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terça-feira, 2 de dezembro de 2014

A PRÉ-HISTÓRIA DO SAMBA

Por Bernardo Alves



Neste texto que escreveu seis meses antes de morrer, Bernardo Alves expõe as principais idéias desenvolvidas em seu livro A Pré-História do Samba. O texto foi enviado por Bernardo Alves via e-mail a Fabio Gomes em 14 de fevereiro de 2004

No livro A PRÉ-HISTÓRIA DO SAMBA, defendemos dois pontos principais:

1º) O Samba não é de origem negra, mas brasilíndia.

2º) O Samba não é carioca, mas nordestino.

Como pode-se observar, seu tema é muito polêmico, apesar de não ser a polêmica seu objetivo, mas (sim) o esclarecimento e a elucidação. Para defender esses dois pontos, passamos vinte anos entre a pesquisa e a elaboração da tese, atualmente com 300 páginas.

Como não poderia deixar de ser, nos munimos de dezenas de documentos inéditos na musicologia brasileira, todos colhidos por nós em jornais do século XIX.

Todos os documentos são citados de acordo com a metodologia científica, isto é: título do periódico, data, página, coluna e arquivo ou biblioteca onde os mesmos se encontram.

Um desses documentos refere-se a uma pessoa que cantava e tocava o samba em 1837 no Recife (segundo a história, esse gênero nasceu no Rio em 1917). A verdade é que o samba no começo do século XIX, no Nordeste do Brasil, já era coisa muito antiga.

Em um dos 35 capítulos, intitulado ''Comparando os Sambas'', confrontamos um Samba de 1925 descrito por um famoso folclorista pernambucano, com descrições de danças indígenas feitas entre 1587 e 1618; encontramos no Samba de 1925 todos os elementos das danças indígenas nativas.

Na primeira metade do século passado, um maestro entrou pelos sertões selvagens nordestinos e colheu da boca dos caboclos, 77 músicas do folclore local, que lhes foram apresentadas por aqueles nativos como Sambas. A análise dos seus versos mostra que o assunto e o modelo são de fato indígenas, assim como do ponto de vista técnico musical, pois alguns desses Sambas trazem a idéia terminativa em terceira com as tônicas dos tons relativos, ou a terminação estereotipada da tônica, que, segundo o maestro Baptista Siqueira, é peculiaridade característica da música dos índios do Nordeste do Brasil.

Comparando o samba antigo com outros gêneros musicais e dançantes reconhecidamente de orígem brasilíndia, encontramos vários pontos em comum: os mesmos instrumentos, a mesma coreografia, o mesmo tipo de verso entre outras afinidades. Isso não ocorre por mera coincidência, isso indica a mesma origem. Segundo os jesuítas, os índios catequizados dançavam ao som de violas, pandeiros, tamborins e flautas. O bater de pés assimilou para um sapateado rápido que o escritor Mário Mello disse que era de fazer inveja a dançarinos de Solo Inglês.

Os índios Fulniôs têm em suas tradições mais antigas o ''SAMBA DE COCO'' e os Xocós o ''COCO SAMBADO''; são exímios sambistas. Na Língua Tupi ''Samba'' quer dizer ''Dança de Roda.''

O professor Silvio Salema, que pesquisou por mais de 30 anos a música dos índios brasileiros e era a favor da tese da origem indígena do Samba, ouviu no Recife em 1953 uma africana de 115 anos de idade cantar durante horas todo o seu repertório de músicas africanas que a mesma tinha aprendido com os seus antepassados. Em nenhuma das canções conseguiu Salema identificar elementos sambísticos.

Salema deduziu, segundo suas pesquisas, que etimologicamente a palavra ''Samba'' é genuinamente ameríndia e já existia no Brasil, muito antes da vinda do negro para a América. Quanto à música e à dança, ele também não tinha dúvida da sua origem indígena.

O livro A Pré-História do Samba esclarece ainda que a história da nossa música brasileira foi escrita por africanistas como Arthur Ramos, Manuel Quirino, Edson Carneiro, Renato Almeida, Renê Ribeiro, Manoel Diegues Jr., Abelardo Duarte, Rossini Tavares Lima, Mariza Lira, Vicente Salles, entre outros. Eles esqueceram da nossa pluralidade racial e conseqüentemente cultural, só tendo olhos para os aspectos negros.

Segundo o pesquizador zairense Kazadi Wa Mukuna, pouca coisa na música brasileira tem origem banta. Afirma ainda que os ''Conceitos foram alimentados com informações falsas, reinvindicando a posse de certas expressões culturais brasileiras cujas raizes não podem remontar à África.''

A história pode ser contada em outras palavras, em estilos diferentes, desde que não traia a verdade. A do Samba até hoje tem sido tendenciosa bairrista e atande a interesses. Muitas vezes uma versão diverge em aspectos fundamentais das outras. Poucos autores tiveram interesse realmente científico, longe do preconceito, da parcialidade, do narcisismo etc. Mas os piores são os que dão sustentação a ''Pontos Pacíficos'' já desmoralizados, porém indispensáveis para viabilizar a história oficial. Arriscam seus nomes e seu prestígio perante à verdadeira história para manter certas convenções, normas e praxes, que têm consciência que carecem de fundamentos. No Samba, existem diversos ''Pontos Pacíficos.''

