Por Eliete Negreiros
“No dia 10 de janeiro de 1904 nasci num berço todo doirado e na rua mais bonita do Rio de Janeiro. Daí, comecei a engatinhar, a caminhar para frente. Com intuição da música, de tão precoce que eu era, nem maestro Pixinguinha, com seus lindos choros de flauta, poderia competir comigo... Eu chorava demais.” Era assim que Lamartine Babo contava sua vida em alguns dos muitos programas de rádio que fazia, sempre com muita alegria e com um humor inconfundível.
Desde a infância, vivia rodeado por música. Décimo segundo filho de uma família de classe média, em sua casa, a mãe e as irmãs tocavam aquelas valsas plangentes que inundavam a atmosfera do Rio daqueles tempos. Vez por outra, os chorões Ernesto Nazareth e Catulo da Paixão Cearense apareciam por lá e o menino Lamartine ficava ouvindo aquela música bonita, chorinhos e canções, sonoridade que ia formando seu mundo musical. Afora isso, ouvia os discos de foxtrote americano, novidade que inundava a sociedade carioca.
No Colégio São Bento, já começava a compor: um foxtrote, uma valsa e uma Ave Maria. Desde o começo era eclético. Bacharelou-se em letras no Colégio Pedro II e começou a trabalhar como office boy na Light. Nesta época, juntava um dinheirinho e ia ao teatro Municipal, ao Lírico ou ao São Pedro de Alcântara (hoje João Caetano) para ouvir alegres operetas vienenses. Saía do teatro assobiando trechos das melodias. E, assim, sem saber música, compôs uma opereta, Cibele, em 1920. Nunca foi encenada. Compôs mais outras duas que tiverem a mesma sina ...
Lamartine foi despedido do emprego, arrumou outro e foi demitido também. Ele queria uma outra vida. Começou a frequentar a boemia, a se aproximar do pessoal de música e de teatro. Era amigo de uma figura de destaque, Eduardo Souto, que além de compositor, era dono de uma editora de partituras, a Casa Carlos Gomes. Com uma figura engraçada, que parecia uma caricatura, magrinho, inquieto e com um bigodinho fininho e preto, Lamartine se destacava pelo humor e facilidade em fazer trocadilhos e, assim, se tornou colaborador de algumas revistas, como Dom Quixote, que era especializada em humor e sátira dos costumes da época, Para todose Shymmy. Nas revistas, usava pseudônimos: Frei Caneca, Poeta Cinzento.
Começou então a compor para o teatro, pois o teatro de revista e as peças musicadas estavam muito em voga naquele momento, década de 20. Mas ainda não seria assim que ele se tornaria conhecido. Seu amigo, o compositor Eduardo Souto, costumava financiar a saída dos blocos de carnaval e as batalhas de confete que antecediam o carnaval, para divulgar suas músicas. Em 1924, Lamartine saiu num desses blocos, o Tatu Subiu no Pau, cantando a marchinha de Souto Não sei dizê. Gostou tanto que se animou e começou a compor músicas de carnaval.
A partir de 1928, compôs para os ranchos da época e conseguiu um certo destaque com a marchinha Foi você. Em 27, Lalá foi para o bloco de um compositor de sucessos carnavalescos, Luís Nunes Sampaio, o Careca. Em 28 compôs Os calças-largas, uma sátira à moda das caças boca-de-sino: “Vem, meu bem / Que os calças-largas / Não te podem sustentar / Sem vintém / Almoçam brisas / E à noite vão dançar”. Este foi o primeiro sucesso de Lamartine, sua primeira música gravada. Mas o que estava ganhando com a música não garantia seu sustento: Lalá foi então para os clubes, dar aulas de dança de salão.
Lamartine sempre esteve ligado ao carnaval: começou desfilando com as canções de Souto e depois se tornaria o centro da festa, tendo suas músicas cantadas em todo Brasil: ele se tornaria “o rei do carnaval”.
