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domingo, 5 de abril de 2015

A MAIS MÍNIMA HOMENAGEM A GERALDO AZEVEDO PELO SEUS 70 ANOS

Por Abílio Neto



Geraldo Azevedo beijando a saudosa cantora Cássia Eller


O título está escrito assim porque Geraldo Azevedo é um artista para o qual todos os elogios são mínimos, tal a grandeza do seu talento. Beiradeiro do São Francisco, mais precisamente da localidade de Jatobá, município de Petrolina/PE, nascido a 11/01/1945, conseguiu incorporar ao seu vasto e lindo repertório, o drama dos amores de beira de rio, aqueles que as águas levam e não trazem, assim como o “sabor colorido” da diversidade das frutas oriundas das terras irrigadas pelo Velho Chico, a exemplo da manga, xodó das exportações feitas a partir daquele riquíssimo vale.

Geraldo tem uma das mais belas vozes masculinas do Brasil e chegou inteiraço aos 70 anos. A sua música é riquíssima e dosada não somente de “tempero do forró”, mas de sotaque latino, dialeto africano, samba bem ao estilo Bossa Nova (com dissonantes e tudo) e xotes daquele tipo que acaba casamento, além das canções que inebriam a alma do ouvinte. Quando ouço “Berekekê”, viajo ao Amazonas e sinto realmente que “quem inventou o amor teve certamente inclinações musicais”. Ouvir Geraldo faz parte do “princípio do prazer” aquele que diz: “fundamental é ser feliz”.

Os seus parceiros da música, geralmente letristas, estão entre os maiores nomes da nossa MPB: Fausto Nilo, Capinan, Geraldo Vandré, Carlos Fernando, Renato Rocha e o xará Geraldo Amaral para ficar somente nestes. No frevo de Carlos Fernando “Cara Caruaru”, há um trecho que diz: “Da Rua do Lixo sem luxo/ Do luxo careta/ Que invade a cidade sangrando o meu coração/ Rendeiras do Cedro são noivas da roça agrestina/Segura essa rima, menina bonita lá do Vassoural”. Eu conheci a Rua do Lixo em Caruaru. É por isso que essa letra é muito real para mim.

Como instrumentista, Geraldo Azevedo é um dos melhores violonistas do Brasil. Por que não reconhecem isso os nossos abnegados críticos especializados? Mas a despeito desta lacuna, de vez em quando, vem um grande músico e valoriza essa sua outra arte que retira do som das cordas. Está aí Robertinho do Recife para não me desmentir. É só o ouvir o instrumental de “Bicho de 7 Cabeças” que todas as possíveis dúvidas serão dissipadas.

Não sei se por ter trabalhado com Geraldo Vandré em 1968 ou por conviver com Carlos Fernando, que tinha um irmão que era comunista de carteirinha, Geraldo Azevedo foi severamente torturado após duas prisões: a primeira ainda no governo de Costa e Silva e a segunda no governo de Geisel. Numa delas, teve a infelicidade de testemunhar de forma auditiva um preso político ser torturado até a morte. Mas hoje ele conta isso sem mágoas ou ressentimentos como fez numa das entrevistas que concedeu a Jô Soares, facilmente encontrada no YouTube. Não requereu indenizações, como fizeram alguns que nem sequer foram presos, nem faz pose de vítima. “Canção da Despedida”, única música que fez com Vandré, escrita no final de 1968, pode ser entendida como uma canção de protesto, porém vestida também com muito amor. Foi gravada originalmente por Elba Ramalho em 1983, após cair o veto da Censura já nos estertores da ditadura fardada que tanto incomodou os artistas e o povo brasileiro.

Quando o cantor Amado Batista revelou em entrevista concedida a Marília Gabriela, que mereceu a tortura, e o que sofreu quando esteve preso foi como um castigo de criança dado pela mãe, Geraldo Azevedo não se calou e disse numa entrevista: “Ele deve ter tido um pai e mãe muito ruins porque meus pais nunca fizeram o que os militares fizeram comigo na ditadura. Eles [os militares] são covardes. E essa declaração de Amado Batista, com todo respeito que tenho a ele enquanto artista, foi muito infeliz.”

É engraçado até (tentando trazer o texto para sua leveza inicial) observar como os fãs de Geraldo Azevedo se dividem por categorias de pessoas atraídas por uma paixão que brota do “charme das canções”. Há o pessoal do “dia branco”; da “barcarola do São Francisco”; do “sabor colorido”; do “coração do agreste”; do “cadê meu carnaval”; do “cravo vermelho”; aqueles da “caravana”; os que imitam o cantor e põem no filho o nome de um de seus filhos, “Lucas” (que é o meu caso), música que ficou célebre também na voz de Amelinha. Não se pode ignorar os “juritis e borboletas” que são muitos; o pessoal da sofrência que, pondo a mão no rosto, chora e indaga “você se lembra?” É impossível esquecer os passageiros do “táxi lunar” porque esses são os que mais “viajam”! Não vejo esse fenômeno acontecer com outros artistas. Nos shows, todos se unem, se abraçam “chorando e cantando”, pensando que estão no “sétimo céu”, pisando no “jardim do éden” à espera do próximo “rasgo de lua”.

Selecionei quatro músicas para tocar aqui, mas duas foram expulsas pelo site Soundcloud. Alega direito de terceiros. Eu não as liberei para downloads. É chato ser impedido de fazer a divulgação de músicas. Isso nada tem a ver com pirataria. Vi no fato a oportunidade de divulgar a famosa “Berekekê” com Carine Corrêa, pianista e cantora mineira, dona de voz grave e agradável. Espero que gostem das duas gravadas por Geraldo que não foram cortadas. O samba “Cadê Meu Carnaval” pode ser encontrado no YouTube. O vídeo com Geraldo, ao vivo, nos mostra uma cidade fria no que concerne aos aplausos, mas ele (como todo artista) tem que ir aonde o povo está. Será que foi em São Paulo? De qualquer maneira, ele conseguiu arrancar emoção pelo menos de uma pessoa: aquela moça que está próxima do palco, põe a mão no rosto e chora ao som de “Você se Lembra?” É para essa fã anônima e Geraldo que dedico esta crônica.

Contra as neuroses urbanas, “hoje amanhã” e sempre, não há remédio melhor do que o canto (às vezes brejeiro, às vezes urbano) do grande Geraldo Azevedo, que apesar da fama, permanece simples como as águas do rio que o banhou. Salve São Francisco!

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