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segunda-feira, 12 de agosto de 2013

MÚSICA, ÍDOLOS E PODER (DO VINIL AO DOWNLOAD) - PARTE 07


CAPÍTULO 7 


Em março de 1950, recebemos a visita do irmão de meu pai, Samibey, de sua mulher, Elfriede, e de meus primos Adnan e Mounzer. Moravam em Damasco e iam para a Suécia. Convenceram minha mãe a permitir que eu viajasse para a Síria em setembro, para conhecer meu pai . Embarquei no navio em Marseille para uma travessia de dez dias, durante a qual conheci uma moça muito bonita, alguns anos mais velha do que eu, e que viajava para Alexandria, no Egito. Desenvolvi por ela uma pequena paixão, aparentemente correspondida. Navegamos romanticamente com a visão do vulcão Vesúvio à noite em plena erupção. Passamos pelas ilhas de Creta e Chipre, até chegar a Beirute. Aportamos de manhã, ao som longínquo das preces do muezin estacionados no cais. Reconheci meu tio, minha tia e meu primo Mounzer encostados em um carro; e no outro, sozinho, de pé, estava um personagem que só podia ser meu pai. 

Desci com o coração em tumulto para encontrar, pela primeira vez, com quase 17 anos, meu pai. Meu tio Samibey nos apresentou bem formalmente: 

Na religião muçulmana, aquele que convoca os fiéis à oração. 

— Nazem , este é teu filho Haidar. Haidar, este é teu pai, Nazembey. 

Subi tão nervoso no seu carro que acendi um cigarro Gauloise. E ouvi o que penso terem sido suas primeiras palavras: 

— Se eu o tivesse educado, você não estaria fumando! 

Pensei: “Você não me educou, nunca deu um tostão para a minha educação, nunca me enviou um presente, nem uma carta. Com que direito você fala assim comigo?!” Nunca mais consegui trocar sequer duas palavras com ele. Emudeci. E a perspectiva de passar um mês com meu pai em Damasco me apavorava! 

Meu tio reservara algumas noites num hotel nas magníficas colinas que separam o Líbano da Síria, antes de seguirmos para Damasco.Algumas horas do dia eram destinadas a que meu pai e eu nos familiarizássemos. A lembrança desses momentos é de um suplício insuportável, que meu constante choro não amenizava.Vendo a situação, minha tia decidiu que eu iria fi car com eles enquanto estivesse em Damasco. 

Conheci a tradicional família Midani e gostei dela. Todos falavam francês e foram maravilhosos anfitriões. Visitei o que restava da civilização romana, andei no deserto... Visitava o souk, o mercado de rua milenar de Damasco, todas as tardes, e, à noite, saía com os amigos e as amigas de Mounzer. 

Quando estávamos em um grupo só de rapazes, íamos aos cafés da cidade velha assistir ao incrível espetáculo de dança do ventre! A música parecia um mantra pecaminoso, tão hipnotizante quanto a música africana e tão suingado quanto o rhythm-and-blues norte-americano. E, num frenesi crescente, as bailarinas dançavam de forma mais erótica, uma após a outra, e o suor escorregava pelas paredes e pelos corpos do público, que gritava a cada espasmo do ventre das dançarinas. 

Raramente via meu pai . Minha avó morreu e assisti, meio assustado, às cerimônias do enterro, acompanhado pelos gritos e pelo choro das carpideiras, contratadas para a ocasião, pontuado pelas preces dos muezins, embriagado pelos cheiros dos incensos, debaixo de um calor de chumbo. 

Poucos dias depois, meu tio Samibey lembrou-se de que eu tinha entrado no país com o passaporte sírio e que, ao completar dentro de poucos dias 17 anos, poderia ser convocado pelo governo para o serviço militar. Estava arriscado a ficar por alguns anos a serviço daquela pátria que me era estranha e até a combater na sempre iminente guerra contra Israel. Ficou então decidido que eu tinha que voltar de imediato a Beirute, onde seria festejado meu aniversário, no dia 25 de setembro. 

