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domingo, 7 de dezembro de 2014

O PODER DAS ONDAS: AS RAINHAS DO RÁDIO - PARTE 02

Por Wagner Tadeu Pietropoli Morais e Luiz Eduardo Alves de Siqueira

Resumo: A introdução da radiodifusão no Brasil, em 1922, revelou, progressivamente, o grande poder do rádio. Uma de suas expressões foram os concursos de Rainha do Rádio, realizados entre 1936 e 1958, estimularam o consumo de revistas, discos, bem como pela formação dos chamados fã-clubes. Seu declínio coincide com a própria urbanização e industrialização do Brasil, com a progressiva perda do prestígio da radiodifusão como divulgadora exclusiva dos sucessos musicais.

Palavras-chave: radiodifusão, indústria cultural, música.


3. Sua Majestade, a Rainha do Rádio
A primeira Rainha do Rádio foi indicada por um colégio eleitoral formado por diretores e representantes da direção das emissoras presentes ao baile pré-carnavalesco, na noite de 18 de fevereiro de 1936, Linda Batista  (1919-1988) recebeu o cetro e coroa do que seria o mais longo reinado do rádio. Somente doze anos após, o concurso teria uma nova feição. E uma finalidade beneficente. 

A sucessão ficaria em família, com Dircinha Batista  (1922-1999), sua irmã, sendo empossada em 1948. 

Já a eleição do ano seguinte seria bem menos tranqüila, pois envolveu Emilinha Borba (1923-2005) que já era a chamada Favorita da Marinha e com cinco anos dedicados à Nacional. Além disso, Emilinha havia emplacado em 1947 o seu primeiro grande sucesso, a rumba “Escandalosa” tendo por concorrente a recém-chegada Marlene10 (1924), que partiu sem temor rumo a disputa da Coroa de Rainha do Rádio. 

A massa extravasava seu delírio pelos fãs-clubes. Homens e principalmente mulheres, de aparência desleixada e pobre, acotovelavam-se nos corredores da Nacional e nos diversos teatros das cidades. A histeria era tanta que o jornalista Nestor de Holanda cunhou a expressão “macacas de auditório” – o que atingiu, é verdade que de forma preconceituosa, especialmente o contingente negro dessas formações. Mas, no fundo, o fenômeno trazia uma 

carga espontânea, sincera: a ansiosa necessidade de fruição do sucesso e de participação na glória artística, mesmo efêmera. 

A votação se fazia por meio de cupons a serem recortados das revistas especializadas – como Radiolândia e, especialmente a Revista do Rádio. O resultado deixou surpreendido o mais ortodoxo ouvinte, pois o fã-clube de Marlene foi mais eficiente e elegeu a paulista, a Rainha do Rádio de 1949 e 1950. O título possibilitou que a estrela ganhasse um programa próprio na Rádio Nacional. Nesse ínterim, a disputa entre os dois grandes fãs-clubes (Marlene versus Emilinha) continuava acesa. Essa rivalidade, criada muito mais pelas gravadoras de discos, não atingia, ao que parece, as duas cantoras, em âmbito pessoal. 

Ficavam muito mais para estimular o consumo de seus fãs e a sua própria alienação. 

Na seqüência foram eleitas Dalva de Oliveira (1917-1972) em 1951, Mary Gonçalves (1927) em 1952, Emilinha Borba (1923-2005) em 1953, Ângela Maria (1928) em 1954, a portuguesa Vera Lucia em 1955, Doris Monteiro (1934)14 em 1956 e Julie Joy em 1958. 


4. Declínio 

A concretização dos conceitos modernos de manipulação publicitária de um ídolo dos auditórios chegou ao seu apogeu com Cauby Peixoto ao longo da década de 1950. Seu empresário, Di Veras, foi o baluarte dessa técnica, que consistia em seduzir as fãs, chegando a pagá-las para gritar, desmaiar e arrancar as roupas do ídolo, em suas passagens. 

Aliás, a transição para a década de 1950 trouxera muitas novidades, nem todas cercadas de aprovação unânime, apesar do sucesso. 

