir das canções, do canto, dos arranjos. 

Assim, livre dos limites da simples paisagem, poderia dizer que o tema de Maré é o destino dos homens. 

E, então, é por tudo iluminadora a presença de “Porto Alegre”, canção de Péricles Cavalcanti, deliciosa e bem humorada recriação de uma passagem da mitologia grega. A letra, em primeira pessoa, traz a voz de Ulisses, mas que, em vez de resistir aos encantos da ninfa Calipso, entrega-se irresponsavelmente a ela e ao calipso, o ritmo caribenho. Porém, se erotismo e alegria surgem ali como destino do homem, na outra ponta extrema está a imobilidade de “Sem saída”, poema de Augusto de Campos musicado por Cid Campos. Em Maré, aparecem indissociáveis e em fluxos contínuos estas duas praias, ou ainda, estes dois valores do mar-imagem: de um lado, a excitação diante das ondas, de sua musica em infinito convite para a aventura; do outro, a sensação de que mover-se ou estar parado são uma mesma coisa, uma mesma ilusão, donde uma consciência que se reconhece no bater monótono e sem sentido das ondas. Estes dois extremos cruzam-se de muitos modos, em marinhas de cores esbatidas aqui, em contrastes bruscos mais adiante, mas sempre em articulações complexas, inteligentes, inesperadas. São estes escoamentos de entendimento e perplexidade, de gozo e de dor que vêm em ondas em Maré, formando uma água única e bela.

I

Eucanaã Ferraz - Segundo você, Maré é o segundo álbum de uma trilogia iniciada por Maritmo (1998). O elo entre estes dois e o futuro trabalho é (será) a temática marinha? Ou, para além do tema, os trabalhos têm (terão) algo em comum também no nível mais propriamente musical? 

Adriana Calcanhotto - É uma trilogia marítima, o mar é o elo. O mar de Caymmi, de Melville, de Mário Peixoto. O mar literário, artificial, metafórico, além do quântico. NoMaritmo eu tinha idéias mais definidas para as levadas e climas musicais do que tive no Maré, onde preferi que as coisas, literalmente, fluíssem. Para o terceiro não tenho as canções, só o desejo de realizá-lo, musicalmente não sei o que vai acontecer, não tenho programa. Talve possa fazê-lo com ainda menos gente do que agora.

II

EF - É flagrante o quanto você se mantém firme na companhia de determinados parceiros. Basta ler as fichas técnicas dos seus discos e dos seus shows para ver a presença constante de determinados nomes – das canções aos cenários. Penso, por exemplo, nos diretores de cinema que gostam de trabalhar sempre com os mesmos atores. Na sua carreira, qual o sentido dessa espécie de eleição e de fidelidade? Ao mesmo tempo, você parece estar sempre alargando aquele círculo de parceiros com o acréscimo de novos nomes. Que bússolas guiam essa procura? E, ainda, no caso específico de Maré, nele qual a dinâmica desse círculo composto por companheiros antigos e recentes?

AC - Gosto do aprofundamento das relações com meus colaboradores, acho que a contribuição deles é que me interessa, não o compromisso com a fidelidade, embora eu seja fidelíssima, por convicção. Muitas vezes demoro pra decidir chamar alguém exatamente porque pretendo diálogos reais e enriquecedores e jamais chamaria alguém só por amizade, inércia ou qualquer outro motivo externo às motivações do projeto em questão. Aprendo muito com essas pessoas todas, cada vez mais, não vejo motivo para não estar com elas. São elas mesmas, muitas vezes, que trazem novos nomes para o círculo de colaboração. Nesse sentido, em Maré acho que consegui me repetir como nunca, rá, rá, rá.

III

EF - Este movimento de retorno e renovação (o vai-vem das marés...), que parece flagrante no âmbito de colaboradores, está presente em outras dimensões do trabalho realizado nesse novo disco? Ou melhor, em relação a seus trabalhos anteriores, o que permanece e o que se inaugura em Maré?

AC - O universo de autores não se alargou muito dessa vez, embora isso seja resultado do filtro, das peneiras que vou passando num conjunto que, dessa vez, se iniciou com aproximadamente 20 canções possíveis. Não faço listas de autores e sim de canções ou poemas e depois, acaba ficando muito claro, conforme sua denúncia, minha admiração por um tipo de universo. Permanecer ou cair do repertório tem a ver com a maneira com que as canções vão se comportando juntas e também com o resultado das gravações, tem algumas variáveis. Inaugura-se em Maré minha parceria com Dé, com Moreno, com Arnaldo Antunes (com esses escrevi canções), com Arto Lindsay, que produziu, com Aldo Brizzi e com mais alguns músicos com os quais eu ainda não havia trabalhado. Com Marisa Monte, Rodrigo Amarante e Jards Macalé, com quem já havia feito outras coisas, só houve estreitamento e confirmação.

IV

EF - Você pôs, lado a lado, em Maré, uma antiga parceria de Caetano e Ferreira Gullar (“Onde andarás”) e um poema musicado de Augusto de Campos (“Sem saída”, com música de Cid Campos). Penso que essa vizinhança criada por você equivale a uma espécie de relâmpago ensaístico sobre a poesia e a música no Brasil. Como você explicitaria, digamos, os princípios críticos deste seu gesto?

AC - Pensei muito a respeito, inclusive por ter Caymmi aí junto, se as pessoas iriam ler a mistura como total ignorância minha. Ou como provocação. Depois cheguei a conclusão de que é verdadeira pra mim essa junção, é legítima, orgânica, precisava dessas canções todas no meu projeto, o que posso fazer? Se há algum problema nisso, ele não é meu.

V

EF - Apesar do clima asfixiante e doloroso de “Sem saída” e da atmosfera delirante e mórbida de “Sargaço mar”, Maré parece-me um disco leve, solar. Ou, pelo menos, mais feliz e luminoso que Cantada (2002). Você concorda com essa minha impressão?