A verdadeira história do Samba foi abafada e criada uma outra que nega seu passado, seu verdadeiro berço e suas raízes étnicas e antropológicas. Essa história, filha dos gabinetes, elegeu alguns mitos como ''Pelo Telefone'' o primeiro Samba. Donga seu autor. A casa de Tia Ciata seu berço. Tia Ciata a parteira (?). Sinhô, o rei de todos os Sambas. Embuste na história, para justificar o embuste no Samba.

Passam por Samba aquilo que durante algum tempo, ainda se chamava ''Batucada'' ou melhor, o que à época ninguém se atreveu chamar de Samba, por ter seu acompanhamento extremamente batucado, traindo assim suas raízes. O Samba antigo tem percussão muito discreta, nada de cuícas, nada de agogôs.

A Pré-História do Samba mostra que os ''primitivos'' (antigos compositores), mesmo os do Rio, a exemplo de Sinhô, nunca aceitaram como Samba isso que se convencionou chamar depois de Samba. Para Pixinguinha, o Samba só foi autêntico na fase anterior a ''Pelo Telefone'' ou seja, na fase sertaneja, tempo de Hilário Jovino. 


Curiosamente, exatamente quando dizem que ele começou a tomar formaé que começou a sua desfiguração. Visto que a mesma classe que o deturpou, foi a que contou a sua história, o que se conhece hoje como Samba não faz jus a esse nome.

Esta obra revela diversos documentos inéditos, publica partituras do século XIX onde consta Samba indicando o gênero. Foi elaborada em cima de muita pesquisa de campo e em documentos de primeira mão. Traz riquíssima bibliografia, baseia-se em relatos de viajantes e cronistas que estiveram nos primórdios, na África e no Brasil como Hans Staden, V.L. Cameron, Gaspar Barléus, Frei B. Cannectin, Hèli Chantelain, D. Loureto Couto, Claude D'Abbeville, Thomas Ewbank, F. Cardim, George Gardner, Frei Jaboatão, Henry Koster, Jean de Léry, Frei Martinho de Nantes,Pohl, Alferdo Sarmento, Antônio de Sepp, Gabriel Soares de Souza, André Thevet, L.T. Tollenare, Simão de Vasconcelos, entre outros.

O autor, admirador e leitor da obra do padre Jaime Diniz, musicólogo de renome universal, foi durante muito tempo seu fiel colaborador. 


Sobre o livro, lê-se no Jornal do Brasil de 13.01.1981: ''Trata-se de um trabalho científico tão sério, que um dos mais respeitados nomes do campo da pesquisa musical no Brasil, Padre Jaime Diniz, ex-professor do maestro Marlos Nobre e membro da Academia Brasileira de Música, depois do primeiro impacto, entusiasmou-se e abriu para Bernardo Alves seu valioso arquivo.''

Já no Jornal do Commercio (Recife) lê-se o seguinte :

''O livro prova que tudo que se disse até hoje sobre o Samba é mentira; traz provas contundentes e fatais de que o maior gênero musical brasileiro não vem dos negros, mas dos índios, não é carioca, mas nordestino, isto segundo fartura de documentos. Os medalhões da musicologia ao ouvirem falar da tese se levantarão contra ela, mas ao lerem o livro ficarão quietinhos. A Pré-História do Samba é um livro que vai mexer com as estruturas da música do Brasil.''

A obra se compõe de 35 capítulos, destacamos aqui alguns títulos : ''Doutrina Obcecante''; ''O Índio e a Música''; ''Influência Brasileira e Brasilíndia na África Negra''; ''Música e Dança Negra Vesus Samba''; ''Negro Elemento 'Estranho' ao Samba''; ''O Erotismo das Danças Negras''; ''Danças e Cantos Indígenas não eram Sensuais''; ''Samba, Como Formou-se o Equívoco'' ; ''A Palavra Samba'' ; ''As Palavras Samba''; ''A Palavra Samba Também no Tupi-Guarani'' ; ''Samba como Melodia''; ''Samba como Poesia'' ; ''Samba como Dança'' ; ''Instrumentos do Samba'' ; ''Complexo Cultural do Samba''; ''A Importância de Situar o Verdadeiro Samba'' ; ''De Como o Verdadeiro se Tornou Falso''; ''Deturpação'' ; ''Peculiaridades'' ; ''Certas Analogias'' ; ''Comparando os Sambas'' ; ''O Samba no Carnaval do Recife no Século XIX'' e ''Conclusão.''

A pesquisa começou em 1977; em 1981 o Jornal do Brasil lhe dedicou toda uma página. O livro foi lançado em 25/01/2002.

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