Após um hiato de quase duas décadas o professor Eduardo Fleury Mortimer volta a cena musical em "Trip Lunar", projeto que marca o seu reencontro com antigos parceiros e artistas da nova cena musical mineira
Por Bruno Negromonte
Em 25 anos de carreira Duzão Mortimer lançou apenas três álbuns. Os dois primeiros com a banda O Grande Ah! nas décadas de 1980 e 1990 e agora este cujo o título é "Trip Lunar". Sua escassa discografia apresenta números irrelevantes se levarmos em consideração a produção acadêmica do professor Mortimer como tivemos a oportunidade de apresentar aqui mesmo no Musicaria Brasil ao longo do último mês de junho a partir da pauta O TALENTO QUE SOBREPUJOU A DESPRETENSIOSIDADE. Hoje Duzão Mortimer volta ao nosso espaço para este bate-papo exclusivo onde fala sobre a sua carreira como como docente, o porquê desses longos hiatos em sua discografia e também como tem sido a receptividade do público em relação a "Trip Lunar", este que é o seu primeiro projeto solo em mais de 25 anos de carreira entre outros assuntos que vocês podem conferir logo abaixo. Boa leitura a todos!
Dentre suas lembranças qual é a reminiscência mais antiga do seu envolvimento com a música? Houve alguma influência para que você que você viesse a tornar-se músico?
Duzão Mortimer - Olha, eu penso que o envolvimento com a música quase sempre vem do ambiente em que você vive, particularmente o familiar. A minha mãe tocava piano e eu herdei o piano que ela havia ganho como presente de casamento. Quando eu tinha 8 anos, minha mãe comprou um violão e começou a aprender. Assim que ela aprendeu algumas canções, começou a ensinar, primeiro para as minhas 2 irmãs mais velhas. Logo chegou a minha vez de aprender. Mas curiosamente eu sou canhoto e só havia um violão na nossa casa. Então, resolvi tentar assim mesmo, com o violão destro. Tive uma enorme dificuldade para aprender. Minha mãe me mandava para o quarto, fechar bem a porta, ninguém tinha paciência para ouvir os ruídos que eu produzia tentando aprender a tocar. Mas eu era insistente e finalmente, depois de muito esforço, começou a sair um som. Aí, rapidamente eu aprendi todas as músicas que minha mãe sabia e comecei a aprender outras na rua, com os vizinhos. Sim, pois essa era uma época em que a música fervilhava, ecoava por todos os cantos. Em cada esquina de Belo Horizonte havia um “conjunto”, tentando traçar o caminho aberto pelos Beatles. Eu considero que o Beatles revolucionaram a música também pelo fato de serem apenas 4 e conseguirem fazer música. Isso era, de certa forma, novidade, pois até então o que pintava no mercado era big bands, com vários músicos, o que dificultava enormemente quem queria percorrer esses caminhos. Havia também a Bossa Nova, mas essa era mais sofisticada e só vim a conhecer mais tarde. Nesta época, o que pululava em Belo Horizonte eram bandas tocando Beatles e Jovem Guarda. Então, já nesta época eu comecei a me envolver com bandas: me lembro da primeira em que eu dava uma canja ou outra, que se chama “The Exotics”. Todas as bandas eram formadas por duas guitarras, baixo e bateria ou por guitarra, teclado, baixo e bateria, tinham nomes em inglês começados por “The”, a exemplo dos Beatles.
Por falar em influências, você na condição de músico acabou exercendo-a em sua clã. Como você enxerga esse interesse pela música por seus filhos? Há mais estímulos para que eles continuem contextualizando-se com este universo ou você está sempre buscando dar conselhos para que eles ponderem as escolhas nesta área?
