A perfeita sincronia entre dois instrumentos a partir de exímios executores. Eis o Duo Calavento, um projeto que mescla peças do repertório clássico e popular inovados a partir de execuções ímpares
Por Bruno Negromonte
É público e notório que a música brasileira traz em suas origens a fusão de elementos europeus e africanos trazidos respectivamente por colonizadores portugueses e pelos escravos que aqui chegaram ao longo dos últimos séculos. A essa mistura de ritmos foram sendo acrescentado ao longo dos anos outros diversos elementos que fazem hoje o nosso cancioneiro ostentar uma estirpe musical ímpar. A qualidade da música, em particular a instrumental, elaborada no Brasil, dito pelos grandes especialistas no gênero, é algo impressionante. E essa inquestionável característica foi construída a partir da substancial colaboração de relevantes e significativos nomes que deixaram a sua indelével marca não apenas em nossa música, mas também no cenário musical ao redor do planeta. Nomes como Carlos Gomes, Heitor Villa-Lobos, Rosinha de Valença, Paulo Moura, Pixinguinha, João Pernambuco, Victor Assis Brasil e tantos outros acabaram tornando-se exponencial da cultura musical brasileira ao redor do mundo a partir de uma obra construída de modo bastante coerente. Trabalhos como o dos artistas citados contribuíram de modo substancial para sedimentar a música brasileira no patamar que hoje ela encontra-se. E se o pontapé foi dado por esses exímios musicistas, hoje os artistas que procuram dar continuidade a esse legado dever ter consciência e saber sobre a responsabilidade e compromisso de não só inovar como também trilhar novos e exitosos percursos para a nossa música. Se hoje nossa música instrumental goza dos mais elogiosos adjetivos deve-se a responsabilidade de cumprir compromisso como tem feito a dupla Diogo Carvalho e Leonardo Padovani, que resolveram somar seus respectivos talentos para formar o Duo Calavento, neologismo criado pela dupla e que faz alusão a palavra “cata-vento” – símbolo de alegria, movimento, luz, cor e flexibilidade termos que acabam remetendo, decerto modo, à música e ao espírito dos músicos. Já a ideia do “calar” traduz a expressividade da música em seu nível mais profundo – quando ela cala fundo, no âmago das pessoas – e resgata a importância do silêncio, inerente à música.
Formado em 2008, o Duo Calavento soube respeitar o tempo necessário para a gravação deste seu primeiro projeto. A maturação deu-se na medida certa para que não houvesse nenhum tipo de concessão quanto aos critérios e qualidade do disco. Este tempo foi o ideal para que uma sonoridade aparentemente hibrida assumisse modos rebuscados e modernos ao ponto de tornar-se uníssona, sabendo mesclar de modo ímpar aquilo que denominam por músicas popular e erudita. Outra característica presente nas execuções da dupla é a espontaneidade assumida a cada interpretação. A leveza faz-se presente tanto nos números autorais quanto naqueles revisitados pela dupla. “Ao compor ou escolher obras de outros compositores, o ponto de partida é uma imagem, paisagem, sensação ou ideia, que se transforma num retrato musical”, ambos costumam enfatizar. “Nossos concertos são marcados por um viés teatral, assumimos a atmosfera que cada obra convoca, contamos histórias, comentamos o repertório”, dizem Diogo e Leonardo. O resultado dessa leveza e espontaneidade é possível observar agora, seis anos após a sua formação, no primeiro álbum da dupla e que tem o título homônimo ao dado a parceria e que traz por resultado uma linguagem musical complexa, refinada e acima de tudo comunicativa, transmitindo com facilidade a mensagem musical a qual pretendem. Expressivos, os músicos conseguiram registrar suas marcas também neste debute fonográfico que chega ao mercado com capa e encarte em português e inglês, visando o mercado ao qual o Duo Calavento tem visitado de modo cada vez mais constante países como a Alemanha, a Itália, a Rússia e a Áustria em turnês que tem levado um pouco do muito do talento existente na música brasileira.
Composto por quinze faixas o primeiro álbum do Duo Calavento traz em seu repertório oito canções assinadas pela dupla de instrumentistas (sete em parceria e uma de autoria solo de Diogo Carvalho). Do início ao fim o disco propõe um discurso musical marcado por uma sólida unidade embora traga composições da lavra de nomes como Vittorio Monti que assina "Czardas". O tema composto originalmente para bandolim, violino e piano aqui ganha uma releitura a partir do violão de Diogo Carvalho. Da França os músicos buscam inspiração em um movimento de influência fundamental na concepção musical do duo: o Impressionismo. Baseado nele os músicos pincelaram três nomes: Claude Debussy ("Rêverie"), Erk Satie (Gnossiennes 3) e Gabriel Fauré ("Après un rêve"); Tchaikovsky é apresentado a partir da "Dança da Fada do Açúcar" tradução para "Dance of the Sugar Plum Fairy" (um dos três balés escritos pelo compositor russo); Astor Piazzolla (com "Night club 1960") e Antonio Carlos Jobim assina a faixa "Bangzália", composta originalmente em 1985. Cada uma das peças é escolhida de forma muito criteriosa, a partir do universo das impressões da dupla como ambos procuram justificar a seleção das faixas autorais e do compositores presentes que constituem o repertório. Acentuando a sua identidade musical a partir de um repertório coeso e que preza por a proposta de aguçar através do som toda sensibilidade existente no ouvinte. “Não fazemos o som pelo som”, afirmam Diogo e Leonardo, “queremos é envolver as pessoas e fazer com que sejam levadas pelas sensações que cada música provoca”.
A dupla chega como um substancial alento para a música instrumental brasileira. Trazendo consigo além de uma sólida formação erudita, amplos recursos técnicos e musicais, adquiridos a partir da vasta experiência que cada um traz nas respectivas bagagem. As peculiaridades individuais que a dupla carrega e já expuseram nos mais diversos palcos de todo o mundo faz com que a formação do duo seja mais que a junção de dois exímios e talentosos artistas. Essa afirmação traduz-se na perfeita sincronia entre o violão do Diogo Carvalho e o violino do Leonardo Padovani fazendo do duo peças de primordial importância para a sedimentação das tradições de bom gosto e qualidade que foram iniciadas lá atrás a partir dos grandes mestres. No campo da música clássica há poucas peças escritas exclusivamente para os dois instrumentos, bem como algumas transcrições e arranjos. No entanto a dificuldade é superada a partir da soma do talento desses dois jovens, inovadores e promissores musicistas que souberam muito bem unir suas técnicas em pró da boa música a partir do violão e do violino. O equilíbrio entre as sonoridades dos dois instrumentos traduz de forma simplória toda o requinte existente na técnica de cada um dos músicos a partir de uma linguagem musical que atende a proposta inicial e atinge em cheio aqueles que são fã da boa música. A quem ainda não teve a oportunidade de ouvir a dupla atentem para esta sonoridade que tem por propósito transformar a música que executam em verdadeiros retratos musicais sem prenderem-se a rótulos, estilos ou gêneros. Como eles mesmo justificam ao dizerem: “Não estamos presos a um estilo ou ritmo específico – cada obra terá seu caminho próprio, seja pelo baião ou pelo minueto”.
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