CAPÍTULO 26
Eu adorava Maria Bethânia! E, desde minha volta ao Brasil, a considerava majestosa, rainha,
poderosa, inteligente... Porém ficava intimidado de convidá-la para gravar conosco, pela fama de ser soberba, pretensiosa e arrogante. Creio que foi Tia Léa , que cuidava de seus contratos, quem arranjou nosso encontro. E Maria , elegantemente vestida, chegou exatamente na hora marcada, e se mostrou delicada e discretamente amiga. Seu olhar seguro e sereno desencadeou de imediato em mim uma paixão intensa e, ao mesmo tempo, respeitosa e amorosa. Como se diz na França:“J’ai eu un coup de foudre et en plus un coup de coeur!” (Um raio caiu sobre a minha cabeça e sobre o meu coração!).
O contrato foi negociado e decidimos que um dos discos seria produzido por seu irmão Caetano, com arranjos de Perinho Albuquerque. Parecia uma combinação perfeita — sob todos os pontos de vista, Bethânia e Caetano se conheciam e se amavam profundamente.
Quando chegou a hora de colocar o projeto em andamento, Caetano e Maria Bethânia viajaram para Salvador para escolher o repertório e conceituar a gravação. Tudo parecia correr normalmente, até que a mãe deles, dona Canô , me telefonou bastante preocupada:
— André, você tem que vir aqui. Bethânia não sai do quarto dela, Caetano fica enfurnado no dele... Não se falam, parecem estar brigados... Isto nunca aconteceu. E tudo por causa desse disco…
Viajei para Salvador e de fato encontrei Caetano e Bethânia de cara amarrada. Fiquei desolado com aquela inesperada situação. Sentei com ela, sentei com ele, porém não me lembro dos caminhos para superar aquele mal-estar. Creio na verdade que minha chegada simplesmente foi a desculpa necessária para a reconciliação dos irmãos. O disco se chamou Drama.
Conheci pouco o Vinicius de Moraes na época da bossa nova, a não ser por meio do Baden Powell, com quem eu tinha uma relação muito carinhosa. O Baden não me achava estranho, diferentemente da turma da bossa nova. Ele andava comigo na rua normalmente, enquanto os meninos da turma costumavam andar alguns passos à minha frente, ou alguns passos bem atrás de mim... E só fui saber o porquê muitos anos depois, pelo Menescal, que me disse:
— A gente tinha vergonha de andar contigo na rua. Você usava uma camisa vermelha, jeans e tamancos brancos. Você parecia muito veado... Naquela época, a gente tinha vergonha... Eram todos bem-comportados demais!
Vinicius já tinha se separado da Tati, acabava de se separar da Lila Bôscoli e namorava uma moça que morava no Parque Guinle, na casa de quem a turma passava noites inteiras ao som da música.
Quando voltei do México, o Vinicius e o Toquinho — como anteriormente o Chico — eram contratados da RGE, e, pelos mesmos motivos, foi fácil contratar a dupla, que passou a gravar vários discos magníficos conosco...
Vinicius, apesar de não ser o filho mais bonito do deus Apolo, era muito vaidoso. E aprovar a arte das capas era sempre um delicado momento na nossa relação profissional: a papa sob o queixo era sempre uma invenção do fotógrafo, e tinha que desaparecer na hora dos fotolitos.
Passei um dos mais gostosos carnavais da minha vida na casa de Vinicius, em Itapuã, que dava diretamente na praia, onde uma mesa de botequim ficava na areia, como de plantão, com algumas cadeiras prontas para receber quem chegasse. E chegava sempre muita gente, sobretudo noite adentro. Ali, Vinicius se sentava no início da tarde com a primeira garrafa de whisky, e era um sem número de visitantes: Jorge Amado, Dorival Caymmi, jornalistas e cineastas franceses, o compositor Georges Moustaki e tantas outras pessoas. E o papo rolava até o amanhecer...
Uma noite, no entanto, estávamos os dois sozinhos — Gesse, sua mulher, estava no Carnaval de rua de Salvador —, e Vinicius falava sem parar, eu escutando religiosamente, quando ele, depois de um longo silêncio, disse:
— André... Essa sua declaração de que o futuro da música brasileira está no rock é uma bela frase de efeito. Porém, francamente, você é um louco de dizer uma coisa dessas...Você tem que tomar cuidado com o que fala... porque um dia você vai ser o último para contar a história...
Entendi o pito que o Vinicius estava me passando. No entanto, não via nada de muito escandaloso naquela entrevista que eu tinha dado num programa de TV em São Paulo, provavelmente ao Jorge Cunha Lima, pois o presente já configurava claramente o nascimento de um rock brasileiro através dos Mutantes, dos Novos Baianos, do Erasmo Carlos, do Raul Seixas, da Gal no disco Fatal, do Jorge Ben Jor e, por que não, do Gil e do Caetano também, se considerarmos que o rock, mais do que um estilo, era um estado de espírito contestatório à ordem podre estabelecida.
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