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segunda-feira, 21 de outubro de 2013

MPB PARTIDA

Por Antônio Carlos Miguel


Há muita gente procurando saber o que levou Caetano Veloso e Chico Buarque (e Gil, Milton…) se alinharem às obscuras posições de Roberto Carlos, num movimento que vai contra suas histórias, em suma, suas biografias. Aparentemente, foi uma barganha. RC teria aderido ao grupo do Procure Saber na complexa questão do ECAD desde que seus colegas de geração o acompanhassem no veto às biografias não autorizadas. Como se percebe nos últimos dias, esse acordo está saindo caro, dividindo ainda mais a classe musical, já que a polêmica transcende o campo das biografias. Muitos artistas que fizeram coro na disputa do ECAD já se pronunciaram contra nesse item, contra a censura prévia que a atual versão do Código Civil estabelece. O bate-boca vai continuar, a divisão tende a aumentar, a menos que ocorra um recuo do Procure Saber.


É bom lembrar que, ao contrário do que a comitiva de pesos pesados da MPB em Brasília fazendo lobby na CPI do ECAD podia sugerir, a classe não estava unida nesse tema. Um abaixo-assinado de 1.500 artistas foi ignorado, o Procure Saber fez pressão por mudanças sem uma discussão profunda sobre o tema e, agora, alguns de seus membros confessam que não sabem que rumo tomar para melhorar o intricado sistema de arrecadação e distribuição de direitos autorais. Ou seja, apesar do nome, o grupo não soube fazer a lição de casa, não estudou a fundo a legislação nem se cercou de advogados e juristas competentes para tentar aperfeiçoar o setor. Muitos foram mudando seus discursos ao sabor dos interesses, gente dizendo que a solução era dinamitar o ECAD, transformá-lo num órgão do governo. Só na reta final afinaram o refrão e conseguiram virar o jogo. É claro que o ECAD pode e deve melhorar, mas a divisão só favorece quem é contra o pagamento de direitos autorais.

Por mais que a obra de Chico, Caetano, Milton, Gil, Roberto, Erasmo e Djavan mereça loas e loas, essa tropa de choque da MPB (e muitos de seus comandados) foi arrogante, autoritária na disputa do ECAD, impondo na marra suas confusas ideias. Ontem, chamei-os de deuses (e houve quem não percebeu a ironia), mas não acredito em divindades, não tenho religião, e como qualquer ser humano eles também erram muito. Enquanto a indústria fonográfica era poderosa, muitos deles compactuaram com práticas condenáveis como o jabá, a propina para conseguir espaço na mídia, principalmente forçar a execução de música nas emissoras de rádio, prática que nos últimos anos foi institucionalizada – dos anos 1970 aos 90, alguns radialistas e programadores ganhavam presentes caros, depois o esquema avançou para escalões mais altos, até chegar ao modelo atual, a compra de espaço publicitário em troca de xis execuções de determinada música ou artista. Pelo menos, agora é às claras, no papel, mesmo que continue sendo questionável.

Atualmente, largados pelas multinacionais do disco, muitos figurões usam do que resta de seu prestígio para conseguir verbas públicas – o caso recente de um governador nordestino pagando cachês acima do mercado para uns e outros é exemplar –, viver de leis de incentivo ou editais. Muitas coisas que se falam mas que não tenho provas, daí não dar nomes a boys and girls.

Mais memórias para terminar por agora. Em 1979, engatinhando no jornalismo e mais ingênuo do que continuo sendo, troquei um emprego na então TVE pelo cargo de gerente de imprensa no Rio da Warner. Na época, a gravadora era presidida por André Midani, o franco-judeu-sírio que é um personagem fundamental na história da música popular brasileira, pessoa adorável e, para o bem e para o mal, também uma das raposas nesse negócio, e não aguentei oito meses. Fui demitido por não conseguir entrar naquele jogo. Entre as regras, sempre dobrar o número de vendas de um disco; levar jornalistas para restaurantes caros (nunca fiz isso, e coleguinhas reclamaram com meus superiores imediatos). Voltei para o jornalismo musical e não me arrependo.

PS: em sua atitude homofóbica na debate do “Saia-justa” desta semana, Paula Lavigne foi contra a “gênese” do Procure Saber. Como se sabe, durante um ensaio de sua banda, Gilberto Gil ouviu um músico ridicularizando gays e retrucou: “E o seu pai como fica? Procure saber, procure saber!”.

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