A década de 30 marca o início de uma nova fase da música popular brasileira a chamada “época de ouro”. Em 1931 morre o “rei do samba”, Sinhô: “A geração que então surgiu apresentou, de cara, uma turma nova, embora alguns viessem de tempos quase vizinhos – Lamartine Babo, Noel Rosa, Ary Barroso. Era a época de ouro, o esplendor da música popular brasileira. Ao mesmo tempo surgiram nos morros um Cartola, um Nelson Cavaquinho. Os poucos cantores que existiam chamavam-se Francisco Alves, Mário Reis, Silvio Narciso de Figueiredo Caldas. Carmem Miranda dava baile e Aracy Cortes cantava Ai Ioiô. O páreo era duro. Mas surgiu um homem magrinho cheio de bossa e musicalidade. Fazia samba, fazia marchinha. Sabia de cor todas as operetas vienenses. O meu Lalá. O nosso Lamartine Babo.”, escreveu seu amigo, o jornalista e crítico musical Lúcio Rangel.
Com a nova década, vieram grandes mudanças e uma delas foi o cinema falado, “o grande culpado da transformação”, como cantaria Noel Rosa em “Não tem tradução”. A música do cinema já não seria mais tocada por Ernesto Nazareth e Pixinguinha. Com o cinema falado, a língua e a música americana passaram a tomar conta das salas de cinema, fazendo com que o brasileiro começasse a conviver com a cultura americana, o que seria satiricamente contado pelos compositores populares como Noel Rosa, em Não tem tradução (1933), Assis Valente, em Good-bye, boy (1933) e Lamartine Babo, em Canção para inglês ver (1931).
As emissoras de rádio também causaram uma revolução na divulgação das músicas, pois agora não era mais preciso financiar blocos para divulgá-las: o sucesso era “fabricado” em estúdios e divulgado pelas rádios por todo o Brasil. Imaginem o impacto que isto causou na música popular, que massificação vertiginosa! Assim, os cantores e compositores começaram a ficar tão famosos quanto os artistas de cinema.
A composição de músicas destinadas ao carnaval já era um costume brasileiro. A pioneira desta tradição foi Chiquinha Gonzaga com sua famosa e profética marchinha Abre- Alas. Na década de 20 a forma da marchinha de carnaval já estava estruturada e vieram os sucesso Pé de Anjo, de Sinhô e Pois não, de Eduardo Souto. Mas foi a partir de 30 que a marchinha alcançou seu apogeu. E para isso teve a contribuição fundamental de Lamartine Babo. Suas marchinhas marcaram sucessivos carnavais e algumas delas não se limitaram ao ano de lançamento, mas passaram a fazer parte do repertório dos foliões nos anos seguintes e entraram para a história do carnaval.
Em 1930, venceu um concurso da revista O Cruzeiro com a marchinha Bota o feijão no fogo; em 31, ganhou o concurso da Casa Edson com Bonde errado e fez sucesso com Lua cor de prata, Minha cabrocha e O barbado foi-se. Mas seu grande ano seria 1923, com Só dando com uma pedra nela, gravado por Mario Reis, AEIOU, em parceria com Noel Rosa e o sucesso estrondoso daquela que seria considerada um hino do carnaval carioca: O teu cabelo não nega.
“Linda morena, morena, morena que me faz penar / A lua cheia, que tanto brilha / Não brilha tanto quanto o teu olhar”, cantavam os foliões românticos em 1934, ano também da malandrem de Moleque indigesto, da filosofia de A tua vida é um segredo, do recado de Aí, hein?, “pensas que eu não sei / Toma cuidado, pois um dia eu fiz o mesmo e me estrepei” e da versão carnavalizante da História do Brasil, que vai de Peri e Ceci à Ioiô e Iaiá, do guarani ao guaraná. Linda morena é uma marchinha ingênua, alegre, lírica. Fez muito sucesso e com sua popularidade inspirou várias paródias.