AC - Eu não estava nada luminosa quando gravei Cantada, talvez seja o que te dá essa (precisa) impressão. Aqui, noMaré, penso que estou lidando com um pouco mais de tranqüilidade em relação a certos assuntos. Em “Mulher sem razão”, por exemplo, cantei “nosso tempo é bom / e nem temos de montão” quando na letra original Cazuza diz “e nós temos de montão”, coisa que não posso mais dizer, sou uma senhora. Essa é uma das senhas do disco, por trás dessa mudança de sílaba está minha maneira de me relacionar com o fim nesse momento específico, em um disco de trilogia que já não é o primeiro. Talvez seja mais no som do que nas palavras que o disco se apresente mais leve e solar, pelo sopro de alegria e descompromisso que a intervenção dos músicos imprime.

VI

EF - Ao falar de “Sem saída”, você se refere ao dom que Cid Campos tem de “musicar poemas, às vezes muito complexos, aparentemente não musicáveis ou simplesmente loucos, e transformá-los em canções redondas e muito belas sem nada retirar de sua estranheza, pelo contrário.” Esta sua observação parece-me reveladora do modo como você encaminha seu trabalho desde o início de sua carreira: buscando constante e simultaneamente o “redondo” e o “estranho”. Embora sejam faces de uma mesma moeda (ou águas de uma mesma onda...), faça um esforço e me diga: o que há de “redondo” e de “estranho” em Maré?

AC - Minha sensação é a de que o redondo pode viabilizar o estranho nesses termos em que você coloca. Acho que tem a ver com aquele impulso que tive na adolescência, quando resolvi me aventurar pela música, acreditando que música redonda, que toca no rádio, pode levar para o rádio a alta (e estranha) poesia, sem privilégios de informação. Redondo pra mim é o que é claro, fluido, não obtuso, não codificado em excesso, ou enfim, codificado de maneira que o ouvinte que não possua determinados códigos, não fique, por isso, impossibilitado de usufruir do prazer de ouvir, não estará excluido. É uma questão de camadas de leitura, trabalho fascinante pra mim de realizar, se é que consigo, mas trabalhoso no sentido de que só o tempo é que arredonda. Encarangar as coisas não é difícil e endereçar mensagens para clubinhos fechados nunca me interessou. Gosto do trabalho de polimento, de lapidação, de tirar as coisas que sobram, no rumo da clareza, levo anos tecendo canções e discos com isso em mente. O que há de mais estranho em Maré? Pois, acho que eu mesma.

VII

EF - Você parece estar sempre se movendo pela curiosidade e pela vontade de aprender. Quando fala dos músicos, dos ensaios, das gravações, você deixa ver o quanto fazer um disco pode ser menos o registro de algo acabado que um processo de descoberta e aprendizagem. Como você descreveria esse processo no caso específico de Maré?

AC - Maré talvez seja o disco (com exeção de Enguiço) onde menos interferi na maneira dos músicos encararem as canções. Fiz escolhas, é claro, mas não propus coisas determinadas, anteriores, já pensadas, não fiquei dando sugestões. Estava voltando da turnê com Moreno, Domenico e Kassin, estávamos bastante sintonizados, então no estúdio nossos silêncios foram maiores e mais comunicativos do que costumam ser a maioria dos silêncios (e barulhos) de estúdio.

VIII

EF - Li, numa de suas entrevistas, que você não quer ser filiada a nenhuma corrente, mas que, de certo modo, aceitaria ser chamada de minimalista. Gostaria de ponderar, no entanto, que você, igualmente, mostra-se atraída pela intensidade e pelo excesso. Não por acaso, um de seus mais queridos, constantes e importantes parceiros foi Waly Salomão – barroco, torrencial, uma espécie de antiminimalista praticante. No caso de Maré – dedicado ao Waly – como se desenvolve essa tensão entre as economias do mínimo e do excesso?

AC - Lido com essa tensão com naturalidade, por temperamento e provavelmente também por ter crescido (ouvindo músicas completamente diferentes) em um mundo onde o Tropicalismo já existia e cujas conquistas, portanto, já eram irreversíveis; pra mim essa nunca foi uma grande questão. Minha ligação com Waly era, entre muitas outras coisas, de total fascínio, pela diferença, pelo oposto, pelo escancaramento. Pelo descaramento, por que não dizer? Não gosto do minimalismo estéril, estetizado, clean, a priori. Minha coisa é com a essencialização e tenho a impressão de que parto do excesso transbordante para o prazer e o divertimento de podá-lo, enquanto o tempo passa.

IX

EF - Você sabe nadar?

AC - Bem melhor do que sei dar entrevistas...


* * *

Som é ondaAdriana CalcanhottoMaré, este meu oitavo disco, é o segundo de uma trilogia. O primeiro é Maritmo, o álbum de 1998. E, como segundo, este tem como mote o mar de volta, o mar “mais uma vez”, Maré. 

E talvez por estar entre o primeiro e o terceiro é que ele tenha ficado tão entre a mulher e o peixe, entre a palavra e o emaranhamento quântico, entre a linguagem e o indizível. Ou entre Ferreira Gullar e Cazuza, entre Augusto de Campos e Dorival Caymmi, entre Cicero e Waly(1). 

As canções foram chegando aos poucos e com algumas, como “Mulher sem razão” ou “Onde andarás”, eu já flertava, há tempos. Outras surgiram da minha encomenda, como a pérola-Péricles “Porto Alegre”; escrevi letras para melodias (“Maré” e “Seu pensamento”), fiz música para receber letra (“Para lá”) e algumas canções simplesmente atravessaram meu caminho. Em determinado momento tive repertório para um álbum triplo, mas como pra mim peneirar pode ser até mais interessante do que acumular canções, fazer as escolhas não foi muito difícil. Todo corte, toda canção que cai dá um certo aperto no coração, mas, por outro lado, é muito legal ver como elas vão se entreiluminando ou contradizendo dentro do quebra-cabeças que começo mas nunca sei direito onde vai dar. 

