CAPÍTULO 45
A partir daquele momento, Selma e eu jantávamos cada vez mais frequentemente. Eu tinha sido promovido a presidente para os países latinos e passava mensalmente uns dez dias em Nova York. A gente geralmente conversava sobre o Nesuhi e sobre música. Porém, imperceptivelmente, começamos pouco a pouco a conversar menos sobre música e mais sobre nós.
A notícia chocou muitas pessoas. Eu não era conhecido da sociedade nova-iorquina, não era uma figura de tanto relevo como Nesuhi, não era rico, de tal maneira que nosso início de vida em comum, por esses ou outros motivos, desagradou a muitos.
Um dia, Selma me contou que Sergio Mendes viajou de Los Angeles para alertá-la a meu respeito, sugerindo que eu era uma pessoa pouco confiável. Mal sabia ele que uma mulher apaixonada se apaixona mais quando se falam misérias do seu amado... Por outro lado, Ahmet, Mica e os pais da Selma sempre nos convidavam para jantares, festas e eventos, atestando, assim, a concordância da família com o relacionamento. Rustem, filho da Selma, adorava o pai, e se reconfortava com as histórias que eu lhe contava. E acabou me considerando seu melhor amigo.
Em 1989, após um período intermediário durante o qual eu supervisionava, do Brasil, a Argentina e o México, acabei sendo transferido para o “75 Rock”, diminutivo do prestigioso endereço dos escritórios da Time Warner, situado no nº 75 do Rockefeller Center, em Nova York. Meu escritório ficava no 26º andar do edifício de 32 andares, o que significava estar perto do céu… perto do board.
Minha sala tinha quatro janelas que atestavam a importância do novo cargo na liturgia do poder em NovaYork.
Minha primeira tarefa foi abrir uma empresa sediada em Los Angeles, para cuidar do promissor mercado formado pelos 25 milhões de imigrantes mexicanos, cubanos, porto-riquenhos e dominicanos. Em seguida, instalei filiais no Chile, na Venezuela, no Peru, na Colômbia e na América Central. Instruí todos os meus executivos de que, a partir daquele momento, trabalharíamos um só mercado, que começava na Itália, passava pela Espanha e terminava no Novo Continente.
Essa política global para o mundo hispânico asseguraria aos espanhóis e aos italianos a presença de seus artistas na América Latina e na América do Norte, e aos latino-americanos, a perspectiva de ampliar seu trabalho na Europa, a partir da Espanha e da Itália. Na pessoa de Luis Miguel, já tínhamos o grande ídolo romântico continental. Com seus três milhões de discos vendidos em cada lançamento na América Latina, ele encabeçava a lista de carreiras prioritárias a serem desenvolvidas na Espanha e na Itália. Miguel Bosè e Alejandro Sanz, da Espanha, os grupos Café Tacuba e Maná, do México, e a promissora Laura Pausini, da Itália, foram escolhidos como prioridade para serem trabalhados na América Latina e nos Estados Unidos.
Iniciamos uma política de fortes investimentos na contratação e no desenvolvimento de artistas locais no México, na Argentina e nos Estados Unidos. Surgiram Fito Paez na Argentina, Olga Tañon nos Estados Unidos, e Francisco Céspedes no México.
Steve Ross havia negociado com sucesso a fusão da Warner Communications com a maior e mais prestigiosa editora norte-americana de revistas e livros: a Time Inc. A companhia se chamava agora Time Warner, e Steve, como presidente do novo conglomerado, dedicava seu tempo principalmente a administrar o choque cultural entre as duas entidades — de um lado, a Time Inc. e seus executivos aristocratas, e do outro, a Warner Communications e seus vira-latas —, com o propósito de implementar a difícil porém indispensável sinergia que havia motivado a fusão. No meio desse processo, Steve, com um câncer de próstata, teve de se ausentar frequentemente da empresa, e passou a dirigi-la cada vez mais de casa, em East Hampton. Imediatamente, começaram as intrigas, nessa fúnebre atmosfera, entre executivos ávidos pelo primeiro lugar na fila de candidatos à sucessão do Steve. Nós, da Warner, torcendo para que Steve sobrevivesse, e os da Time, para que ele morresse.
Depois de um ano de luta contra a doença, numa sexta-feira, Steve morreu.
Depois de várias reviravoltas durante as quais alguns pretendentes foram eliminados, seu sucessor foi finalmente nomeado pelo board: Jerry Levin , um tecnocrata vindo da Time Inc., de fala suave e de alma que se revelaria posteriormente demoníaca. Durante um primeiro jantar, Jerry nos havia confiado que a sua responsabilidade seria de manter contatos com Wall Street, e a nossa, de assegurar lucros.
Essa era, aparentemente, uma colocação adequada. As dificuldades começaram quando ele nos informou que nomearia um presidente na Warner Music, posto antes praticamente inexistente, pois Steve dirigia pessoalmente os nossos destinos através do Ahmet Ertegun, Mo Ostin, Bob Krasnow e Ramon Lopez. Aos nossos olhos, se fosse necessário nomear um presidente, o candidato lógico para ocupar o posto era indubitavelmente Mo Ostin, presidente do selo Warner norte-americano, de enorme prestígio por seu cast de artistas sofisticados e, ao mesmo tempo, número 1 em vendas nos Estados Unidos. Mo já dirigia a Warner e a Reprise Records quando Steve comprou a Warner Filmes, e trabalhara diretamente com Steve durante os últimos trinta anos. Deveria ter sido nomeado, mas não foi.
