CAPÍTULO 30
O nosso estúdio de gravação ficava num edifício da avenida Rio Branco. Era muito velho, muito pequeno e, pior ainda, ficava logo ao lado da lixeira de um prédio de uns dez andares, onde as ratazanas passeavam à vontade. Os equipamentos de gravação datavam de muitos anos, sem qualquer confiabilidade quanto à qualidade. Umberto Contardi, gerente do estúdio, liderava com Menescal, Jairo e Manoel o movimento para que eu finalmente encarasse a resolução daquele grave problema.
Com a ajuda do presidente da Philips eletrônica brasileira, consegui uma audiência na reunião
semestral da diretoria do board Philips/Siemens em Amsterdã, cuja finalidade era examinar as solicitações de investimentos extraordinários das filiais. Após demoradas negociações, quando definimos a ordem de grandeza do investimento, surgiu um acordo de princípios, que nos obrigava a seguir as diretrizes da Philips eletrônica brasileira para a construção dos prédios, e a perícia dos técnicos holandeses para a escolha dos equipamentos de gravação.
Poucas semanas depois, uma comissão de peritos holandeses chegou ao Rio. Ainda com os ternos com que embarcaram, sem terem ido ao hotel, foram visitar o local que eles próprios tinham escolhido a partir de um estudo que fizeram na Holanda sobre o mapa da cidade do Rio de Janeiro. Para espanto do Menescal e do Umberto, que os ciceroneavam, o bairro que sugeriam para a construção do estúdio era Marechal Hermes — aparentemente ideal, por ser equidistante do Aeroporto Internacional do Galeão, da estrada Rio-São Paulo, da Rodoviária, do Cais do Porto e do centro da cidade. Ao chegarem a Marechal Hermes, com o sol beirando os quarenta graus, os holandeses já suavam desesperadamente ao descer dos carros. Olharam para o desolador espetáculo da pobreza tropical: alguns operários comendo em marmitas; outros descansando, meio dormindo, embaixo das marquises; os vira-latas, em bando, fazendo alarde; e, finalmente, um burro aqui, outro ali, pastando pacificamente. Não havia dúvida: Marechal Hermes não servia para se construir um moderno complexo de gravação e muito menos para se levarem ali músicos e artistas. A caravana saiu em direção ao hotel na Zona Sul e, durante o almoço, os holandeses perguntaram a Umberto e Menescal se tinham alguma sugestão. A resposta estava na ponta da língua:
— São Conrado ou Barra da Tijuca.
Após intermináveis discussões e muitas hesitações, a sugestão foi aceita. Compramos vários terrenos na Barra — ainda semi deserta naquele 1974 — e começou a fase do planejamento da construção, a ser realizada por uma firma indicada pela Philips brasileira, conforme os entendimentos mantidos na Holanda. Porém, por ironia do destino, a firma quebrou depois de cinco meses do início da obra. Os holandeses queriam que a gente comprasse seus equipamentos de gravação, que custavam muito mais caro e eram muito mais delicados que os americanos, cujos fabricantes, aliás, dispunham de uma perfeita organização para contrabandear para o Brasil as peças de reposição. Depois de muitas brigas entre Umberto e os holandeses, enfim compramos os equipamentos americanos. Dois anos depois, sob os protestos dos músicos, que não queriam ir até a Barra gravar, o estúdio estava pronto. E era o estúdio mais sofisticado e moderno de todos os estúdios do grupo Philips/Siemens.
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