Chamei meus parceiros Moreno, Domenico e Kassin e conversamos sobre uma turnê fora do Brasil, coisa que ainda não havíamos feito; depois faríamos o disco. Este encontro foi batizado por eles de +Ela(2) e, nessa formação, fomos para Espanha e Japão, numa oportunidade de tocar ao vivo antes das gravações, o que geralmente resulta em calor em termos sonoros e, acredito, foi isso mesmo o que aconteceu. Foi importante para nossa sintonia ainda que o set list da turnê fosse diferente do repertório gravado. 

Dé Palmeira, parceiro, amigo, irmão e único compositor que tem duas músicas no disco (“Seu pensamento” e “Mulher sem razão”), com quem eu já havia feito diversas coisas, – Adriana Partimpim inclusive, – convidei para tocar e simplesmente tocar, com toda alegria, prazer e divertimento com que ele toca, e que me encanta. A mesma coisa combinei com os outros meninos: vamos esquecer a produção e simplesmente tocar. Arto Lindsay para produzir. Assim as gravações podem correr concentradas, mas soltas. Arto é perfeito para a soltura. 

A gente tocou o que quis, interferindo conforme cada feeling, e eu foquei basicamente na escolha de pessoas, não de timbres ou instrumentação. Com exceção de Sem saída (arranjada por Aldo Brizzi), as faixas foram sendo construídas à medida que íamos tocando. Diferente do que chamamos “arranjo coletivo”, no sentido do planejamento do que vai acontecer (e no jorro de idéias), trabalhei muito com o silêncio. Nunca disse como imaginava que as faixas deveriam ser e, no máximo, entre opções a escolher fiquei com a mais bonita. Ou mais maluca. Arto entendeu tudo desde o início e contribuiu para a fluidez sendo um ouvidor atento e estimulador.

Com Felipe Abreu uma pré-produção com toda a calma, meses antes das gravações, experimentando tonalidades e andamentos, deixando para o estúdio, a partir do que fosse acontecendo com as bases, as colocações e coloridos das vozes. Felipe, a quem só chamo de Prô, é propulsor e carinhoso e me proibiu de tomar café durante as sessões de voz. No dia em que me peguei no banheiro do estúdio com um copinho descartável na mão, bebendo escondida do Prô um café de garrafa térmica, abandonei o vício, para sempre (do café, naturalmente, nunca do professor).

Fabiano França com antenas atentas captou os “nossos” sons. Um dos meus violões que trasteja, mas que eu amo, uma guitarra que não gosta de se manter afinada, um cello que range, uma respiração mais forte, nada disso ele camuflou ou tentou disfarçar. Amo, por exemplo, o som que ele e Domenico tiraram da minha bicicleta (em “Onde andarás”). Fabiano opera o som dos meus shows há tempos e assim, conhece minha voz e meu violão e sabe quando estou bem, ou não muito, animada, maldormida, distraída, alegre, o que for; ele sempre faz perguntas precisas, preciosas, situantes.

Diariamente chegou no estúdio uma maravilha vinda da cozinha de Roberta Sudbrack. Delicadezas perfumadas e inspiradoras, lentilhas e quinoas de gemer. Roberta conseguiu com que vegetarianos, gourmets, restritos e enjoadinhos ficássemos todos nas nuvens.

Nós rimos muito uns dos outros, e sobretudo de nós mesmos, compulsivamente. As emoções, arrepios, gargalhadas, os prazeres, os impactos com os poemas, os vacilos e imprecisões estão na cara. Assim espero. 
Divirtam-se! 

Adriana


(1) Antonio Cicero e Waly Salomão, no release que escreveram para o meu CD Cantada (2002), dizem algo que funcione talvez como chave para tão áspera junção de autores (perdão pela autocitação): “...o atraente diferencial de Adriana Calcanhotto é essa arte combinatória e ousada de incorporar no trabalho dissonâncias culturais de tal modo que, longe de tentar harmonizá-las, enfatiza seus choques, suas fendas e suas brechas, como se fosse um DJ, a arranhar e samplear sonoridades reconhecíveis da música comercial e erudita, da poesia canônica e de clichês liricistas...” 

(2) Release do +Ela: “Adriana Calcanhotto telefonou para nos convidar pra fazer com ela uma turnê pela Espanha, no início de julho. Nós do +2 estamos no meio de uma outra turnê, esta para o lançamento de nosso último disco, o Futurismo, de Kassin +2, esse disco que vem finalizar nossa trilogia e que começou no final do século passado quando gravávamos numa casa alugada em Araras, o Máquina de escrever música, de Moreno +2, e que nos levou até a atenção de Adriana.
É da natureza do +2 desde quando começamos, um certo despojamento no que diz respeito às funções estabelecidas numa banda, como por exemplo: o baterista, o cantor, o guitarrista, etc. Nós, nas sessões de gravação, sempre nos revezamos pra tocar-trocar toda a sorte de instrumentos, incluindo aqueles que não dominamos bem. Mas muito pelo fato de nosso segundo disco, Sincerely Hot, Domenico +2, ter demandado uma instrumentação pra além da banda, e também porque eu não conseguia tocar bateria ou bateria eletrônica e cantar, por isso nos shows, nós convidamos mais dois agregados, Pedro Sá que sempre esteve próximo e Stephane San Juan, um baterista francês que conhecemos em Londres numa de nossas turnês. Adriana também é mais uma agregada, nós já fizemos shows juntos, muitas vezes a convite de festivais ou teatros, também fazemos músicas juntos e ela participa de nossos discos assim como nós participamos dos dela. O engraçado é que sempre que nos encontramos as coisas acontecem de forma muito natural e sempre diferente do que imaginávamos, temos muitas afinidades e gostos em comum.
Mas esse novo convite da Adriana nos surpreendeu, isto porque sua idéia era de fazer um show onde só nós 3 e ela pudessemos mostrar músicas ainda inéditas de nossas parcerias. 
Além disso criar uma nova dinâmica onde por exemplo Moreno poderá tocar cello, instrumento que gravou em todos os nossos discos incluindo os dela, mas nunca pode tocar ao vivo, Kassin pode tocar piano elétrico (e ele está muito feliz com isso), eu, guitarra, escaleta, triangulos, lixas, MPCs etc...sem contar com as surpresas dela.
Por isso nada mais pertinente do que nesse momento inusitado onde fechamos uma trilogia que durou 8 anos para ser concluída, onde nos transformamos em muitas coisas diferentes, inclusive cantores, nada mais interessante do que esse convite pra voltar a um “início” que de novo nos transforma e nos esclarece nossa eterna condição de mutantes.” 

