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segunda-feira, 23 de setembro de 2013

MÚSICA, ÍDOLOS E PODER (DO VINIL AO DOWNLOAD) - PARTE 13


CAPÍTULO 13 


Sem ter com quem falar, os fins de semana passaram a representar um pesadelo implacável. Decidi trabalhar aos sábados para enfrentar os fins de semana; ao mesmo tempo, comecei a me familiarizar com os discos de música brasileira. Havia muitos 78 rpm e poucos LPs, com capas horríveis e todos de dez polegadas. Eu não entendia o Francisco Alves e outros cantores românticos, com suas vozes impostadas e operísticas que, aos meus olhos, os tornavam ridículos e obsoletos. Ficava confuso com a barulheira que não permitia escutar claramente as gravações de samba: o ritmo se ouvia ao longe e soava como uma massa informe. E, acima de tudo, não entendia as palavras. Confesso que não gostei de coisa alguma, a não ser de Inezita Barroso e, sobretudo, de Caymmi . Este, sim! Adorei! E com muita paixão. 

Foi um desses sábados que marcou o início da minha integração na vida musical brasileira. Passou pelo escritório vazio um mulato bem-apessoado, de terno impecavelmente passado e gravata florida, que eu já tinha visto várias vezes no escritório. Conhecido como Zezinho, era o arregimentador dos músicos da Odeon. Vendo-me sozinho, ele me convidou para acompanhá-lo até o estúdio, na rua do Lavradio, para assistir a uma gravação. O estúdio era de dar dó: um espaço mínimo, com um tratamento acústico que se limitava a umas placas de compensado espalhadas aqui e ali, sem ar-condicionado. Com as janelas sempre fechadas para isolar os barulhos da rua, o local era um verdadeiro banho turco. O suor impregnava as paredes e as pessoas. A partir daquele dia, passei quase todos os meus fins de semana enfurnado no estúdio, no meio daquela gente que me recebeu de braços abertos. 

O pouco que eu sabia de técnica de gravação era talvez superior ao que sabia o técnico da companhia. Depois de um certo tempo, o engenheiro de gravação passava os fins de semana em casa e eu, feliz, o substituía. Assim, aprendi a falar português rapidamente. Talvez não muito digno de figurar nos salões de “gente fina”. Porém, era o meu português. 

O Zezinho era casado com uma polaca e, além de ser arregimentador, era dono de um coro que cantava praticamente em todas as gravações. Nesse coro, sempre havia algumas lindas mulatas, de coração e ternura bem maternais, das quais me recordo com grande carinho e reconhecimento até hoje.

Ali conheci o elegante Joel de Almeida , com seu chapéu de palha; Ademilde Fonseca e seu cantar inimitável; Aracy de Almeida, feia como o diabo, que me olhava sempre com desconfiança, e eu, para ela; Dalva de Oliveira, que transpirava sensualidade; Gregório Barrios , cuja única ambição era comprar lojas de sapatos; Raul de Barros e Moreira da Silva , que me levaram pela primeira vez à gafieira; e, por fim, o dr. Dorival Caymmi , por quem comecei a ter uma devoção que perdura até hoje. 

O meu trabalho oficial ia a contento. Eu já passara a ser responsável por toda a programação dos discos internacionais da gravadora. Sendo as capas dos discos brasileiros monstruosas de feias, candidatei-me a encarregado do setor, pelo qual não havia alguém formalmente responsável. 

Um dia, fui representar a companhia num almoço nos Diários Associados e fiquei sentado entre um rapaz muito agitado e amável, que eu conheceria mais tarde como Ziraldo, e um dos fotógrafos dos Diários Associados, Chico Pereira. Convidei o Chico para revolucionar as capas de discos. Chico, por sua vez, apresentou-me César Villela, e eu levei ao grupo um menino superdoce, Otto Stupakoff, recém-chegado de Los Angeles, onde estudara fotografia. E tinha estudado tão bem que, ao visitar as agências de publicidade cariocas, ninguém lhe dava trabalho, duvidando que o extraordinário portfólio que apresentava fosse seu. 

Aos poucos, foram saindo capas maravilhosas: Caymmi e o mar (1957) , Caymmi e seu violão (1959), Chega de saudade (João Gilberto, 1958), Ooooooh! Norma (Norma Bengell , 1959) e Se acaso você chegasse (Elza Soares , 1960), entre muitas outras... 

Nesse ínterim, Bill Morris havia convidado Aloysio de Oliveira para ser diretor artístico da Odeon. Aloysio, após a morte da Carmen Miranda, vivia em Los Angeles, dirigindo o departamento de versões em português dos filmes de Walt Disney, o que era de fato muito pouco para quem tinha dirigido a banda de Carmen. Chegou, então, o Aloysio — muito elegante, dentro dos padrões hollywoodianos, com bigode fino, ternos impecáveis e um sorriso aberto, de uma simplicidade comovedora. 

Bill Morris decidiu construir um amplo estúdio de gravação com ar condicionado, câmara de reverberação e uma boa mesa de gravação estereofônica, além de uma sala de corte de acetatos, último modelo. Ficaria no edifício São Borja, na avenida Rio Branco. Contratou-se Zoltan Merky, um húngaro recém-imigrado, excelente engenheiro eletrônico e acústico. 

Quando o estúdio ficou pronto, Aloysio contratou três maestros e arranjadores, Leo Peracchi, Lindolfo Gaya e Oswaldo Borba , para dirigir, supervisar e produzir as sessões de gravação. O Leo era italiano, de formação erudita, homem de muita cultura, um pouco amargo por ter que trabalhar com música popular para sobreviver, mas que se tornou de uma importância capital na chegada de João Gilberto e de Tom Jobim … Era o nosso intelectual. O Gaya, o mais brasileiro dos três, era como uma criança doce, humana, que levava carinho e confiança aos seus artistas. Quanto ao Borba, era o responsável pelas gravações populares e certamente o mais executivo deles todos. 

Aloysio contratou Lúcio Alves , Dick Farney, Sylvia Telles e o Trio Irakitan , entre outros; Ismael Correa , gerente comercial do Rio, levou Elza Soares e Anísio Silva. De São Paulo, o Gurzoni, gerente comercial da Odeon Brasil sediada naquela cidade, contratou Isaura Garcia, Walter Wanderley, Hebe Camargo e, mais tarde,Tony e Celly Campelo. Com isso, num espaço de dois a três anos, a Odeon começou a ter uma cara muito mais contemporânea. 

Aloysio e eu fizemos de imediato uma confiante amizade, selada através do trabalho — ele, como diretor artístico, e eu, já como diretor de promoção. Ou seja, tínhamos pleno controle sobre todos os investimentos criativos da companhia. Aloysio era bastante tímido quanto à administração financeira do seu setor. Às vezes curiosamente indeciso, encontrava em mim a pessoa com quem conversar e em quem se apoiar. Eu, por outro lado, encontrei nele uma pessoa que me afiançava perante o meio musical, ao me tomar sob sua proteção. Nós nos tornamos quase Cosme e Damião, de tanto andarmos colados um no outro. E quase todas as nossas decisões eram tomadas em conjunto.

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