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segunda-feira, 19 de agosto de 2013

MÚSICA, ÍDOLOS E PODER (DO VINIL AO DOWNLOAD) - PARTE 08


CAPÍTULO 8


Meu primo Adnan tinha acabado de se casar com Ingrid , uma sueca que conhecera na faculdade em Paris, dona de um hotel em Helsinborg, no sul da Suécia, e me convidou para passar com eles o verão de 1951. Eu iria trabalhar no hotel, ensinando confeitaria aos empregados em horários civilizados, das nove da manhã às quatro da tarde.Teria casa, comida e um bom salário. 

Com o que tinha sobrado do dinheiro do meu pai , mais uma contribuição da minha mãe, comprei um carro. Saí de Caen e passei por Paris para apanhar Hubert , que decidiu aproveitar a carona para ver uma namorada sueca em Estocolmo. 

Na primeira etapa da viagem, dormimos em Estrasburgo, fronteira com a Alemanha, num albergue para a juventude, onde se comia e dormia quase de graça. No dia seguinte, atravessamos a Alemanha e chegamos a Hanôver, procurando um outro albergue. Fomos a vários, todos lotados... Por ser verão, ou por sermos franceses. O fato foi que, lá pela uma da madrugada, íamos dormir no sereno quando uma moça alemã que trabalhava ali nos ofereceu a sala de estar dos pais. Percebemos a sua coragem quando, de manhã cedo, o avô, aos gritos, nos pôs para fora. Ele tinha lutado contra os franceses nas duas guerras. Atravessamos a Dinamarca e chegamos a Helsinborg. Dali, Hubert seguiu para Estocolmo de carona. 

Meu encontro com a Suécia foi um choque cultural.As pessoas trabalhavam 35 horas semanais durante o inverno, trinta durante o verão e administravam, elas mesmas, as horas diárias de trabalho. A diferença entre o maior e o menor salário era de um para cinco. Médicos e hospitais eram grátis, assim como escolas e universidades. Não havia praticamente ninguém nas prisões. Não tinha pobreza. A Suécia havia permanecido como país neutro durante a Segunda Guerra e nada havia sido destruído. Enfim, parecia um paraíso! 

Para coroar aquele mundo mágico, quando se perguntava a alguém sobre sua ocupação, a resposta se referia ao hobby, não ao trabalho. O jazz ou a música clássica, a pintura, o teatro amador e a astronomia eram práticas da maior parte das pessoas de qualquer idade.Viver era preciso, e viver de modo inteligente, aperfeiçoando a cultura, era a fi nalidade da existência. 

Eu ensinava confeitaria ao pessoal do hotel até as quatro da tarde, jogava tênis até as sete e tocava bateria até a meia-noite.As suecas eram muito bonitas e amorosas. Eu dormia muito pouco. Uma noite, voltando para casa, adormeci ao volante e fui parar, em alta velocidade, numa árvore. Foi um acidente sério, que me deixou durante um mês no hospital, com múltiplas fraturas no braço e feridas graves no rosto. 

Voltei para Caen e encontrei minha mãe furiosa com o acidente e o transtorno causado a Adnan e sua família. E, no meio da briga que degenerou na listagem infinita dos meus pecados, ela proferiu as palavras que seriam minha salvação: 

— Il est temps que tu fasses ta vie! (Já é hora de você cuidar da sua vida!)

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