DM - Eu penso que na época em que o Ivan Mortimer nasceu respirava-se os primórdios de “O Grande Ah!” na minha vida. Eu começava a compor mais consistentemente, pois havia conhecido o Marcelo Dolabela (poeta, meu parceiro) por intermédio da Regina, a Ré, minha mulher. Eu me lembro do Ivan, quando estava aprendendo a falar, ele já cantava, ou melhor, balbuciava, umas tantas músicas que viriam a constituir o primeiro repertório dessa nova banda, que se lançou profissionalmente em Belo Horizonte no ano de 1983. Então, a música entrou na vida dos meus filhos muito naturalmente, pelo ambiente mesmo. O Ivan era incrível, pois ele tinha um cavaquinho que pretensamente tocava e subia no palco para juntar-se a “O Grande Ah!” sempre que podia. Ele era super musical, desde sempre. A partir dos 6 anos eu coloquei tanto o Ivan como o Lucas no Centro de Musicalização Infantil da Escola de Música da UFMG, e foi aí que eles tiveram a iniciação musical, algo que foi bem diferente no meu caso, que havia sido iniciado pela minha mãe e na rua. O Ivan, quando foi fazer vestibular, decidiu fazer Composição na Escola de Música e eu dei força. Mas com dois anos de escola ele trocou de curso e foi fazer Biologia, algo que também apoiei. O Lucas foi fazer Educação Física, depois fez mestrado na área de Fisiologia do Exercício e aí decidiu largar para mexer com produção musical, algo que discutimos bastante, pois o Lucas se encaminhava bem para fazer carreira acadêmica e eu dava a maior força. Mas ele acabou saindo da Educação Física, e apesar de lamentarmos a sua decisão, também demos força. Agora ele está fazendo a minha produção e isso é fundamental.
Por que o título do álbum acabou sendo “Trip Lunar”
DM - Primeiro, tem uma faixa do álbum com esse nome. Mas o mais importante é que esse nome resume a viagem que foi fazer todas essas canções. Pois a maioria foi feita no interstício da minha produção para “O Grande Ah!”. São canções que eu sempre gostei, que foram muita inspiradas, e que não tinham tido oportunidade de serem tocadas. Quando me decidi a voltar a fazer música profissionalmente, no ano passado, resolvi que essas eram canções que não podiam se calar. Como elas foram feitas numa longa e louca viagem, veio o nome “Trip Lunar”.
Eu enxergo este projeto como uma grande celebração, onde se é possível perceber não apenas o reencontro de velhos amigos mas também uma espécie de encontro de gerações com novos talentos da cena musical mineira. É mais ou menos por aí a intenção?
DM - Sim, e desse encontro de gerações é que eu tiro toda a energia para fazer esse trabalho. Nos shows, o pessoal que tem me acompanhado regula em idade com os meus filhos. No disco, toquei também com ex-integrantes de “O Grande Ah!”, com o Léo Lima e o Elio Silva. O Marcos Pimenta cantou uma música. A banda de base, que estruturou todos os arranjos, foi composta por mim e pelo Léo Lima, dessa geração de “O Grande Ah!”, e pelo Ivan Mortimer e Lucas Mortimer, meus filhos, e pelo Rafael Pimenta, filho do Marcos Pimenta. Eu considero que tocar com a nova geração é fundamental para não se fazer um som datado, que tem um certo ranço. Essa nova geração é que abre possibilidades de novos caminhos. Então tenho tocado com o Ivan Mortimer, Rafal Pimenta (os dois revezando entre o baixo e a guitarra), Yuri Vellasco (bateria), Henrique Staino (Sax tenor), Ygor Rajão (Trompete e Flugel horn), João Gabriel Machala (Trombone de vara) e Alexandre Andrés (Flauta). É uma turma da pesada, que coloca muita energia nestas músicas.
Esse encontro com a nova geração pode ser considerada uma espécie de reciclagem para aquilo que você produz? (uma vez que já passaram mais de 15 anos desde o seu último projeto fonográfico)
DM - Com eu disse, eles deixam minha música com sabor de música atual, nova, sem ranço, não datada.
Sua intensa vida acadêmica de certo modo interferiu em sua carreira artística ao longo desse tempo? (Falo isso porque você, em mais de 25 anos de relação com a música, tem apenas três registros fonográficos)
DM - Sim, claro. Em 1990 eu decidi, com base na necessidade de criar meus filhos e dar uma vida melhor para minha família, a me dedicar à carreira acadêmica e parar com a música, pelo menos no nível de envolvimento com que eu vinha fazendo. Em 1989 foi um grande ano para “O Grande Ah!”, nós tocamos a beça, demos vários shows em BH, pelo interior de Minas, no Rio de Janeiro e em São Paulo. Quando fiz as contas, percebi que infelizmente não dava para viver disso. Então, em 1990 comecei a fazer doutorado na USP, em 1992 fui para a Inglaterra fazer um sanduíche do meu doutorado, e lá carimbei meu passaporte, ou seja, me iniciei numa carreira internacional na área de Educação em Ciências. Não dava tempo para fazer música, pois a carreira acadêmica demanda muito, é uma loucura. Portanto, os envolvimentos que tive com música, como o CD Mariantivel em 1997 e alguns trabalhos aqui e ali com “O Grande Ah!”, foram pequenos, esporádicos e pouco consistentes. Em 2013 achei que era hora de rever essa equação e voltar a me dedicar de corpo e alma a música, desacelerando paulatinamente a minha carreira acadêmica. Acabou que esse ano lancei o “Trip Lunar” e também um livro, em parceria com Charbel El-Hani, pela Springer, editora acadêmica internacional, que se chama “Conceptual Profiles: a theory of teaching and learning scientific concepts”. Mas é justamente o cruzamento de duas tendências: acelerar a produção musical e desacelerar a produção acadêmica.
