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segunda-feira, 7 de julho de 2014

MÚSICA, ÍDOLOS E PODER (DO VINIL AO DOWNLOAD) - PARTE 54



CAPÍTULO 54 

Certamente angustiado por não antecipar algum projeto ao qual me dedicar em seguida, os sonhos resolveram se intrometer durante as noites seguintes. E um deles me dizia claramente: “Olha, Midani... Essa coisa de música acabou. Chega! Você tem que virar as costas ao passado... Deve encarar, mais uma vez, a possibilidade de um futuro desconhecido... Quem sabe poderá ser rico em experiência? Esse futuro está escondido atrás das tantas portas fechadas que o destino sempre oferece nos momentos de grandes mudanças de vida... Agora tome cuidado. Você só tem o direito de abrir uma delas, às cegas. E dali, você já sabe, deve aceitar as consequências... E lembre-se de que o destino se irrita quando a gente abre uma porta e diz: ‘Não gostei do que eu vi... Quero abrir uma outra porta...’

Porque eles, o destino e a vida, querem que se tenha plena confiança em sua eterna sabedoria — para o bem ou para o mal.” 

Era um conselho que me soava familiar. Eu já tinha aberto tantas vezes essas portas, com toda a confiança e sem contestar o destino... Havia rompido com minha mãe, rompido com meu pai, rompido com a confeitaria, com a França... E, então, mais uma vez, fui me encontrar com as tais portas do destino. Abri uma delas... E me deparei com o que me pareceu ser o episódio nº 4 de “Missão impossível”: o livro. 

Durante os dias seguintes, em casa, sentei diante do computador, no escritório que dá de frente para a mata Atlântica, e comecei, recomecei e rerecomecei a dar início a essa “Missão impossível 4”: escrever histórias que eu tinha presenciado no curso da minha existência. Nesse exercício, descobri o quanto a memória é traiçoeira para quem não manteve um “diário de bordo” através dos anos... Eu andava tão ocupado em viver plenamente a minha vida, tão ávido por ser aceito pelo Brasil, tão ansioso para acertar em meu papel de marido, de pai e de executivo que, na realidade, não tinha percebido que estava participando de momentos importantes ou históricos da música. 

O meu hobby era trabalhar, somente trabalhar, exercendo meu ofício, concentrado, obcecado e frequentemente isolado. O susto que eu tinha levado ao chegar à praça Mauá certamente tinha me deixado feridas que não se apagaram, apesar de todas as provas em contrário com que o destino me brindava com infinita generosidade. Claro, eu também amei, desamei, fui amado, fui corneado, e foi por isso mesmo que o trabalho se tornou meu mais fiel companheiro nessa jornada que, finalmente, só tinha um objetivo: fugir do espectro do fracasso que teria sido minha vida se a praça Mauá não tivesse dado certo. Esse medo estúpido alimentava minha neurose e eu buscava constantemente símbolos para conservá-la viva. 

Havia, há muitos anos, na cidade de Salvador, no caminho para o aeroporto, um casarão em ruínas, que virou o símbolo dessa minha mania. Todas as vezes que eu passava pelo casarão, ao voltar para o Rio, pensava: “Se as coisas não derem certo, vou acabar velho, perdido, morando num casarão desse tipo, sem dinheiro e sem amigos...” 

O casarão não existe mais. Foi destruído. E deu lugar a uma nova construção. O meu medo deu lugar a uma tranquilidade recém-adquirida, que me tornou possível escrever alguns episódios da minha vida. 

P.S. 1: Gilda comprou dois pastores belgas brancos, de três meses, que ela chamou de “Disco” e “Fita”. O macho é todo compenetrado. A fêmea, toda faceira. Teremos proximamente uma ninhada e os filhotes terão os nomes de “MP3”, “Download”, “Pen Drive”etc. 

P.S. 2: E agora vocês vão me desculpar; acabei de lançar o livro, tenho que ir. Pois o destino me chama, de novo, para eu dar uma olhada em outras portas fechadas que ele e a vida querem me apresentar...Vou ter que escolher uma, abrir, confiar... E seguir vivendo — se Deus quiser! — bem bonito...

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