Presidente de honra da Mangueira, Nelson Sargento completou nove décadas de vida em plena atividade ao longo do mês de julho
Por Marília Arrigoni
A experiência, a visão crítica, a alta patente no samba e muito talento incumbiram a Nelson Sargento a autoria da música “Agoniza, mas não morre”, considerada hino dos sambistas. Mas os seus 90 anos dão mais que um samba. A trajetória na música, na literatura e nas artes são suficientes para vários carnavais. O bamba da Mangueira completou suas nove décadas no dia 25 de julho.
No vídeo abaixo, assista à entrevista exclusiva de Nelson Sargento para a apresentadora Luciana Barreto, da TV Brasil:
História e influência
Nascido na Praça XV do Rio de Janeiro, em 1924, e registrado como Nelson Mattos, “com dois tês”, como gosta de frisar, Sargento morou no Morro do Salgueiro até os 12 anos, quando se mudou com a mãe para a Mangueira. Lá, ele foi levado para o samba por seu padastro, Alfredo Português. Ao lado de Alfredo e Jamelão, Nelson compôs o clássico “Cântico a Natureza” - seu primeiro sucesso e samba-enredo mangueirense de 1955. Pintor por profissão, Português ensinou o ofício a Sargento, mas as paredes para pintar não atraíam o jovem Nelson, que procurou o Exército para ter uma ocupação e garantir respeito na família. Atuou como militar de 1945 a 1949, e levou o apelido para o resto da vida.
Navegue pelo infográfico abaixo e assista a vídeos que relatam o legado de Nelson Sargento:
“No espetáculo ‘Rosas de Ouro’ [do produtor Hermínio Bello de Carvalho], eu já tinha saído do Exército, e o que sabia era pintar parede e fazer samba. Entre a turma toda, já era conhecido como Sargento. E no livreto do espetáculo tinha minha foto e a descrição ‘Nelson Sargento’, daí ficou”, conta o sambista.
Em resumo, Nelson Sargento milita pelo samba desde os anos 1950, quando o gênero era marginalizado. “O rádio tocava samba. Mas era o cara do rádio que ia até o morro pegar o samba. Tinha vários locais do Rio que o pessoal do rádio ia para pegar a matéria prima”, lembra o comunicador Adelzon Alves.
Rubem Confete também recorda o início de Nelson, de quem é amigo desde os anos 1960. “Foi uma trajetória muito difícil. O samba não era o que é hoje, era complicado. O Nelson foi persistente. Foi aquela formiguinha trabalhando dia a dia, e hoje é o presidente de honra da Mangueira - e com muita honra”, destaca Rubem, também verde-e-rosa.
Os dias de luta renderam músicas, cerca de 30 discos, reconhecimento até no Japão – onde gravou álbuns e tem uma legião de fãs – e shows antológicos, além de parceiros ilustres como Cartola, Carlos Marreta, Carlos Cachaça, Zé Keti, Paulinho da Viola e tantos outros. Junto de Viola, Keti e grandes músicos integrou os grupos “A Voz do Morro” e “Os Cinco Crioulos”. Também apresentou musicais ao lado de Clementina de Jesus, Nora Ney e Cyro Monteiro. Elizeth Cardoso e Beth Carvalho estão entre os muitos intérpretes das músicas de Nelson Sargento.
Mais que um sambista
O sambista foi além da música e chegou às artes plásticas e à literatura. Com seus quadros realizou exposições pelo Brasil e também conquistou colecionadores. Enquanto escritor, lançou livros de poemas, de contos e de pensamentos. Até atuar em filmes, Nelson o fez com maestria. “Depois que filmei um curta metragem do Estevão Ciavatta, a Fernanda Montenegro me perguntou: ‘Você sabia que era ator?’ Imagina só!”, lembra Nelson.
"Agoniza mas não morre"
Sobre "Agoniza mas não morre", há diversas interpretações para os versos da canção, que Adelzon e Confete classificam como de protesto e com uma filosofia em defesa do samba e da cultura negra.
“Eu pensei o seguinte, desde que o samba se tornou profissional mesmo, você tem shows de samba rock, samba pop que empregam grande dinheiro, mas o samba em si não recebe dinheiro suficiente para fazer um grande espetáculo. Agora eu tenho medo de que quando o samba receber um dinheiro muito grande, ele suma. Então deixa como ele está”, explicou Sargento.
Constam também nos versos “mudaram toda a sua estrutura, te impuseram outra cultura, e você nem percebeu” uma crítica ao tempo limitado nos desfiles das escolas de samba. “A escola tem que passar cinco mil pessoas em uma hora. Então o samba ficou rápido para botar todo mundo para andar”, disse o sambista, refletindo que o seu clássico “Cântico à natureza” teria que ter outra melodia para sair na avenida.
“O progresso é destruidor. Tem uma coisa: ou você despreza o progresso ou se adapta para poder viver. Aconteceu muita mudança, A feijoada no samba foi banida. A caipirinha foi banida. É uma mudança de estrutura. Felizmente, a feijoada e a caipirinha voltaram para as escolas”, reflete, bem-humorado.
Questionado por Tiago Alves sobre o que seria necessário para um compositor tê-lo como parceiro em um samba enredo da Mangueira, Sargento é categórico: “As escolas de samba não podem abrir a porta para qualquer um fazer samba. Quem quiser fazer samba, tem que estar vinculado à escola”, enfatiza.
Engana-se quem pensa que as nove décadas de vida tiraram a energia de Nelson. Até o fim de 2014, ele pretende lançar um livro com pensamentos tirados de sambas. “Estou recolhendo esses pensamentos. Olha esse que bonito: ‘A saudade é um punhal cravado no fundo do peito de quem ama’”, cita.
Pelos 90 anos, ele deve fazer em agosto um show na Academia Brasileira de Letras, que pretende homenageá-lo. Já para 2015, será tema da escola de samba Inocentes de Belford Roxo. “Se não subir, que ela caia!”, sentencia.
Edição: Ana Elisa Santana
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