O centro das atenções musicais passava a ser ocupado pelo brasileiro cosmopolita, urbano, industrializado, pronto a gozar das delícias do litoral à beira do asfalto. A maior tradução desse novo personagem foi o cantor Dick Farney (1921-1987)16, transformado pela Nacional em novo ídolo, cantando “Copacabana”.

Existem praias tão lindas, cheias de luz 
Nenhuma tem o encanto que tu possuis 
Tuas areias 
Teu céu tão lindo 
Tuas sereias sempre sorrindo 
Copacabana princesinha do mar 
Pelas manhãs tu és a vida a cantar 
E a tardinha ao sol poente 
Deixa sempre uma saudade 
Na gente 
Copacabana o mar etermo cantor 
Ao te beijar ficou perdido de amor 
E hoje vive a murmurar 
Só a ti Copacabana

A nascente industrialização do Brasil gerava novos espaços urbanos destinados ao lazer das classes em ascensão, já então a influência da Nacional na canção brasileira não se limitava ao que era produzido em seus estúdios ou no palco-auditório. Também ali estava o celeiro de novas idéias e sons, de talentos capazes de saciar a fome de sucesso da demanda de um mercado interno exigente. Na Praça Mauá, n. 7 havia um elenco à disposição, uma constelação em que brilhavam astros e rainhas do rádio. 

A essa altura, o cast da Nacional podia resistir até mesmo à perda do Rei da Voz (Francisco Alves), tragicamente desaparecido em desastre rodoviário em 1952. O patrocinador e a emissora se incumbiram de manter viva a memória desse cantor pela continuidade de seu programa (domingos, 12h). Na primeira transmissão sem a voz de Francisco Alves, Linda Batista interpreta emocionada a canção feita por Antonio Nássara e Wilson Batista, intitulada “Chico Viola”. 

Chora Estácio, 
Salgueiro e Mangueira, 
Todo o Brasil emudeceu, 
Chora o mundo inteiro, 
O Chico Viola morreu. 
Chora Estácio, 
Salgueiro e Mangueira, 
Todo o Brasil emudeceu, 
Chora o mundo inteiro, 
O Chico Viola morreu. 
Na voz do seu plangente violão, 
Ele deixou, seu coração, 
Partiu, disse adeus, foi pro céu, 
Foi fazer, foi fazer, 
Companhia a Noél. 
Na voz do seu plangente violão, 
Ele deixou, seu coração, 
Partiu, disse adeus, foi pro céu, 
Foi fazer, foi fazer, 
Companhia a Noel...

Mas ali estavam outros astros e estrelas de primeira grandeza. O rádio assumia a tarefa de estimular a produção carnavalesca, secundando pelos musicais da Atlântida, já que a urbanização crescente e as limitações da guerra estavam acabando com as “batalhas de confete”, os corsos e outras manifestações populares. 

Em 31 de janeiro de 1951, voltava ao palácio do Catete um antigo ocupante, agora trazido pelos voto do povo: Getúlio Vargas. 

Nem sempre a realidade social e política inspiravam os compositores carnavalescos. 

Mesmo assim, a produção musical do começo da década de 1950 já comportava o lirismo crítico da sociedade. Atento às modificações e influências sofridas pela nossa canção, os responsáveis providenciaram uma nova subdivisão para o Departamento Musical da Nacional, surgindo então o Departamento de Canção Brasileira, uma das atrações do então recém-criado Departamento foi o programa Cancioneiro Royal. Era a Nacional acompanhando os tempos e decretando praticamente a sua condição de veículo de comunicação subalterno. 

Curiosamente, a primeira tentativa de transmissões de imagens por televisão no Brasil, foi feita na Nacional, numa noite de 1950, antes mesmo da inauguração da TV Difusora de São Paulo, empresa dos Diários Associados de Assis Chateaubriand. No ano seguinte surgia a primeira emissora carioca, a TV Tupi, também dos Diários Associados. 

O poderio das empresas presididas por Assis Chateaubriand foi reforçado com a expansão da rede de televisão, que logo chegara a dezoito canais em todo o país, completando o império de comunicação formado por quarenta e três jornais, trinta e seis emissoras de rádio, uma agência de notícias, a revista semanal O Cruzeiro, dez revistas infantis e uma editora, além de laboratórios farmacêuticos e investimentos agropecuários. 