Rio de Janeiro, 08/06/07
Domenico Lancelloti


* * *

A volta ao mar de AdrianaIsabel DieguesPara alguém como eu, que estudou música anos a fio, mas não é capaz de tocar mais que uma caixinha de fósforos, parece incrível a capacidade que algumas pessoas têm de transformar sons em música; dar sentido a um punhado de barulhos organizados na (des)ordem necessária à beleza. Por isso gosto de ouvir – e ver – a música se fazendo. 

Já fotografei Adriana nas situações mais distintas: em performances e recitais de poesia, em palcos e camarins, no Municipal e no Maracanã. Uma artista como ela, com uma curiosidade imensa, se multiplica em experiências para construir sua música. Registrando a imagem dessa música, pude acompanhar alguns caminhos trilhados para se chegar a Maré, o novo disco de Adriana Calcanhotto. Mas um novo disco de Adriana nunca é apenas um disco novo. A cada projeto, a cada canção, ela se reinventa, não se espalhando em diversidades, mas costurando para dentro de seu próprio trabalho, consolidando um caminho. Adriana só toca o que quer e o que gosta, e sua música se constitui a partir de suas experiências poéticas.

Um disco de Adriana começa quando ela quer se aproximar e se apropriar de certos poemas, e fazer deles canção. Não é o pulso, mas a palavra que impulsiona sua música; a musicalidade das palavras e a maresia das idéias. Depois: tocar, ouvir, mexer, e ver o que fica. Em “Teu nome mais secreto” , poema de Waly Salomão musicado por Adriana – uma das canções mais lindas de Maré – Waly, com sua força e irreverência apaixonantes, faz com Adriana uma combinação explosiva e comovente. Quando emaranhados, o barroco e a minimalista tornam-se o delicado e a irrequieta. Ele, como um mar revolto, a arremessa contra os rochedos para provocar que ela desenhe algumas de suas mais belas melodias. Ao ouvir essa canção vibrante e vigorosa, em que a palavra é propulsionada pelo desejo levantando-se como uma onda no mar – “só sei que canto de sede dos teus lábios” –, é difícil não ficar tocado pelo violão de Jards Macalé com seus golpes de acordes pungentes.

Para escolher as canções que fariam parte de Maré, algumas delas passearam por palcos, camarins e quartos de hotel. Enquanto Adriana viajava com um repertório, seguia inventando outros. Até perceber que havia encontrado um rascunho de possibilidades e os parceiros para fazer com que tudo isso virasse um disco. A cada show, a cada encontro, ou sozinha em seu canto, canções, idéias – e imagens – foram sendo recolhidas, acolhidas para se misturarem a esse mar. Em meio a canções de Augusto de Campos e Ferreira Gullar, navegam as de Dê, Kassin e Moreno; músicos, inventores, compositores. 

Adriana escolhe os músicos que a acompanham pelo que cada um deles pode trazer de novo, de singular para o trabalho. Por isso, no estúdio, ela ouve mais que fala. Sabe exatamente o que quer, mas prefere ser surpreendida sempre. E, quando isso acontece, seus olhos se acendem como dois faróis indicando o caminho. É nesse momento que as canções começam a tomar forma. 

Adriana sempre perseguiu o inesperado nos sons que produz; em alguns de seus outros discos, chegou a gravar faixas apenas com ruídos ou vozes, além dos tantos brinquedos tocados porAdriana Partimpim. Mas, no disco novo, é diferente: os “barulhos” são produzidos pelos próprios instrumentos, explorados até o avesso, ao se recriarem usos e possibilidades. Não são mais os objetos mundanos, eletrodomésticos, brinquedos ou sons recolhidos das ruas que viram música; agora são os próprios instrumentos provocando e produzindo ruídos.

Em Maré, as máquinas tocadas com os dedos – como a MPC livede Domenico Lancelotti – tornam-se simples instrumentos de percussão; abandonam sua vocação de batuque controlado e ganham com o suingue do erro. Uma bateria eletrônica pode ser tocada como um tamborim. Como em “Três” , de Antonio Cicero eMarina Lima, uma canção azul-marinho, com acordes doridos pontuados pelas fisgadas do cello de Moreno Veloso. Aqui não é preciso tocar perfeitamente, mas tirar o som perfeito dos instrumentos, como num embate físico. Um modo de tocar que produz mais que notas musicais, que arranca dos instrumentos ruídos e silêncios que amplificam a letra da canção interpretada por Adriana com a voz aberta, e uma quase falta de fôlego – que também é música – no sopro da voz, a cada verso da canção. 

Quando fotografo Adriana, sou como um espelho, como seus olhos deslocados no espaço. Produzo um diário de bordo imagético e, assim, podemos rever mais tarde o reflexo de tudo o que aconteceu – gestos, movimentos, olhares, humores. Enquanto todos se preocupam com o som, me faço distraída e roubo a imagem. Concentrados no trabalho, seus corpos se transformam diante das lentes; ganham novas formas e dimensões. Por vezes, parece que para realmente escutar é preciso apagar, de certo modo, os outros sentidos. Fechar-se numa caixa, num porão – que é o próprio corpo – e deixar que os sons ecoem. Este é o registro de um trabalho em construção. Trabalho que se faz no dia-a-dia do estúdio, nas escolhas feitas, a cada momento. Compor e tocar são exercícios diários.