Mounzer ficou encarregado de me levar de volta ao Líbano de carro, cruzando a fronteira clandestinamente através do deserto, para evitar o controle de passaportes. De manhã cedo, fomos pela estrada até a alguns quilômetros da fronteira. Mounzer parou o carro, eu me escondi no portamalas e atravessamos o deserto sem maiores incidentes. 

Instalei-me em Beirute, num desses maravilhosos hotéis construídos à beira do mar, e fiquei esperando uns dias até a família chegar para as festividades do aniversário. 

Beirute era o paraíso do Oriente Médio, um pouco parecido com a Suíça, por ser a sede dos bancos em que as grandes fortunas da região eram depositadas. Era também o centro do tráfico de drogas entre o Oriente e o Ocidente. Os europeus, que tinham se estabelecido ali pouco a pouco desde a época das cruzadas, tinham lhe imprimido um caráter cosmopolita. Enfi m, Beirute era festiva por excelência; ali, perfumes, drogas e dinheiro circulavam com elegância. 

Para minha surpresa, meu pai apareceu sozinho na tarde do dia 24 e, sob o pretexto de abrir os festejos dos meus 17 anos, começou a beber um arak descansar. No dia 25, após o café da manhã, logo recomeçou a beber. Assustado, fui ao gerente do hotel, expliquei o caso, e pedi que alguém me ajudasse a pilotar aquele dia de aniversário, que se prenunciava tumultuado. Meu pai era hóspede freqüente, passava fins de semana no hotel, e o gerente sabia bem de que sorte de assistência eu precisava. Minutos depois, apareceu um homem musculoso de uns trinta anos e, a partir daquele momento, parecíamos três amigos inseparáveis. Quando meu pai pedia uma dose de arak, eu e o guarda-costas o distraíamos, jogávamos um pouco da bebida fora de seu copo e completávamos com água. Assim foi o dia, não “de bar em bar”, mas “de arak em arak”. 

Meu pai , já bêbado, encontrava-se numa situação cada vez mais desastrosa. Bebida alcoólica de origem árabe, destilada da tâmara ou da uva. 

Após o outro. Jantamos no hotel e ele foi Para o jantar de aniversário, ele tinha reservado uma mesa numa boate ao ar livre, cuja pista de dança dava para a beira do mar. As estrelas brilhavam num céu sempre sem nuvens.As mesas eram iluminadas de maneira muito romântica e o show vinha diretamente do Lido ou do Moulin Rouge de Paris, com suas mulheres lindas, seminuas e cheias de plumas, ao som de uma orquestra imponente. 

Chegamos os três nesse ambiente de sonho, meu pai com o passo mais que incerto. Sentamos numa das melhores mesas ao lado da pista, e teve início um longo processo na escolha do cardápio, que se tornava mais complicado à medida que o cérebro dele se tornava mais perturbado. Minutos depois, enquanto os garçons traziam a comida, começou o show. Não mais que de repente, meu pai se levantou. Eu estava desprevenido, ele me agarrou e — bang! — estávamos os dois no palco, em pleno espetáculo, no meio das bailarinas seminuas, ele tentando agarrar a primeira beldade a seu alcance. 

Apavorada, a moça desandou a gritar, desesperada, provocando tumulto e confusão por toda a boate. 

A orquestra parou de tocar, o show foi evidentemente interrompido, as meninas fugiram. 

Nosso guarda-costas, graças a Deus, segurou meu pai antes que ele chegasse à pretendida e o carregou até a saída. Voltamos para o hotel, deixamos meu pai na cama, esparramado, roncando e desmaiado. Fiquei sem saber o que fazer, até que o gerente do hotel, alertado, me aconselhou a mandar meu pai imediatamente para Damasco de táxi. Comecei a revirar roupas e malas à procura de dinheiro, e logo encontrei um maço de notas. Ou seja, uma pequena fortuna! O guarda-costas e eu fizemos as malas de meu pai , paguei a um taxista pela viagem de três ou quatro horas até Damasco, e fiquei em Beirute, com o resto da fortuna que eu tinha guardado. Passado o susto, fiquei terrivelmente triste... apesar de muito rico.

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