Em seu segundo projeto fonográfico solo a cantora e compositora paulista reverencia um dos nomes mais expressivos do samba e desmente Vinicius de Moraes
Por Bruno Negromonte
Em 1963, Vinicius de Moraes estava de passagem por São Paulo e aproveitou o ensejo para prestigiar aquele que por muitos é considerado o pai da Bossa Nova: Johnny Alf. Todos sabem que um espetáculo intimista requer silêncio e concentração, contexto que diferenciava-se e muito do existente naquela apresentação. Em dado momento o notório compositor irritado com a falta de respeito do público presente para com o amigo grita: “Johnny, vamos embora pro Rio, que São Paulo é o túmulo do samba!”. Pronto! Estava ali lançada a memorável frase que acabaria por estigmatizar a cidade até os dias atuais mesmo contando em seu "Casting" relevantes intérpretes e compositores do gênero como Carlinhos Vergueiro, Jair Rodrigues, Germano Mathias, Adoniran Barbosa, Eduardo Gudin, Paulo Vanzolini, Noite Ilustrada, Geraldo Filme. Além dessa condição a cidade possui redutos que, de modo singular, prezam pela genuinidade do mais popular gênero musical existente em nosso país como é o caso do popular samba da vela, que ocorre todas as segundas-feiras no bairro paulistano de Santo Amaro desde o ano de 2000 e que tem uma vela como cronômetro para o seu término. O evento, que é responsável por trazer à tona uma nova safra de cantores e compositores do universo do samba paulista, vem cumprindo um papel fundamental na cena cultural da cidade ao longo desta última década por apresentar em suas reuniões novos e promissores talentos como é o caso desta artista aqui em questão, que egressa desse reduto vem galgando com talento, simpatia e precisão o seu espaço a partir de canções autorais e vigorosas interpretações reiteradas, de modo irrepreensível, a partir dos seus projetos fonográficos como é caso deste tributo feito a Candeia, cantor e compositor que ganhou projeção e relevância no meio musical a partir dos anos de 1950 quando, aos 17 anos, compôs em parceria com Altair Prego, o samba-enredo "Seis Datas Magnas", campeão daquele ano.
Graça Braga parece que nasceu para o samba. Em cena, a aparente timidez logo dá vez ao seu seivoso canto como é possível perceber em suas apresentações. Compositora, a artista dessa vez preferiu dar vazão ao seu lado intérprete. Para isso foi muito feliz na escolha do homenageado e das pérolas compostas por ele. Egressa do samba da vela assim como do Berço de Samba de São Mateus, a artista traz a música e seu gene, pois vem de uma família de músicos em Pirajuí, cidade do interior paulista. Com tios que formavam um regional, a mãe tocando e cantando e uma tia porta-bandeira de escola de samba, nada mais natural que Graça enveredasse para o mesmo caminho ainda na adolescência sob forte influência de alguns dos maiores nomes da MPB assim como também do samba como é o caso deste que hoje é reverenciado em sua discografia. Candeia, que faleceu prematuramente aos 43 anos, deixou como legado uma escassa discografia diante da grandeza de sua poesia. Abrangente, Graça Braga pincelou da obra deste que é considerado um dos baluartes da Portela canções como "Me Alucina" (parceria com Wilson Moreira), "Cabocla Jurema" e "Era Quase Madrugada" (escrita em duo com Casquinha) todas gravadas por Candeia no disco "Luz da inspiração", de 1977. Do primeiro disco do portelense releituras das canções "Coisas Banais" (parceria do compositor com Paulinho da Viola), "Sorriso Antigo" (assinada a quatro mãos com Aldecy), "Paixão Segundo Eu" e "Dia de Graça" (que faz alusão ao seu nome da intérprete). O garimpo continua a partir de canções como "Acalentava" e "Brinde ao Cansaço" presentes no terceiro álbum de Candeia ("Samba de roda", de 1975); "De qualquer maneira" (única faixa presente do álbum "Seguinte...: Raiz", de 1971); "Criança Louca" (faixa que tem entre seus intérpretes Carlinhos Vergueiro que a gravou em 1988 em uma produção fonográfica organizada pela Funarte) e "Pintura sem arte" (registrada pelo autor no álbum "Axé", de 1978). O disco ainda conta com duas faixas do autor que foram gravadas pela saudosa Clara Nunes: "Último Bloco", gravada pela intérprete mineira em 1975 no álbum "Claridade" e "Minha Gente do Morro" registrada em 1979 no álbum "Esperança".
Sob a direção musical, arranjo e regência de Everson Pessoa, do grupo Quinteto em Branco e Preto, e produzido por Thiago Marques Luiz, "Dia de Graça - O samba de Candeia" conta com a participação de Leci Brandão em uma das faixas e Vitor Pessoa (também pertencente ao quinteto já mencionado) traz em sua tessitura nomes como Sandoval Luzia (cavaquinhos), Vítor Pessoa (surdo), Jorge Neguinho e Gerson da Banda (nas percussões) e Edu Batata, Markinhos Moura, Andrezza Santos no coro. Nas palmas e ambientação o disco conta com a participação do produtor, da intérprete e do diretor musical. Aliás Everson Pessoa também é responsável pela execução de boa parte dos instrumentos de cordas: violões (6 e 7 cordas), bandolim, violinha, contrabaixo e cavaco, dando a este projeto da Lua Music os adornos precisos.
Artista completa, Graça transita de modo seguro e sem nenhum tipo de estorvo entre a interpretação e a composição, mostrando-se de modo incontestável como um das mais expressivos expoentes do samba paulista contemporâneo. A artista faz jus ao nome que recebeu trazendo consigo a graça e a alegria em suas atuações, características inerente ao gênero que abraçou. De modo singular seu vigoroso canto inebria ao mostra-se embevecido daquilo que a canção sugere. mas sem nunca perder a emoção. Ora esfuziante, ora emotiva, não importa. A artista faz-se porta-voz daquilo que a música quer transmitir. Essa é sem dúvida a sensação daqueles que tem a oportunidade de conhecer um pouco do trabalho desta cantora que chega com talento e precisão para engrossar o cordão daqueles que são capazes de provar por A +B que a afirmação do saudoso poetinha fez nos idos anos da década de 1960 foi extremamente equivocada. Graça chega para contribuir de modo bastante relevante para a correção deste que é um dos grandes equívocos existentes dentro da nossa música popular. E faz isso de modo muito bem feito.
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