Maré, canção que dá nome ao disco, é o começo. Com letra deAdriana e melodia de Moreno Veloso, esta é como uma canção “editorial”, em que Adriana nos oferece uma carta de navegação de seu mar. Um mar que é linguagem, que é passagem do silêncio ao som, “do árido à miragem”, “de átomo a paisagem”, de mar a música. As rimas e aliterações ondulam a canção e dão ritmo à poesia no mais suave mar irado. Pelo ritmo, pela letra simples e poética, pela temática, esta canção é da mesma praia que a canção “Maritmo”, que dá nome a seu disco de 1998. O primeiro de uma trilogia sobre o mar, em que Maré é o segundo.

E, ao findar essa viagem, a presença marítima de Dorival Caymmi. Adriana havia cantado, com o próprio Caymmi, “Quem vem para a beira do mar”, no CD Maritmo; em “Sargaço Mar” , o violão de Gilberto Gil é como a voz de Caymmi: de uma doçura grave e serena. E, com um claro sorriso ao evocar Iemanjá, Adriana traz Caymmi para sua voz.

Maré traz de volta Adriana Calcanhotto cantando o mar com uma voz límpida, líquida. Maré é o que traz de volta a onda do mar – ainda que com outras formas –, é o retorno cíclico, a continuação. O som de Adriana é marulho provocado pela agitação das ondas, é inquietação, motim, confusão e calmaria.


Produzido por Arto Lindsay e Adriana Calcanhotto
gravado por Fabiano França e mixado por Flavio Souza no AR Studios RJ, de agosto a novembro de 2007 [exceto "um dia desses", mixada no Ilha dos Sapos em Salvador, BA, em janeiro de 2008] 
gravação adicional "Sargaço mar" Flavio Souza Stehling e Pedro Benjamin
roadie Jorgito
preparação vocal Felipe Abreu
projeto gráfico Gilda Midani com Luiz Henrique Sá
fotos Gilda Midani com Pedro Arruda
tratamento de imagens Alex Wink [Studio AW]
make up Fulvia Farolfi [capa] e Maria Lucia Mattos
catering Roberta Sudbrack
supervisão gráfica Sandro Mesquita
direção artística Sérgio Bitencourt
produção executiva Suely Aguiar
assistente de produção Cintia Carvalho
direção de produção Leonardo Netto 

Faixas:
01 - Maré
02 - Seu pensamento
03 - Três
04 - Porto Alegre (Nos braços de Calipso)
05 - Mulher sem razão
06 - Teu nome mais secreto
07 - Sem saída
08 - Para lá
09 - Um dia desses
10 - Onde andarás
11 - Sargaço mar


O micróbio do Samba (2011)



Release

Domenico Lancellotti


Estávamos no estúdio do Dado Villa-Lobos, que fica em frente ao contorno infinito do parque do jardim botânico, gravando uma música para um personagem específico da (no momento) nova novela das oito. ali ao lado abriu um restaurante ótimo para almoçar, simples e bom, e tomar uma cerveja chamada princesa negra.

À tardinha, depois do take, e antes de desmontar tudo, Adriana me pediu para ajudá-la a registrar uns sambas.
Poderíamos gravar a título de puro registro, só para ter aqueles sambas de que venho testemunhando o nascimento com comovente entusiasmo nos últimos anos que rodamos juntos em turnê.
Daniel Carvalho, nosso técnico de som, que estava conosco e que é meu parceiro há muitos anos - estando presente desde o início dos “+2”, aprendemos juntos a fazer música nas situações mais perfeitas e imperfeitas de nossas aventuras pela europa e no interior paulista - logo desceu as escadas do estúdio para posicionar os microfones do dado.
Adriana sentou com o violão numa cadeira sem os braços, em frente à minha pseudo-bateria, feita de pedaços e com um surdo deitado no chão ao invés do bumbo (me inspirei no perrone que tocava com o pé o desenho do surdo) e sem pratos. nunca havíamos gravado assim, um em frente ao outro, os técnicos costumam ter medo dos vazamentos.
Acontece que captar o som tem muito da fotografia, e existem uns fotógrafos que são verdadeiros artistas. quando subimos de novo as escadas para ouvir o que fizemos, este nosso quase improviso, nos deparamos com algo que há muito tempo não viamos num estúdio de gravação: salve a emoção, o sentimento, a música. como foi surpreendente essa constatação e como nos inspirou para, a partir daí, chamar o Alberto Continentino (com o contrabaixo) que ainda não conhecia as músicas e olhava para a mão esquerda da violonista seguindo os acordes enquanto tocava. estávamos inspirados, podíamos tocar de verdade, Alberto estava gripado, ainda bem, assim fica debilitado e mais perto do nosso nível.
Quando terminamos de gravar, (lembrei que nosso produtor colocou biombos separando os instrumentos), subimos para escutar. então, mais um susto de alumbramento.
E hiromi correu atrás de um champagne para brindar o encontro.
Estava tudo ali, os sambas, as levadas, as ideias, tínhamos um disco, mas o que fazer com as imperfeições? o que fazer com aqueles momentos trastejados e desalinhados?
tínhamos optado por um processo que não dá ao técnico muitas chances de consertos.
Passamos uns dias escutando e curtindo, nesse tempo fomos para a itália tocar a convite de um festival de cinema, e lá estavam os sambas nos acompanhando nos ipods e computadores. entre um penne rigate al ragu di maiale e um linguini ao vongole ficamos com vontade de refazer alguns, sim, esses podem melhorar ainda.
Na volta ao brasil marcamos outra sessão no estúdio do dado, que a essa altura estava intimamente ligado ao nosso sistema nervoso. desta vez adriana ficou em cima das escadas, na outra sala, separada de mim e do alberto, que ainda precisava olhar para a sua mão esquerda.
Dani em três minutos improvisou um monitor com a imagem da cantora, mas como ele fez isso não me perguntem! Realmente, ficaram ainda melhores, compramos mais champagnes, amendoins, conseguimos não perder o mais precioso, a emoção e a espontaneidade. agora sim podemos nos entusiasmar! (como diria wilson das neves), chegamos aonde queríamos sem perder a ternura.
Convidamos moreno veloso para tocar prato no samba de roda, o rodrigo amarante para maltratar ainda mais “sua nova namorada”, nando duarte no sete cordas de “gueixa”, e, fundamentalmente, davi moraes com sua elegância e ancestralidade.
tenho muito orgulho deste disco, ele faz parte de um universo que valorizo e que é definitivamente onde eu quero estar.
E sem querer defender teses: os computadores são uma representação fantástica da mente humana, e não o contrário, muita gente pensa imitando as máquinas, isto é inconcebível e representa a ausência do sentimento. música é sentimento. minha pretensão é ficar conhecido num futuro como o único baterista que erra.
Quase me esqueci de falar que os sambas (desde a primeira audição) vieram claramente me indicando os desenhos rítmicos, cada um com sua peculiaridade.
Procurei explorar ao máximo os poucos recursos sonoros que tinha, um surdo, uma caixa Hollywood (perfeita para tocar samba, e que ganhei nessa mesma viagem à itália), tamborim, ganzá, agogô (como eu gosto dos agogôs!) e coquinhos.
Com esses instrumentos procurei construir camadas feitas de claves (são os desenhos rítmicos, a base fundamental de tudo) sobrepostas uma por cima da outra (viva pedro sorongo!), provocando contrapontos complexíssimos, que só mesmo num samba.