Em 1934, Lamartine compôs também Ride palhaço, em parceria com João de Barro e Uma andorinha não faz verão. Em 35 , Grau dez, em parceria com Ari Barroso e Rasguei a minha fantasia. Esta e Ride palhaço têm um tom melancólico, triste .
Em 36, foi a vez da Marchinha do grande galo, em parceria com Paulo Barbosa, maior sucesso de carnaval daquele ano.
Começou então a compor para o teatro, pois o teatro de revista e as peças musicadas estavam muito em voga naquele momento, década de 20. Mas ainda não seria assim que ele se tornaria conhecido. Seu amigo, o compositor Eduardo Souto, costumava financiar a saída dos blocos de carnaval e as batalhas de confete que antecediam o carnaval, para divulgar suas músicas. Em 1924, Lamartine saiu num desses blocos, o Tatu Subiu no Pau, cantando a marchinha de Souto Não sei dizê. Gostou tanto que se animou e começou a compor músicas de carnaval.
A partir de 1928, compôs para os ranchos da época e conseguiu um certo destaque com a marchinha Foi você. Em 27, Lalá foi para o bloco de um compositor de sucessos carnavalescos, Luís Nunes Sampaio, o Careca. Em 28 compôs Os calças-largas, uma sátira à moda das caças boca-de-sino: “Vem, meu bem / Que os calças-largas / Não te podem sustentar / Sem vintém / Almoçam brisas / E à noite vão dançar”. Este foi o primeiro sucesso de Lamartine, sua primeira música gravada. Mas o que estava ganhando com a música não garantia seu sustento: Lalá foi então para os clubes, dar aulas de dança de salão.
Lamartine sempre esteve ligado ao carnaval: começou desfilando com as canções de Souto e depois se tornaria o centro da festa, tendo suas músicas cantadas em todo Brasil: ele se tornaria “o rei do carnaval”.
A década de 30 marca o início de uma nova fase da música popular brasileira a chamada “época de ouro”. Em 1931 morre o “rei do samba”, Sinhô: “A geração que então surgiu apresentou, de cara, uma turma nova, embora alguns viessem de tempos quase vizinhos – Lamartine Babo, Noel Rosa, Ary Barroso. Era a época de ouro, o esplendor da música popular brasileira. Ao mesmo tempo surgiram nos morros um Cartola, um Nelson Cavaquinho. Os poucos cantores que existiam chamavam-se Francisco Alves, Mário Reis, Silvio Narciso de Figueiredo Caldas. Carmem Miranda dava baile e Aracy Cortes cantava Ai Ioiô. O páreo era duro. Mas surgiu um homem magrinho cheio de bossa e musicalidade. Fazia samba, fazia marchinha. Sabia de cor todas as operetas vienenses. O meu Lalá. O nosso Lamartine Babo.”, escreveu seu amigo, o jornalista e crítico musical Lúcio Rangel.
Com a nova década, vieram grandes mudanças e uma delas foi o cinema falado, “o grande culpado da transformação”, como cantaria Noel Rosa em “Não tem tradução”. A música do cinema já não seria mais tocada por Ernesto Nazareth e Pixinguinha. Com o cinema falado, a língua e a música americana passaram a tomar conta das salas de cinema, fazendo com que o brasileiro começasse a conviver com a cultura americana, o que seria satiricamente contado pelos compositores populares como Noel Rosa, em Não tem tradução (1933), Assis Valente, em Good-bye, boy (1933) e Lamartine Babo, em Canção para inglês ver (1931).
As emissoras de rádio também causaram uma revolução na divulgação das músicas, pois agora não era mais preciso financiar blocos para divulgá-las: o sucesso era “fabricado” em estúdios e divulgado pelas rádios por todo o Brasil. Imaginem o impacto que isto causou na música popular, que massificação vertiginosa! Assim, os cantores e compositores começaram a ficar tão famosos quanto os artistas de cinema.