Apesar de você participar da construção da melodia de todas as faixas do álbum “Trip Lunar” apenas uma delas possui letra e música composta exclusivamente por você. Você poderia falar um pouco sobre a escolha do repertório do álbum?
DM - São duas compostas exclusivamente por mim, pois tem uma instrumental e uma com letra nesse rol. O Marcelo Dolabela sempre foi um excelente parceiro, cheio de letras em que ele combina a fala sobre as cidades, do interior e as capitais, com as tramas amorosas. A “Trip Lunar” é um exemplo: “Buenos Aires em qualquer cais, boa viagem prá nós dois, a Télavive sigo em paz”. As músicas do Trip Lunar, particularmente, surgiram sempre de uma grande inspiração, e foram todas compostas em cima de letras que o Marcelo me passava. As letras do Marcelo são muito musicais. Veja o exemplo de “Muita Alegria”. Ela tem algumas palavras aparentemente nada musicais, como “naftalina” e “absorventes”. No entanto, no contexto da canção essas palavras se tornam naturais, pois a letra como um todo puxou uma canção, também como um todo.
Ao longo destes períodos de hiato ao qual você procura dedicar-se a outras atividades você busca manter-se envolvido com música de algum modo ou afasta-se abruptamente deixando de lado o artista existente em você em detrimento ao seu lado professor e pesquisador?
DM - Como eu disse, eu me dediquei de corpo e alma a carreira acadêmica, e não dava muito tempo para fazer música. Mas eu nunca me desliguei totalmente da música, seja tocando violão, seja escutando música. Essas duas atividades eu sempre mantive, de forma que na hora de voltar tudo estivesse bem conectado na minha cabeça. Porque, apesar do grande envolvimento com a carreira acadêmica, de uma coisa eu tinha certeza: que um dia voltaria para a música.
Como tem sido a receptividade do público em relação ao álbum “Trip Lunar”?
DM - Tem sido excelente. As pessoas reconhecem a qualidade do trabalho e, aos poucos, vamos voltando às rodas musicais. É um trabalho duro e de paciência, mas tenho certeza de que em pouco tempo estarei completamente de volta a música e tocando para muitas outras pessoas além dos amigos. Mas estes são fundamentais para segurar a onda nesse recomeço.
Recentemente você esteve fora do país fazendo o lançamento internacional do disco não foi?
DM - Sim, em Nova York, numa casa excelente, a SOB’s. Foi uma excelente oportunidade de testar um esquema que pretendo implementar daqui pra frente. Eu toquei com músicos locais: o Lucas Mortimer, que está por lá fazendo um curso de engenheiro de som, e uma turma de brasileiros formados na Berklee College of Music, de Boston, que é a melhor escola de jazz e música popular do planeta. O André Vasconcelos é um excelente guitarrista, que está atualmente morando em Nova York; e o Apoena Frota, baixista, João Nogueira, tecladista, e ainda com uma canja da Kel do Nascimento, na voz. Ficou muito bom, consistente, com apenas dois ensaios, essa turma tirou de letras minhas canções. É claro que eles se dedicaram a tirar as músicas antes dos ensaios, são super profissionais. Esse é esquema que pretendo implementar em outras cidades do mundo: reunir músicos locais, ensaiar e dar shows.
Há alguma coisa agendada para este segundo semestre que você poderia nos adiantar?
DM - Pois é, estamos tentando marcar shows para Hong Kong, Tóquio, Paris e Lyon, para esse segundo semestre, com esquema semelhante ao que rolou em Nova York. Vamos ver se vai dar certo. Tem também shows em Belo Horizonte e em Mariana, Minas Gerais.
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