Jerry escolheu um tecnocrata, Bob Morgado, cujo principal mérito era ter sido, até então, um funcionário público temido pela rudeza do seu comportamento, responsável pelo controle dos orçamentos da cidade de Nova York. A entrada do Bob em cena nos causou muita perplexidade, porque a divisão de música não somente detinha uma parcela invejável do mercado mundial, como sua lucratividade era notável, fazendo-a uma das estrelas dos relatórios anuais que a Time Warner distribuía para os acionistas e para Wall Street.
A porta do Steve Ross estava sempre aberta; a do Jerry Levin, sempre fechada. E, de um dia para o outro, todos os altos executivos da ex-Warner Communications tiveram que se contentar em resolver seus assuntos com vários tecnocratas ao estilo do Bob Morgado, que o Levin tinha colocado entre si e os setores de música, cinema, TV etc. As consequências de sua entrada em cena foram imediatamente catastróficas!
Mo Ostin se demitiu no ano seguinte e foi se associar a Steven Spielberg e David Geffen. Bob Krasnow, presidente do selo Elektra, fez o mesmo. Ahmet Ertegun, por sua vez, nomeou um vice-presidente na Atlantic, para atender ao Morgado, e fechou os olhos para fingir que não assistia à destruição do seu selo, cuidando principalmente de conservar sua posição de ícone empresarial no high society nova-iorquino. E Ramon Lopez, sucessor do Nesuhi, diplomaticamente estabeleceu um tratado de tranquila convivência com Morgado, que não era propriamente um personagem cosmopolita.
Paulatinamente, a WEA perdeu sua personalidade ao ser invadida por advogados, contadores e auditores, todos contratados pelo Morgado. E os atritos surgiram com alguns dos artistas mais importantes, como Frank Sinatra, Quincy Jones, Paul Simon, The Eagle, Carly Simon e Eric Clapton.
O conflito mais emblemático e mais público foi o triste fim da nossa relação com Prince. Ele tinha começado sua carreira conosco em 1975, e se tornava a cada ano um compositor, intérprete e produtor mais importante. Era imprevisível e rebelde, porém o Mo Ostin, desde o primeiro disco, lidava com ele pessoalmente, de tal maneira que as renovações de contrato, equilibrando as exigências artísticas com as realidades comerciais, seguiam sem maiores dificuldades, até que os advogados corporativos ficaram encarregados de negociar com os advogados do Prince uma renovação, abortada logo em seguida.
Os egos dos advogados se exacerbaram a tal ponto que a demonstração de poder passou a ser o objetivo mais importante, e depois de dias de negociações entre as partes foi finalmente assinado um contrato com adiantamentos excessivos, que somavam US$40 milhões, para a gravação de sete discos.
Quando, nas semanas seguintes, Prince entregou o primeiro disco do contrato, era evidente que, apesar de ser uma obra excelente, nunca venderia o suficiente para cobrir o adiantamento que lhe cabia. Os nossos advogados, então, mandaram Prince voltar ao estúdio, exigindo que produzisse várias canções no estilo de “Purple Rain”. Prince, recusando qualquer intromissão em seu trabalho criativo, convocou a famosa entrevista coletiva, onde apareceu com a palavra “ESCRAVO” escrita na bochecha, denunciando publicamente a perversidade do contrato e da nova relação com a companhia.
Todos esses fatores combinados marcaram o início da decadência que, em oito anos, fez a Warner Music despencar de 24% de participação de mercado para miseráveis 11%, amargando, além do mais, prejuízos a cada ano mais pesados. Ao final desse triste trajeto, Bob Morgado foi despedido. Mas era tarde demais. A enfermidade da WEA era terminal, e Jerry, numa clara demonstração de insegurança gerencial, nomeou, durante os dois anos seguintes, três presidentes. E a divisão musical, que valia US$6,1 bilhões poucos anos antes, foi finalmente vendida a preço de liquidação por US$2,6 bilhões em 2003, para um investidor chamado Edgar Bronfman.
Em geral, os líderes criativos de grande parte das indústrias criativas perderam poder a partir da década de 1980 e de 1990. E o perderam porque muitos viam o lucro como um componente vulgar, em que não queriam se imiscuir nem com que pretendiam aprender a lidar. E à medida que as empresas se tornavam muito maiores, os tecnocratas irromperam, sob a seguinte alegação: “Nós, os não-criativos, somos melhores para gerir indústrias criativas porque não nos consideramos aristocratas e temos capacidade e prazer em lidar com a parte suja dos negócios: o lucro.” E era essa a melodia que Wall Street queria escutar!
Os danos que os tecnocratas estão causando à indústria fonográfica, ao cinema, à TV, às publicações, à Broadway e às empresas de publicidade têm que ser confrontados pelos líderes criativos de amanhã, antes que seja tarde. Terão que inverter o lema “lucros e criatividade” para “criatividade e lucros”. No entanto, para alcançar esse objetivo, deverão aprender a entender, e até gostar, do mundo das finanças para se tornarem presidentes de suas organizações, descobrir o prazer de estudar os balanços financeiros das suas empresas, ler através dos números e compreender o que significam.
Richard Branson, os irmãos Weinstein, Ted Turner, Steve Jobs, Bill Gates, Larry Page, John Hegarty são alguns exemplos que podem servir de inspiração. Os líderes criativos vão ter que aprender a ser tão impiedosos quanto os tecnocratas, aprender o linguajar de Wall Street e convencer todo esse mundo de que somente a criatividade genuína e o planejamento a longo prazo levam a uma lucratividade segura e duradoura. Vão ter o desafio e a responsabilidade de inverter os papéis e conseguir que os tecnocratas trabalhem para eles, em vez deles trabalharem para os tecnocratas.
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