release
Luciano Alabarse

A letra de uma única canção, quando conectada com sua realidade temporal, tem mais força e eficiência do que uma biblioteca inteira. a música popular, ainda hoje, é como farol potente a iluminar o breu dos impasse nacionais, sejam eles comportamentais ou políticos. seu espaço ocupa, por isso, um lugar privilegiado na formação de nossa identidade. os grandes compositores brasileiros se destacam como arautos das mazelas e maravilhas do país. a dívida afetiva aos homens e mulheres que cumprem esse papel, com talento indiscutível, é gigantesca. nós, o público, não poderemos jamais expressar, com palavras exatas e correspondentes, o agradecimento merecido a esses músicos, mas podemos reconhecê--los e nominá-los como vozes especiais aos nossos corações e mentes. a canção brasileira, de tantos nomes admiráveis, encontrou em Adriana Calcanhotto uma compositora notável, letrista atenta e sofisticada, reconhecida e integrada exemplarmente ao nobre ofício da composição popular. seus versos apresentam uma simplicidade complexa, pois, muitas vezes, nos oferecem imagens paradoxais, rimas inusitadas, soluções léxicas primorosas. Ouvir uma canção de adriana pela primeira vez, para aqueles que o fazem com a devida atenção, é uma experiência estética solar. há humor, leveza e dor, talvez não necessariamente nessa ordem, criando tensões entre palavras e geografias insólitas. a poesia de adriana é cosmopolita, nascida entre aqueles que têm acesso às informações e à literatura dos grandes agrupamentos urbanos, mas isso por si só não explica seu resultado e eficácia. nada parece fruto do acaso em seu trabalho. não há uma inteligência paralisante em relação às legítimas emoções de seus versos. uma não contradiz nem nega a outra. a transpiração de sua poesia ilumina a origem emocional dos seus achados poéticos. a aparente facilidade com que se desenvolvem os versos “calcanhottos” mostra um trabalho ao mesmo tempo artesanal e requintado, que está longe de resvalar para a rima fácil, o verso pobre e acomodado à primeira solução.
Há uma inquietação bem-vinda na carreira da compositora. a articulação dos (des)encontros amorosos, ou das opções comportamentais desejantes, não sofre em sua obra das usuais formas que banalizam essa necessidade comum. sua poesia anda, literalmente. um verso de adriana, o rito de passagem de uma situação à outra, sempre tem mais de um significado, e essa é a verdadeira força de uma poesia real, a chamar seu leitor, ou ouvinte, a também cumprir seu papel criador. uma letra de música assinada por ela traz garantia de acesso ao misterioso encanto de um verso legítimo, solicitando cumplicidade e refinamento a quem queira senha de acesso. é preciso aprender a ouvir, a se deixar levar, a se surpreender.
a notícia de que ela dedicaria ao samba um disco inteiro, uma safra inteira de novas composições, é surpreendente e maravilhosa. o samba brasileiro tem uma alegria melancólica, diferente da “alegria triste” da canção romântica brasileira; tem uma evanescência transgressora, uma força pulsante incomparável.
O samba é o ritmo mais livre e, por isso mesmo, mais perigoso, reino propício à experimentações instrumentais, o gênero que melhor conjuga tradição e ruptura, qualquer que seja o nível de recepção que emprestemos a ele. não é por nada que ocupa o espaço que ocupa na história brasileira. raízes e antenas são os ingredientes de um samba a ser composto no século xxi. há algo absurdamente vivo e que sempre acontece ao ouvirmos um samba bom. aprendemos, de forma quase concomitante à audição, letra e música. queremos ouvir novamente, e mais uma vez e outra mais, até que aquela canção esteja em nossos corações e corpos, nos levando a gingar e mexer pés e quadris, mesmo os mais reticentes e comportados ouvintes. Os espanhóis têm uma expressão especial para falar de seus artistas importantes, dizendo que os verdadeiros criadores artísticos devem estar possuídos por “duende”. no brasil, os verdadeiros sambistas cunharam uma expressão extraordinária para reconhecer aqueles que importam e fazem a diferença, ao afirmar que os mesmos devem ter o “micróbio do samba” contaminando sua criação. é uma expressão surgida durante a década de quarenta, imortalizada em uma canção de braguinha, gravada por nomes seminais da história do samba brasileiro. com esse novo disco, adriana vai surpreender muita gente - porque, apesar de morar no rio de janeiro há muitos anos e adorar a cidade que escolheu para viver, quanto mais amadurece como artista criadora, mais mostra traços inequívocos do lugar de seu nascimento, ou seja, o rio grande do sul. o samba de adriana é carioca e gaúcho, e lembra, evolutiva e carinhosamente, um conterrâneo ilustre: lupicínio rodrigues. 


