Por Fernanda Guerra e Luiza Maia
Apenas três lugares foram consagrados com a descrição leve dos versos do compositor baiano Dorival Caymmi, cujo centenário é celebrado no dia 30 de abril. Bahia, terra natal homenageada em clássicos como Você já foi à Bahia? e O que é que a baiana tem, responsável por despontar internacionalmente a cantora Carmen Miranda, no fim da década de 1930. Rio de Janeiro, para onde se mudou, de barco (mote para a canção Peguei um ita no norte), aos 23 anos, e morreu, em 2008. E Pernambuco, cujas belezas naturais e culturais foram inspiração para Dora, a fictícia rainha do frevo e do maracatu, o principal símbolo afetivo dele com o Recife.
Era 1941. Caymmi passava temporada na cidade para cumprir contrato na Rádio Clube de Pernambuco. A esposa, Stella Maris (1922-2008), tinha voltado para a Bahia com saudades da filha Nana, recém-nascida. A melancolia provocada pela saudade da família foi anestesiada em um momento. À espera de vaga no Grande Hotel, foi para um bar e assistiu ao desfile do grupo carnavalesco Pão da Tarde. Encontrou uma mulata, “rainha do frevo e do maracatu…”. Nascia a inspiração para Dora.
“Tudo me veio na hora, no sereno, na rua. A melodia, a divisão dos versos, o tempo, aquela situação conhecida”, contou o compositor, em entrevista para a neta, Stella Caymmi, autora do livro Dorival Caymmi – O mar e o tempo (2001), relançado neste mês. Mas ficou pronta apenas meses depois. “Ele, do hotel, fez… Não toda, porque ele era bem retardado para fazer as coisas. Não sei quando ele terminou…”, brincou Nana, em 2012, antes de cantar, no Teatro Guararapes, a música. A obra é frequente no repertório dos filhos Dori, Nana e Danilo Caymmi, que cantam e contam a história da homenagem. A demora no processo de composição era característica dele. João Valentão, por exemplo, só foi concluída nove anos após a primeira parte.
“Dora talvez não tenha sido só uma namorada, mas a ligação com a cidade”, diz Dori. Ele destaca a canção como uma das mais bonitas das 120 assinadas pelo pai, em parceria com nomes como Jorge Amado, Carlos Guinle e Fernando Lobo, embora a maioria seja só dele. A primeira música é de 1930, No sertão.
“Ele tinha um chamego com o Recife. Gostava muito do Nordeste, do Recife em especial”, declara Dori. Mas é de Olinda a lembrança mais forte que tem do pai por aqui. Conhecedor das ladeiras da Cidade Alta e escolado nas estratégias dos famosos guias-mirins do local, Caymmi brincava com os garotos. “Tinha aqueles meninos que contavam aquelas histórias decoradas. Papai interrompia os meninos de propósito, que tinham que recomeçar tudo”, recorda, apesar de não conseguir precisar a data: “há uns 25 anos”.
O centenário de Caymmi tem sido celebrado em turnê com os três filhos do casal Dorival e Stella, que também devem lançar neste ano um álbum com participação de Chico Buarque, Caetano Veloso e Gilberto Gil e arranjos de Mário Adnet e Dori. O repertório do show reúne clássicos, como Saudade da Bahia, Nem eu, Vatapá e Vizinha do lado. Ainda não há data para o Recife, mas os produtores Fernando Soares e Gustavo Agra negociam a inclusão da cidade na rota. Dori reforça: “Até abril de 2015, vamos fazer shows nas principais capitais do país. O Recife, é claro, está sendo cogitado. Foi uma cidade em que ele viveu bastante, com grandes amigos”.
A Música:
“Dora, rainha do
frevo e do maracatu
Dora, rainha cafuza
de um maracatu
Te conheci no Recife
Dos rios cortados
de pontes
Dos bairros, das
fontes coloniais
Dora, chamei
Ó, Dora! . . .Ó, Dora!
Eu vim à cidade
Pra ver você passar
Ó, Dora ...
Agora no meu pensamento eu te
vejo requebrando
Pra cá, ora prá lá
Meu bem! ....
Os clarins da banda militar tocam para anunciar
Sua Dora agora
vai passar
Venham ver o
que é bom
Ó, Dora, rainha do frevo e do maracatu
Ninguém requebra, nem dança, melhor que tu!”
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