CAPÍTULO 31
Antes do jantar, eu costumava passar frequentemente pelo Antonio’s — restaurante que era o local de encontro da intelectualidade carioca — para encontrar o Tom, o Vinicius, o Cacá Diegues e o Tarso de Castro, entre muitos outros, para bater papo e trocar ideias. No entanto, de vez em quando eu era envolvido nas eternas discussões sobre o mal que o capital estrangeiro representava para o Brasil e, em particular nesse recinto, sobre o perigo que eu representava, na cabeça de alguns: um estrangeiro com o poder de uma multinacional, podendo manipular, para o proveito financeiro da minha empresa, os destinos da música popular brasileira.
O Glauber Rocha liderava o grupo que me interpelava. Mas sua postura era compreensível:
— André, pessoalmente não tenho nada contra você. Porém, estou cansado de ver que, neste país, ainda dependemos de estrangeiros — e, no caso da música brasileira, de um estrangeiro: você — para fazer o que cabe a nós resolver. Isso tem que acabar!
Tornando-se progressivamente mais obcecado e mais irritado com esse pensamento, Glauber, poucos dias depois dessa conversa, foi desabafar, escrevendo um longo e brilhante artigo publicado na primeira página do “Caderno B” do Jornal do Brasil, cuja manchete de tamanho sensacionalista gritava: “ANDRÉ MIDANI, O AGENTE DA CIA.”
Fiquei apavorado, pois era um tiro mortal! Glauber não era um idiota qualquer. Suas opiniões eram importantes. Portanto, eu tinha que responder a essa acusação pública. Mas provar não ser um agente secreto estava acima da capacidade de qualquer infeliz! Acovardado, deixei de ir ao Antonio’s por um bom tempo, até que um dia meu querido amigo Tarso de Castro me chamou:
— Rapaz, o que aconteceu que você não aparece mais no Antonio’s?
Tarso, você não leu o artigo do Glauber ? Com que cara eu vou aparecer por lá?!
Bobagem! Bobagem, André. Me espera aí que eu vou te pegar e vamos entrar nós dois no Antonio’s. E você vai ver que não vai acontecer nada.
E assim foi. Entramos no Antonio’s e, de fato, não aconteceu coisa alguma, a não ser um aceno
irônico do Glauber:
— Oi, André. Tudo bom?
Devo a um outro grande cineasta minha estreia no cinema brasileiro. Nelson Pereira dos Santos estava lá no Antonio’s e perguntou se eu aceitaria atuar no seu próximo projeto, que filmaria dentro de alguns meses. Eu me senti muito lisonjeado, pois atuar sempre foi o outro sonho da minha vida.
Claro, Nelson , eu aceito… Com imenso prazer!
Então eu te chamo quando chegar a hora. De fato, uns dois meses depois o Nelson me ligou.
Está tudo certo com você?
Claro, Nelson . Está super de pé! — respondi com entusiasmo.
Então daqui a dez dias, domingo, na parte da manhã, no edifício Avenida Central. Certo?
Certo — respondi, já vendo meu nome bem grande nos créditos do filme, nos anúncios de jornais, nos cartazes de rua e nos néons dos cinemas. Em poucas palavras, eu previa ser a nova descoberta e a sensação do cinema brasileiro. Porém, para ser uma estrela do cinema eu tinha que atuar. Para atuar, tinha que receber o texto, tinha que ensaiar com os outros atores...
Não era bem assim:“Apareça domingo que vem na parte da manhã...” Liguei de volta.
— Nelson , cadê o texto que eu vou falar? Tenho que aprender o texto direito. E meu sotaque etc.
André, não se preocupa, não.Você não vai falar.
Como não vou falar?! E o que vou fazer, então?
Olha, você vai ser assassinado.
Assassinado?! E quanto tempo vai levar esse meu assassinato?
—Você entra no elevador, te dão um tiro e pronto. O trabalho de filmagem da tua cena não dura mais de uma hora. No máximo!
Profundamente decepcionado, à medida que a conversa ia progredindo, eu via meu nome diminuindo de tamanho e minha carreira cinematográfica reduzida a uma mera figuração! Para meu consolo, o assassinato era o ponto central da trama do filme. E quando O amuleto de Ogum entrou em cartaz, foram muitos os cumprimentos pela minha atuação:
— Pô, André, você morreu bonito... Parabéns! Gostei!
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