Essas duas vertentes geográficas e seu temperamento libriano criam canções absolutamente contagiantes e paradoxais. há, de forma original e incontestável, o micróbio do samba nessa safra nova de suas canções. é um passo adiante em sua carreira de compositora popular. lupicínio, o boêmio inveterado, o profeta das dores amorosas mais agudas, certamente iria cantarolar estes sambas protagonizados por personagens de temperamento notívago e apaixonado. essas criaturas vão chorar pelos cantos procurando amores e aventuras, vão descobrir novas ciladas e encruzilhadas afetivas, serão embaladas por convites noturnos ou chamadas diurnas mas, principalmente, vão descobrir a sede e a saúde da alegria, o êxtase dionisíaco e sem amarras. como a própria música de adriana, que parece buscar um estágio de liberdade criativa absoluta. por fim, e não menos importante, há que ressaltar a cantora que, a cada dia, está melhor. sua voz cristalina mostra um amadurecimento notável na emissão de seus versos. não há excessos nem contenções demasiadas. eu, que ouvi apenas a gravação das bases dos doze novos sambas, cujos arranjos minimalistas reforçam a força da safra nova de suas belas composições, adianto que estaremos todos a cantá-las remexendo nossos corpos nas cadeiras, sambando no pé, identificando nossas próprias histórias em seus certeiros achados poéticos. O mundo inteiro ficará mais feliz com esse disco. o micróbio do samba veio para ficar.

produzido por Daniel carvalho 
gravado e mixado por Daniel Carvalho nos estúdios Lobo Mao e Monoaural, Rio de Janeiro, na primavera/verão 2010/2011
assistentes Nicolau Villa-Lobos, Pedro Tambellini e Lucas Sarmento
masterizado por Takayoshi Manabe no Crown Mastering Studio, Tokyo
produção executiva Hiromi Konishi
arte Luiz Zerbini / Fernanda Villa-Lobos
fotos Caroline Bittencourt

SONY MUSIC
Presidente: ALEXANDRE SCHIAVO
Vice-presidente e Direção artística (A&R): SÉRGIO BITTENCOURT
Gerência geral de marketing: ROMMEL MARQUES
Supervisão de arte: SANDRO MESQUITA
Supervisão artística(A&R): JOSELHA TELES
Coordenação artística e Prod.executiva (A&R): ANDRÉ "PEIXE!" MATTOS
Assistente de arte: PRISCILLA LUIZ



Faixas:
01 - Eu vivo a sorrir
02
 - Aquele plano para me esquecer
03
 - Pode se remoer
04
 - Mais perfumado
05
 - Beijo sem
06
 - Já reparô?
07
 - Vai saber?
08
 - Vem ver
09
 - Tão chic
10
 - Deixa, gueixa
11
 - Você disse não lembrar
12
 - Tá na minha hora


Micróbio Vivo (2012)



Faixas:
01 - Eu vivo a sorrir
02 - Aquele plano para me esquecer
03
 - Dos prazeres, das canções
04
 - Mais perfumado
05
 - Vai saber?
06
 -  Já reparô?
07
 - Vem ver
08
 - Beijo sem
09
 - Pode se remoer
10 
Argumento
11
 - Tão chic
12
 - Deixa, gueixa
13
 - Você disse não lembrar
14
 - Te convidei pro samba
15
 - Tá na minha hora


Olhos de onda (2014)



Adriana Calcanhotto - Olhos de onda
Francisco Bosco

É bem provável que o lugar de onde partiu o convite original para (o que viria a ser) esse show tenha influenciado em seu destino: os altos mares poéticos de Portugal refletem nesses Olhos de onda de Adriana Calcanhotto, inspirando um recital íntimo, de delicado rigor e emoção elegante, onde cada palavra cantada é de um cuidado quase escandido. 

Não por acaso a primeira palavra do recital, que lhe dá o tom, embora implícita, é nome. Iniciando-o como uma celebração à palavra, Adriana interpreta "O nome da cidade", canção de Caetano Veloso gravada por ela no disco Senhas (1992). Estamos em pleno mar do verbo. O talvez maior poeta da canção brasileira do século XX estabelece a questão que por sua vez inaugura a atitude filosófica desde que o mundo se percebe e espanta como mundo: "onde será que isso começa?" Os rios da canção se tecem com os da poesia (num verso nitidamente cabralino: "não à cidade mesma, espessa"), e esses com os da existência: a canção do baiano atravessado pelo Rio evoca a biografia da gaúcha que a reclama para si. Cada coisa é demais e tantas que esse aboio urbano passa pela bossa nova e deságua no sertão metafísico de Guimarães Rosa: "Sertão/ Ê mar!"

Literalmente sentada sobre a poesia (seus pés repousam sobre um livro de T. S. Eliot), Adriana prossegue seu rito aos deuses do verbo que habitam o Olimpo da canção. Em sequência, enfileira canções de seus parceiros Antonio Cicero (a antológica "Três" e o hit "Inverno"), Arnaldo Antunes ("Para lá"), Waly Salomão ("Motivos reais banais”), e ainda de Cid e Augusto de Campos ("Sem saída"). Essa abertura é uma pequena hecatombe de grandes versos. Um tal começo é a sua resposta ao fim da canção.

