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quinta-feira, 14 de agosto de 2014

NELSON SARGENTO: 90 ANOS DE UM SAMBISTA DE ALTA PATENTE

Presidente de honra da Mangueira, Nelson Sargento completou nove décadas de vida em plena atividade ao longo do mês de julho

Por Marília Arrigoni

A experiência, a visão crítica, a alta patente no samba e muito talento incumbiram a Nelson Sargento a autoria da música “Agoniza, mas não morre”, considerada hino dos sambistas. Mas os seus 90 anos dão mais que um samba. A trajetória na música, na literatura e nas artes são suficientes para vários carnavais. O bamba da Mangueira completou suas nove décadas no dia 25 de julho. 

No vídeo abaixo, assista à entrevista exclusiva de Nelson Sargento para a apresentadora Luciana Barreto, da TV Brasil:




Poderia ser uma roda de samba, mas são tantas curiosidades e atividades, que as Rádios EBC decidiram fazer um bate-papo entre Sargento e os apresentadores Adelzon Alves, do programa Adelzon, o amigo da madrugada; Rubem Confete, do Ponto do Samba; Amaury Santos, que comanda o microfone no Sintonia Rio; e Tiago Alves, do programa Armazém Cultural, da Rádio MEC AM Rio. Todos eles, intimamente ligados ao mundo do samba, conduziram uma conversa cheia de histórias, críticas e curiosidades com Nelson Sargento.

História e influência

Nascido na Praça XV do Rio de Janeiro, em 1924, e registrado como Nelson Mattos, “com dois tês”, como gosta de frisar, Sargento morou no Morro do Salgueiro até os 12 anos, quando se mudou com a mãe para a Mangueira. Lá, ele foi levado para o samba por seu padastro, Alfredo Português. Ao lado de Alfredo e Jamelão, Nelson compôs o clássico “Cântico a Natureza” - seu primeiro sucesso e samba-enredo mangueirense de 1955. Pintor por profissão, Português ensinou o ofício a Sargento, mas as paredes para pintar não atraíam o jovem Nelson, que procurou o Exército para ter uma ocupação e garantir respeito na família. Atuou como militar de 1945 a 1949, e levou o apelido para o resto da vida.

Navegue pelo infográfico abaixo e assista a vídeos que relatam o legado de Nelson Sargento:



“No espetáculo ‘Rosas de Ouro’ [do produtor Hermínio Bello de Carvalho], eu já tinha saído do Exército, e o que sabia era pintar parede e fazer samba. Entre a turma toda, já era conhecido como Sargento. E no livreto do espetáculo tinha minha foto e a descrição ‘Nelson Sargento’, daí ficou”, conta o sambista.

Em resumo, Nelson Sargento milita pelo samba desde os anos 1950, quando o gênero era marginalizado. “O rádio tocava samba. Mas era o cara do rádio que ia até o morro pegar o samba. Tinha vários locais do Rio que o pessoal do rádio ia para pegar a matéria prima”, lembra o comunicador Adelzon Alves.

Rubem Confete também recorda o início de Nelson, de quem é amigo desde os anos 1960. “Foi uma trajetória muito difícil. O samba não era o que é hoje, era complicado. O Nelson foi persistente. Foi aquela formiguinha trabalhando dia a dia, e hoje é o presidente de honra da Mangueira - e com muita honra”, destaca Rubem, também verde-e-rosa.

Os dias de luta renderam músicas, cerca de 30 discos, reconhecimento até no Japão – onde gravou álbuns e tem uma legião de fãs – e shows antológicos, além de parceiros ilustres como Cartola, Carlos Marreta, Carlos Cachaça, Zé Keti, Paulinho da Viola e tantos outros. Junto de Viola, Keti e grandes músicos integrou os grupos “A Voz do Morro” e “Os Cinco Crioulos”. Também apresentou musicais ao lado de Clementina de Jesus, Nora Ney e Cyro Monteiro. Elizeth Cardoso e Beth Carvalho estão entre os muitos intérpretes das músicas de Nelson Sargento.

Mais que um sambista

O sambista foi além da música e chegou às artes plásticas e à literatura. Com seus quadros realizou exposições pelo Brasil e também conquistou colecionadores. Enquanto escritor, lançou livros de poemas, de contos e de pensamentos. Até atuar em filmes, Nelson o fez com maestria. “Depois que filmei um curta metragem do Estevão Ciavatta, a Fernanda Montenegro me perguntou: ‘Você sabia que era ator?’ Imagina só!”, lembra Nelson.

"Agoniza mas não morre"

Sobre "Agoniza mas não morre", há diversas interpretações para os versos da canção, que Adelzon e Confete classificam como de protesto e com uma filosofia em defesa do samba e da cultura negra.

“Eu pensei o seguinte, desde que o samba se tornou profissional mesmo, você tem shows de samba rock, samba pop que empregam grande dinheiro, mas o samba em si não recebe dinheiro suficiente para fazer um grande espetáculo. Agora eu tenho medo de que quando o samba receber um dinheiro muito grande, ele suma. Então deixa como ele está”, explicou Sargento.

Constam também nos versos “mudaram toda a sua estrutura, te impuseram outra cultura, e você nem percebeu” uma crítica ao tempo limitado nos desfiles das escolas de samba. “A escola tem que passar cinco mil pessoas em uma hora. Então o samba ficou rápido para botar todo mundo para andar”, disse o sambista, refletindo que o seu clássico “Cântico à natureza” teria que ter outra melodia para sair na avenida.

“O progresso é destruidor. Tem uma coisa: ou você despreza o progresso ou se adapta para poder viver. Aconteceu muita mudança, A feijoada no samba foi banida. A caipirinha foi banida. É uma mudança de estrutura. Felizmente, a feijoada e a caipirinha voltaram para as escolas”, reflete, bem-humorado.

Questionado por Tiago Alves sobre o que seria necessário para um compositor tê-lo como parceiro em um samba enredo da Mangueira, Sargento é categórico: “As escolas de samba não podem abrir a porta para qualquer um fazer samba. Quem quiser fazer samba, tem que estar vinculado à escola”, enfatiza.

Engana-se quem pensa que as nove décadas de vida tiraram a energia de Nelson. Até o fim de 2014, ele pretende lançar um livro com pensamentos tirados de sambas. “Estou recolhendo esses pensamentos. Olha esse que bonito: ‘A saudade é um punhal cravado no fundo do peito de quem ama’”, cita.

Pelos 90 anos, ele deve fazer em agosto um show na Academia Brasileira de Letras, que pretende homenageá-lo. Já para 2015, será tema da escola de samba Inocentes de Belford Roxo. “Se não subir, que ela caia!”, sentencia.


Edição: Ana Elisa Santana

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