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quinta-feira, 9 de janeiro de 2014

BIOGRAFIA RECUPERA TRAJETÓRIA DE WILSON BAPTISTA, O MESTRE ESQUECIDO DO SAMBA

2013 marca o centenário de nascimento do compositor genial negligenciado pela história

Por Jones Lopes da Silva



Livro dá conta da extensa obra do músico, bem como a histórica polêmica com Noel 


O moço de chapéu de lado, cabelos ondulados de Glostora, fatiota batida e o gingado manemolente era deliberadamente isso mesmo, o malandro carioca dos anos 1930. Ninguém mais do que o compositor Wilson Baptista (1913 - 1968) encarnou essa estética e assumiu a sua defesa em sambas de melodias sincopadas de se dançar em gafieiras e letras bem-humoradas com personagens de minioperetas como a Nega Luzia, que recebeu o Nero e queria botar fogo no morro.

Malandros havia muitos na flamante noite da primeira metade do século passado na então Capital Federal. Brotavam dos morros da área central da cidade e se realizavam no entorno da Praça Tiradentes e da Lapa de prostitutas, gente da noite, malandros, intelectuais, jornalistas, músicos, escritores e turistas. Por ali circulavam Orestes Barbosa, Vadico, Ataulfo Alves, Noel Rosa, Nássara, Herivelto Martins, Donga e Francisco Alves e Wilson, gente que compunha (ou cantava) para as peças dos teatros da redondeza.

Mas só Wilson Baptista, cujo nascimento completou 100 anos neste 2013 que já termina, só ele mereceu a distinção de "filósofo do samba".

Um filósofo underground, diga-se.

Letras rabiscadas em guardanapos de cafés e bares, Wilson cantou a boêmia, os conflitos dos apaixonados, as ilusões do povo, a vadiagem, os azares da jogatina e a ironia de quem erguia construções e não tinha onde morar e assim impregnava seus sambas de vida e cotidiano. Foi ele um dos primeiros a retratar a mulher, no auge da imposição machista:

(...) - Oh! Seu Oscar

Tá fazendo meia hora

Que sua mulher foi embora

E um bilhete deixou

O bilhete assim dizia;

"Não posso mais

Eu quero é viver na orgia"

Este samba, Oh! Seu Oscar, de parceria com Ataulfo Alves, venceu um grande concurso de música popular promovido pelo Departamento de Imprensa e Propaganda, o tenebroso DIP do Estado Novo, em 1936. Mas ainda assim, seu desfecho é libertário. Esse é um lado desconhecido de Wilson Baptista. O mais conhecido é o de sua polêmica com outro mestre, Noel Rosa. Entre meados de 1933 e o final de 1936, os dois compositores esgrimiram sambas feitos nos cafés da Lapa, a começar quando Wilson compôs um lindo elogio à malandragem, o Lenço no Pescoço, gravado por Sylvio Caldas. Mas havia uma linda morena de um cabaret da Lapa, uma bailarina por quem Wilson e Noel tinham interesse. Como a moça se engraçou com Wilson, Noel fez um samba desancando Lenço no Pescoço e disse "proponho ao povo civilizado/não te chamar de malandro/e, sim, de rapaz folgado". Noel se alinhava ao Rio moderno, das largas avenidas recém abertas onde antes havia cortiços, casarios e morros do centro da cidade. Noel, porém, era tanto ou mais apaixonado pela malandragem quanto Wilson. O duelo divertido se seguiu e nele Noel presenteou o país com Feitiço da Vila e Palpite Infeliz. O gênio de Wilson não era menor. Só que ele ficou esquecido na história.

Quem recupera sua memória aproveitando a efeméride é o escritor, ator e músico Rodrigo Alzuguir, que apresentou neste Natal a biografia Wilson Baptista, o Samba Foi a sua Glória (Casa da Palavra), já tendo lançado este ano um Cancioneiro Comentado com 105 partituras e, em 2011, um musical e um álbum duplo: O Samba Carioca de Wilson Batista (Biscoito Fino).

Uma preciosidade recuperada no baú por Paulinho da Viola fala muito do modo de vida de Wilson Baptista. Em Meu Mundo é Hoje, ele diz que "assim morrerá um dia / não levará arrependimentos / nem o peso da hipocrisia". Malandro que faz um verso desses no início do século passado tem o seu valor.

Em outro samba, Chico Brito, um valente do morro, e mais um grande personagem de Wilson, vai preso pelo delegado Peçanha. Isso que no início Chico crescera aluno aplicado no colégio. Wilson remata: "(...) Se o homem nasceu bom / e bom não se conservou / a culpa é da sociedade que o transformou.

— Ele falava nas composições como veículos do pensamento, como no Chico Brito. Usava algo como o Rousseau no samba — diz o biógrafo Rodrigo Alzuguir.

Amigos, músicos, compositores tratavam Wilson como um pensador do samba porque ele dizia que uma obra deve ser suficientemente "forte" e alcançar "personalidade". Evitava temas religiosos. Compunha batucando na caixa de fósforo, que, aliás, foi o instrumento minimalista de muito sambista do porte de Cyro Monteiro, Lupicínio Rodrigues e Zé Keti. De grande parte de suas 720 músicas, uma imensidão criativa, vendia parcerias de dia para dançar no cabaré à noite e, em alguns casos, revendia a outro interessado que aparecia na Lapa. Se fosse flagrado, fazia na hora uma nova composição e pagava a dívida. Noel Rosa era do mesmo tipo. Houve épocas em que o poeta da Vila tornou-se quase um empregado do cantor Francisco Alves, que lhe emprestava dinheiro mas exigia em troca a parceria.

Nessa vida hedonista, Wilson torrava com mulheres seu parco dinheiro e, no dia seguinte, mal sabia o que havia composto no anterior. Não cuidou da obra, não deixou acervo e nem providenciou quem zelasse pela memória. Também por isso seu nome hoje soa desconhecido.

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