A atração do novo veículo preocupava e rondava a sede da Nacional, no prédio de A Noite. Para Saroldi e Moreira: 

Enquanto alguns artistas e administradores se deslumbravam com a expectativa do novo veículo, os verdadeiros homens de rádio se preocupavam com o futuro impacto da telinha sobre o microfone, a quem tanto deviam. Algumas perguntas rondavam as conversas de bares ou os travesseiros dos produtores enquanto o sono não vinha: que problemas traria a vulgarização da TV entre as donas de casa, fiéis consumidoras de radionovelas? E até quando os patrocinadores continuariam a investir no rádio os anúncios que chegavam a 24% do volume total das verbas publicitárias? Sem recursos para manter elencos estáveis, como fazer um rádio criativo e atraente

Ao lado disso, a competição entre os canais de TV (principalmente entre a Difusora de São Paulo e a Tupi do Rio de Janeiro) ampliaria rapidamente a opção de programas para o público, acarretando a venda de televisores e revolucionando a mídia das agências de publicidade e dos anunciantes diretos. 

Tampouco estaria nas imediações da Nacional o principal vendedor de programas; depois de dezesseis anos dirigindo a Rádio Nacional, Victor Costa pediu exoneração e transferiu-se para São Paulo, em meio a uma das maiores crises políticas do Brasil e da própria Rádio Nacional.

Além de impor uma segunda derrota às pretensões presidenciais do brigadeiro Eduardo Gomes, sobrevivente da Revolta dos Tenentes em 1922, o trabalhismo de Vargas irritava o jornalista e líder da UDN (União Democrática Nacional) Carlos Lacerda, que iria combater o novo governo com o jornal Tribuna da Imprensa e as emissoras de rádio de empresas contrárias a Getúlio Vargas. 

Quanto ao rádio, Vargas conhecia melhor que ninguém a penetração da emissora que ele mesmo incorporara à União em 1940 e a cobiça despertada pelo posto de diretor-geral da Nacional. Desde 1938 Victor Costa era o diretor-geral da Nacional, e sabia que com o suicídio 
de Vargas seria acusado pela oposição de pôr os microfones da emissora a serviço do getulismo. Ele não seria perdoado por Lacerda e pelos militares que compunham a chamada República do Galeão, e assim pediu sua exoneração em caráter irrevogável, tendo elogiado a 
indicação de Heron Domingues para substituí-lo na Nacional. Mas os dias de glória da Nacional estavam contados, governos se sucederam, privatizações aconteceram e o brilho se apagou. 

No apagar das luzes do século XX e no limiar do século XXI, pode-se dizer que infelizmente a Era do Rádio perdeu lugar para o imediatismo dos acontecimentos e a sua direta proporcionalidade de divulgação para o mundo. O rádio chegava ao final dos anos 50 e início dos anos 60 consolidado em sua posição de meio de comunicação de massa, como elemento fundamental na formação de hábitos e costumes da sociedade brasileira, mas sua importância vinha sendo eclipsada pela televisão. 


BIBLIOGRAFIA
BEAKAUFFMANN. Página eletrônica de Beatriz Kauffmann. Disponível em www.beakauffman.com. Acesso em 10 mar.2007. 
DICIONÁRIO CRAVO ALBIN DA MÚSICA POPULAR BRASILEIRA. Disponível em: http://www.dicionariompb.com.br/verbete.asptabela=T_FORM_C&nome=R%E1dio+Nacional. Acesso em 10 set.2006. 
FERRARO, Alceu Ravanello. Analfabetismo e níveis de letramento no Brasil: o que dizem os 
censos. In: Revista Educação e Sociedade, vol. 23, n. 81, p. 21-47, dez. 2002
NOHARA, Irene Patrícia. Direito Administrativo. 3. ed. São Paulo: Atlas, 2006. 
NOSSO SÉCULO. São Paulo: Nova Cultural, 1985, vol. 7 (1945-1960, 1a parte). 
ROQUETTE-PINTO, Edgard. Depoimento in TAVARES, Reinaldo. Histórias que o rádio não contou. 2. ed. São Paulo: Harbra, 1998. 
SAROLDI, Luiz Carlos e MOREIRA, Sonia Virgínia. Rádio Nacional. O Brasil em sintonia. 3. ed. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 2005.

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