A composição de músicas destinadas ao carnaval já era um costume brasileiro. A pioneira desta tradição foi Chiquinha Gonzaga com sua famosa e profética marchinha Abre- Alas. Na década de 20 a forma da marchinha de carnaval já estava estruturada e vieram os sucesso Pé de Anjo, de Sinhô e Pois não, de Eduardo Souto. Mas foi a partir de 30 que a marchinha alcançou seu apogeu. E para isso teve a contribuição fundamental de Lamartine Babo. Suas marchinhas marcaram sucessivos carnavais e algumas delas não se limitaram ao ano de lançamento, mas passaram a fazer parte do repertório dos foliões nos anos seguintes e entraram para a história do carnaval.
“Linda morena, morena, morena que me faz penar / A lua cheia, que tanto brilha / Não brilha tanto quanto o teu olhar”, cantavam os foliões românticos em 1934, ano também da malandrem de Moleque indigesto, da filosofia de A tua vida é um segredo, do recado de Aí, hein?, “pensas que eu não sei / Toma cuidado, pois um dia eu fiz o mesmo e me estrepei” e da versão carnavalizante da História do Brasil, que vai de Peri e Ceci à Ioiô e Iaiá, do guarani ao guaraná. Linda morena é uma marchinha ingênua, alegre, lírica. Fez muito sucesso e com sua popularidade inspirou várias paródias.
Em 1934, Lamartine compôs também Ride palhaço, em parceria com João de Barro e Uma andorinha não faz verão. Em 35 , Grau dez, em parceria com Ari Barroso e Rasguei a minha fantasia. Esta e Ride palhaço têm um tom melancólico, triste .
Em 36, foi a vez da Marchinha do grande galo, em parceria com Paulo Barbosa, maior sucesso de carnaval daquele ano.
Mas em 1937 a grande vitoriosa do carnaval não foi uma marchinha de Lalá, foi Mamãe eu quero, de Vicente Paiva e Jararaca. Lamartine já não estava mais no centro da festa, nem a festa era a mesma, pois o espírito carnavalesco parecia se eclipsar diante do terror do fascismo, que se espalhara pela Europa e que já era sentido no Brasil: no final deste ano seria implantada a ditadura do Estado Novo. Ao mesmo tempo, a disputa carnavalesca perdia seu aspecto lúdico e gozador e ia se tornando uma competição sob a batuta não do talento mas do capitalismo: o dinheiro entra em cena para garantir a divulgação e execução das músicas, ao invés do talento, do humor. O espírito do carnaval vai perdendo sua beleza... Lamartine foi se afastando deste cenário, que nada tinha a ver com ele. Retraiu-se. Vez por outra, compunha alguma marchinha, mas só esporadicamente. Numa entrevista, ele disse: “Eu me achava um colosso. Mas um dia, olhando-me no espelho, vi que não tinha colo, só osso.” Ainda assim, diante da adversidade, Lalá continuava um gozador, um brilhante fazedor de trocadilhos.
Lamartine era um compositor eclético, desde o início. Fez músicas para festas religiosas, São João e Natal. Em 1933, Mário Reis e Carmem Miranda gravaram em dupla a canção juninaChegou a hora da fogueira.
E Lalá compôs também canções mais langorosas, samba-canção e valsa, as antológicas No Rancho Fundo, Serra da Boa Esperança e Eu sonhei que tu estavas tão linda, canções líricas, brasileiras, ingênuas, o outro lado da face da malícia gostosa e humorística de Lamartine.
Para finalizar, as palavras de um grande amigo de Lamartine, o jornalista e crítico musical Lúcio Rangel:
(Lamartine Babo) “Foi o maior compositor carnavalesco. Não. Foi também um grande compositor de samba e valsa. Falar do homem Lamartine torna-se, com toda razão, muito difícil para mim. Não consigo separar o homem Lamartine, o amigo Lamartine, daquela figura inesquecível que eu encontrava diariamente por aí. Cuidado, Lúcio, não vá derramar prantos pelo nosso Lamartine Babo, o compositor-poeta que é hoje um imortal da música popular brasileira.”
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