Entretanto, como em Pessoa, tudo que pensa está sentindo: a festa do verbo é ao mesmo tempo a festa dos sentidos e dos sentimentos. A canção "Olhos de onda" é a senha para que os deuses do amor avancem ao proscênio. Adriana interpreta o clássico de Sullivan e Massadas, "Me dê motivo”, eternizado por Tim Maia, e em seguida "Back to black”, de Amy Winehouse. É a intérprete da medida medindo-se com os desmesurados: o que é grande, segundo o filósofo, nasce da união dos contrários.

Conjugando as duas facetas da trajetória de Adriana – o sucesso popular e a alta poesia, tantas vezes por ela reunidos –, o repertório segue por caminhos de marejar os corações: ao hit da jovem guarda "Devolva-me" sucede a nova "Maldito rádio", também ela candidata a hit. Daí em diante, Adriana ainda conduz seu público a um mar nunca dantes navegado (a inédita "E sendo amor"), para depois levá-lo às ondas perfeitas onde há anos eles se deliciam: "Esquadros”, "Cantada", "Vambora", "Metade" e "Maresia". 

Sem adornos e adereços, cristalinos como certos mares, os Olhos de onda de Adriana Calcanhotto nos relembram – como outros antes, e sempre pela primeira vez – que só uma canção pode ser tanto, e que uma canção só pode ser tudo. 

Capa: Adriana Calcanhotto
Fotógrafo: Leonardo Aversa
Design: Bold_a Design Company
Direção de criação: Leo Eyer
Coordenação de design: Joana Petersen
Coordenação geral: Vivianne Jorás

Equipe show:
Direção e produção: Leonardo Neto
Produção executiva: Suely Aguiar
Assistente de produção: Yara Cavalcanti
Técnico de som P.A e Monitor: Daniel Carvalho
Roadie: Jorge Ribeiro
Catering: Roberta Sudbrack
Rádio de pilha tocado por Jorge Ribeiro

Equipe gravação
Unidade móvel: dB Áudio
Coordenação geral: Renato Guerra
Técnico de sistema: Alexandre Devitto
Gravado por Pedro Tambellini
Técnicos: Wilson Belamino e Rafael Quintanilha

Finalização
Mixado e finalizado por Daniel Carvalho no Estúdio Monoaural

Equipe Sony Music
Presidente: Alexandre Schiavo
Vice-presidente: Sergio Bittencourt
Direção comercial: Flavio Vilela
Supervisão de (A&R): Joselha Teles
Supervisão de artes: Sandro Mesquita

Faixas:
01 - O nome da cidade
02 - Três
03 - Inverno
04 - Para lá
05 - Sem saída

06 - Motivos reais banais
07 - Olhos de onda
08 - Me dê motivo
09 - Back to black
10 - Mais perfumado
11 - Maldito rádio
12 - Devolva-me
13 - E sendo amor
14 - Esquadros
15 - Canção de novela
16 - Cantada (Depois de ter você)
17 - Vambora
18 - Seu pensamento
19 - Metade
20 - Maresia



Loucura (2015)




Loucura, Adriana Calcanhotto canta Lupicínio Rodrigues
Gravado no dia 04 de dezembro de 2014 no Salão de Atos da UFRGS, dentro da programação do projeto UNIMÚSICA | SÉRIE COMPOSITORES - A CIDADE E A MÚSICA | UFRGS 80 anos

Adriana Calcanhotto direção artística
áudio produzido por Daniel Carvalho
Adriana Calcanhotto voz
Cézar Mendes violão
Dadi Carvalho violão
Jessé Sadoc trompete e flugelhorn
Alberto Continentino contrabaixo
Jorge Ribeiro Mesas, cadeiras, copos e vassoura

equipe show: 
Adriana Calcanhotto direção do show
Gabriela Gastal direção do DVD
Adriana Calcanhotto e Daniel Carvalho produção musical
Adriana Calcanhotto cenografia

Show
Elcio Rossini cenografia Unimúsica
Marga Ferreira iluminação
Mauricio Moura iluminação Unimúsica
Jorge Ribeiro direção de palco
Leo Aversa fotos
Fernanda Villa-Lobos e Victória Vic projeto gráfico
Roberta Sudbrack catering
Baby Marques maquiagem do show
Gabriela Figueira e assistente Carla Ashton maquiagem documentário e Cenário de Mangueira
Miguel Sisto e Duda Cardoso produção de arte
Daniel Carvalho técnico de som PA
Pedro Tambellini técnico de som monitor
Joanna Jourdan produção executiva

Leonardo Netto direção de produção

equipe de gravação de áudio:
gravado por Daniel Cavalho e Pedro Tambellini
mixado e masterizado por Daniel Carvalho no Estúdio Monoaural

Sony Music:
Paulo Junqueiro presidente
Sergio Bittencourt vice-presidente de A&R
Claudio Vargas vice-presidente de marketing
Flavio Vilela diretor comercial
Joselha Teles gerente de A&R
Sandro Mesquita supervisão de artes

Eu agradeço a Lupicínio Rodrigues Filho pela amizade, Elza Soares pela inspiração, Lígia Petrucci e Unimúsica pela parceria, Luciano Alabarse por tudo

Faixas:
01 - Homenagem
02 - Ela disse-me assim
03 - Loucura
04 - Castigo
05 - Vingança
06 - Cadeira vazia
07 - Quem há de dizer
08 - Nervos de aço
09 - Esses moços
10 - Volta
11 - Nunca
12 - Judiaria
13 - Felicidade
14 - Se acaso você chegasse
15 - Cevando o amargo
16 - Hino do Grêmio
17 - Cenário de Mangueira


Fonte: Site oficial da artista / Dicionário da MPB


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