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segunda-feira, 16 de dezembro de 2013

MÚSICA, ÍDOLOS E PODER (DO VINIL AO DOWNLOAD) - PARTE 25


CAPÍTULO 25 

Foi nessa época que o produtor artístico Manoel Barenbeim me chamou a atenção para Erasmo Carlos, que vivia, de uma certa maneira, na sombra do Roberto Carlos. Ouvimos juntos grande parte do repertório que a dupla havia composto e de repente percebi que a maioria das letras das canções de que eu mais gostava tinha sido escrita pelo Erasmo. Quando a música “Sentado à beira do caminho” estourou, não tive mais dúvida e solicitei ao Manoel marcar um encontro com Erasmo. Descobri então que por baixo do então desafinado “Tremendão”, que na época morava em São Paulo, também tinha um coração extraordinário, generoso e uma personalidade pronta para desabrochar se encontrasse um ambiente de trabalho propício. Jantar após jantar o mote era “Erasmo, você é bem mais interessante que o Roberto...”, e ele me respondia: “André, não fala uma coisa dessas... não é bem assim.” E eu 
continuava: “Pobre deste país que tem um ‘Rei’ como Roberto Carlos que não se compromete com nada, que não exerce nenhuma liderança política...” Na verdade eu respeitava muito o Roberto Carlos , o grande porta-voz do inconsciente brasileiro, porém procurava livrar Erasmo do cativeiro que era para ele viver à sombra do parceiro. Por outro lado, já contratado para gravar na companhia, o convívio com os tropicalistas, os Mutantes e o Chico Buarque lhe deu a enorme confiança que lhe faltava até então. O símbolo dessa transformação se deu, na minha opinião, com a música “Coqueiro verde” e sobretudo com a genial canção “Cachaça mecânica”. Adoro o Erasmo e me orgulho muito da relação carinhosa, ou melhor, amorosa que temos até hoje, pois o considero como um irmão caçula. 

Eu queria contratar o genial Jorge Ben , esse Jorge Ben que tinha surgido havia já dez anos feito um furacão estranho, como para nos lembrar — a nós da bossa nova — que o Brasil não pertencia somente a um bando de jovens brancos, e, se existia um revolucionário “Samba de uma nota só”, existia ao mesmo tempo um inconcebível “Chove chuva”! Onde estava escondido esse compositor do qual ninguém sabia o paradeiro após sua fracassada passagem pela Jovem Guarda? Era uma situação estranha, pois, embora Jorge Ben houvesse desaparecido do cenário brasileiro, por outro lado tinha brilhado no mundo inteiro através das gravações de suas músicas pelo Sergio Mendes e seu conjunto Brasil ’66 . 

Para exacerbar ainda mais esse meu desejo, Caetano e Gil sempre me lembravam como seria importante recuperar o Jorge no cenário musical. E sempre se propunham entusiasticamente a nos ajudar no relançamento de sua carreira. Então, dei ao Manoel Barenbeim a missão de encontrar o homem! O Jorge apareceu poucas semanas depois e o resto é história sobre a qual não preciso me estender. 

Uma tarde, eu tinha ido visitar o Jorge Ben para que ele me mostrasse as músicas do seu próximo disco, Força bruta.

— Gostou, chefe? — perguntou. Era evidente que eu tinha gostado. Tudo o que ele compunha eu gostava! Ele seguia dedilhando ao violão sua típica e vigorosa batida, e murmurando, mais do que cantando, um verso que começava assim: “Eu quero mocotó...” Em seguida, travamos o seguinte diálogo: 

— O que é isso, Jorge ? 

— Uma brincadeira, chefe... Uma brincadeira... 

— Jorge, essa música é ideal para o Festival da Canção da Globo! 

— Chefe, não vai dar não... Não vou cantar essa música porque a Domingas não vai gostar não! 

—Jorge, e se eu encontrar alguém pra cantar, posso inscrever a música no festival?! 

— Sem problema, chefe... 


Saí com uma gravação numa fita cassete, voltei para o Rio e fui direto para a casa do Wilson Simonal, que estava no auge do sucesso e que pouco antes tinha dividido o Maracanãzinho repleto de um público delirante em coros da direita, em coros da esquerda, em coros de baixo para cima e de cima para baixo, num memorável concerto, no qual roubou implacavelmente do Sergio Mendes o papel de estrela da noite. 

Simonal ouviu a música com seu ar maroto e disse: 

— Olha, eu não vou cantar essa canção. Não dá... Agora, se você quiser, o Erlon Chaves , meu maestro, pode fazer uns ótimos arranjos. Ele adora o Jorge. E pode contar com minha ajuda para acertar e ajeitar a música. E vocês ganham o festival! 

Só naquele momento, com a explicação do Simonal, entendi o real significado deste tal de “mocotó”, que nenhum dos dois queria cantar! A música, já gravada sob a supervisão do Manoel Barenbeim, com uma grande orquestra de metais e poderosa rítmica, foi inscrita no V Festival Internacional da Canção da TV Globo e foi pré-selecionada. 

Na noite da primeira eliminatória, a música seria cantada por um coro de cinquenta homens e mulheres no palco, além dos metais e da rítmica. Todos estavam vestidos com batas cor bege ou laranja, com instruções de jogar para o alto, ao final da apresentação, as enormes partituras e chutar as bolas de futebol em direção ao público. Foi um triunfo! Na segunda-feira, todas as estações de rádio tocavam sem cessar o já famoso “Eu quero mocotó”. O jornal Última Hora colocou durante a semana como primeira manchete: “O preço do mocotó subiu nos supermercados de X para Y.” Só se falava do mocotó — na praia, na rua, nos bares, nos escritórios... 

No dia da final, fomos para o Maracanãzinho com Erasmo e Narinha. Estacionamos perto do ginásio; já se ouvia de longe o público, que abarrotava o lugar, cantando:“Eu quero mocotó... Eu quero mocotó...” E o coro ficava mais alto, até se transformar num grito ensurdecedor. Algumas concorrentes foram apresentadas ante uma certa indiferença da maioria do público, mas, quando entrou a orquestra, foi um delírio só! Porém — coisa estranha —, a orquestra entrou, mas não entrou Erlon Chaves. Em seu lugar, Rogério Duprat estava regendo a orquestra... Até que Erlon apareceu, cercado por umas dez bailarinas vestidas — ou melhor, quase não-vestidas —, ajoelhando-se, cada uma à sua vez, na frente dele — parado à frente do palco —, simulando sexo oral. Um silêncio de morte caiu sobre o Maracanãzinho! A TV Globo interrompeu a transmissão, a música foi desqualificada e nunca mais as rádios tocaram o tal do “Mocotó”... 

Não é raro faltar para uma escola um grande samba-enredo, porém eu nunca tinha presenciado a existência de um genial samba-enredo que não tivesse escola para desfilar até pouco antes do Carnaval. “Eu sou o Sol”, do Jorge Ben Jor. A música estava estourada no país inteiro, relegando os sambas-enredos daquele ano a um modesto segundo plano. A impressão que a gente tinha na Avenida era de que o povo esperava a próxima escola desfilar com este samba e cada vez ficava desapontado, esperando incansavelmente “Eu sou o Sol”, que evidentemente não apareceu nunca. Dias depois de terminado o desfile das escolas, tarde demais, é claro, o Armando lembrou que poderíamos ter alugado um Jeep, equipado de um sistema de som, com o Jorge em pé, desfilando e cantando “Eu sou o Sol” sozinho na Avenida entre o desfile de duas escolas, acompanhado pela multidão.

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