Músico considerado maldito que morreu há 10 anos ganha reconhecimento entre os músicos e tem o trabalho regravado por vários cantores
Estado de Minas
Melhor intérprete de si mesmo, como gosta de lembrar Riba de Castro, diretor do recém-lançado documentário Lira Paulistana e a Vanguarda Paulista, Itamar Assumpção (1949-2003) vive momento de evidência de sua obra. Além de ser um dos homenageados do filme, ele acaba de ganhar disco da amiga e parceira Alzira E (O que vim fazer aqui), por meio do qual a mato-grossense diz encontrar nos poemas do amigo incentivo para a liberdade musical. O álbum se segue a Atento aos sinais, de Ney Matogrosso, que conta com duas composições de Itamar, e ao disco Tudo esclarecido, da amiga e parceira Zélia Duncan, integralmente dedicado à obra do compositor.
“Que maldito que nada!”, reagiria o próprio Itamar diante do interesse crescente por sua obra. Zélia Duncan chega a admitir que há uma corrente que tem ajudado a manter o nome de Itamar Assumpção com o “frescor merecido”. Do lançamento, em 2010, da Caixa preta, com 10 discos de carreira remasterizados e dois inéditos, feitos a partir de registros de voz e violão que o cantor, compositor e instrumentista deixou, passando pelo também documentário Daquele instante em diante, de Rogério Velloso, do ano seguinte, só dá Itamar.
A filha Anelis Assumpção anuncia para o ano que vem o lançamento, pelo Itaú Cultural, de Itamar Assumpção – Cadernos inéditos, coletânea de textos, letras de músicas e poesias do pai, organizados por ela, pela irmã Serena e pela mãe, Elizena Assumpção. Na opinião do cineasta Riba de Castro, o papel de Itamar na Vanguarda Paulista foi de extrema importância, na medida em que o trabalho dele “era inovador, impecável, pronto e acabado”.
“Era um artista completo e muito exigente consigo mesmo e com os outros”, acrescenta o diretor do documentário Lira Paulistana e a Vanguarda Paulista, para quem a exigência em busca da perfeição colaborou na formação de vários artistas. Que o diga a irmã de Tetê Espíndola, Alzira E, que, ao relatar o processo da parceria dos dois, confirma o que diz Riba de Castro. “Mostrava o que tinha até então – em andamento – e ele complementava a letra, entrava nela, vestia a personagem. Assim foi com Azeite e Man, registradas no LP Amme, de 1992, ou com Norte, uma das inéditas do meu CD novo”, relata a cantora e compositora, produzida por Itamar em Amme.
Ela recorda que em outras situações Itamar simplesmente mandava a letra por telefone, fax ou deixava no caderno dela. Tudo virava canção. “Foi assim com Finalmente, Existem coisas na vida, O que é que eu fiz de mal e Chuva no deserto", exemplifica Alzira E. “Às vezes ele pedia que eu fizesse uma parte B na melodia para incluir mais uma estrofe, caso de Mesmo que mal eu diga, ou um refrão, como em Itamar é. O melhor da parceria, de acordo com Alzira, “era a forma complementar em que as composições se davam e a cumplicidade que permeava nossas vidas, nosso cotidiano e amizade, na qual produzimos muito, e, principalmente, o respeito que ele sempre deu a minha música”.
Consistência
Para Zélia Duncan, que gravou 11 canções de Itamar antes de dedicar a ele integralmente o repertório de Tudo esclarecido, o que mais chamou a sua atenção no artista foram a inteligência e a consistência do que é dito, junto com a maneira musical extremamente original e surpreendente. “A primeira música dele que cantei foi Fico louco e em seguida Beijo na boca. Não gravei nenhuma das duas, mas são músicas muito importantes para mim, que me instigavam nos anos 1980 e continuam me instigando até hoje”, acrescenta Zélia. Para ela, antes de mais nada, Itamar foi o grande parceiro dele mesmo, além de Alzira E e da poeta paranaense Alice Ruiz.
Alzira diz que ainda tem parcerias inéditas com o artista. “Algumas estão no novo disco, junto com regravações das canções marcantes na minha carreira nestes 25 anos, tais como Seis dos caminhos e Já que tem que”, lista a cantora mato-grossense. Anelis Assumpção, que também é cantora, seleciona repertório para disco a ser gravado no ano que vem. Em Sou suspeita, estou sujeita e nem sou santa, que marcou a estreia dela, Anelis gravou A mulher segundo meu pai. “Tenho o desejo de sempre cantar canções de meu pai, de tê-lo comigo. Cogito escolher uma canção entre as que mais gosto ou guardá-la para cantar no show”, afirma Anelis Assumpção, que tem músicas inéditas de Itamar.
“Acho que é muito natural quando uma pessoa falta e deixa um legado intelectual – não suficientemente acessado – pelo qual as pessoas se interessem”, avalia a filha de Itamar Assumpção. Ela lembra que Itamar era uma pessoa muito lúcida e coerente, que tinha consciência de que ele seria um artista póstumo. “Ele sabia um pouco disto e talvez até fizesse desta forma”, acrescenta Anelis. “Infelizmente, há muito artista, cientista e outros profissionais que demoram a ter reconhecimento”, diz a filha de Itamar, lembrando a primeira década da morte do pai.
Teatrais, rítmicas, profundas e divertidas, as canções do artista funcionam tanto no estúdio quanto no palco, de acordo com Zélia Duncan. Ele lembra que Cássia Eller, Ná Ozzetti e outros intérpretes também se apaixonaram pela obra de Itamar Assumpção, que cantaram e gravaram. Zélia não esconde sequer o desejo de ter sido uma das Orquídeas do Brasil, banda de Itamar integrada apenas por mulheres, além de detectar a porção buarquiana na obra do compositor em canções como quem Que canta seus males espanta, que ela gravou no disco Eu me transformo em outras.
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