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quarta-feira, 18 de setembro de 2013

BAQUE SOLTO

Por Bráulio Tavares



“Um reencontro de meninos grisalhos”: é uma das maneiras de descrever o show Baque Solto, de Lenine e Lula Queiroga, no Baile Perfumado, casa noturna no Recife, no fim de semana passado. O pretexto do show era a comemoração dos 30 anos da gravação (em 1983) do álbum Baque Solto, gravado pelos dois após o sucesso do show Trem Fantasma, o primeiro em que dividiram o palco. O disco foi feito, passou despercebido, mas virou um ponto de referência para muita gente, para mim inclusive, sobre os futuros caminhos da música nordestina. Era um disco ousado, cheio de referências jazzísticas, de um grupo de músicos de 20-25 anos, talentosos, e, como se diz na Paraíba, “doidos pra se amostrar”.

Isso pode ser bonito, mas mais bonito ainda é ver 30 anos depois todos se reunirem e reproduzirem durante duas horas o repertório completo do disco, com canjas de quatro convidados especiais (eu, Ivan Santos, Tadeu Mathias e Zé Rocha). Foi uma alegria reencontrar os músicos do disco e do show original, alguns já afastados dos palcos, vários deles trazendo ao Recife suas famílias. E ouvir as guitarras de Alex Madureira, Paulinho Muylaert e Caxa Aragão; os teclados de Márcio Brandão e Alberto Rosenblit; a percussão de Durval; a bateria de Cláudio Wilner; o baixo de Fábio Girão; os sopros de Marcelo Bernardes. 

Baque Solto tem alguns momentos de quebra-quebra rítmico, de convenções ziguezagueantes que exigem atenção total e destreza em dia. Maracatus como “Auto dos Congos” (Lenine & Pedro Osmar) ou “Maracatu Silêncio” (Zé Rocha & Erasto Vasconcelos) continuam tão novos e inclassificáveis como em 1983. “Girassol da Caverna” (Lula) passeia pelo martelo agalopado e pela marcha-quadrilha. “Mote do Navio” (Pedro Osmar) continua sendo de uma euforia capaz de arrastar multidões. “Trem Fantasma” (Lenine & Lula), primeira composição conjunta dos dois, já tem algo do espírito de “A Ponte”. Se não fosse “Prova de Fogo” (Lenine & Zé Rocha) eu teria tido mais dificuldades em aceitar o System of a Down que vi no Rock in Rio do ano passado. É uma performance meio Gurdjieff, envolvendo quase uma mecanização perfeita de uma série de ações complexas. 

É um disco composto, arranjado e tocado por quem ouvia maracatus e Weather Report, cantadores e Clube da Esquina. Seu lançamento coincidiu com a explosão do Rock-BR e isto o eclipsou diante de parte de um público que talvez fosse seu, talvez pudesse aceitar e assimilar suas quebras rítmicas e fraseados melódicos complexos. O lado bom é que é um disco de estréia de um grupo de jovens, que sobreviveu justamente pela ousadia criativa que teve. O que é bom, fica.

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