Por Abílio Neto
“Soneto da separação
De repente do riso fez-se o pranto
Silencioso e branco como a bruma
E das bocas unidas fez-se a espuma
E das mãos espalmadas fez-se o espanto
De repente da calma fez-se o vento
Que dos olhos desfez a última chama
E da paixão fez-se o pressentimento
E do momento imóvel fez-se o drama
De repente, não mais que de repente
Fez-se de triste o que se fez amante
E de sozinho o que se fez contente
Fez-se do amigo próximo, o distante
Fez-se da vida uma aventura errante
De repente, não mais que de repente.”
Quando Vinícius fez esta obra-prima estava a bordo do navio Highland Patriot, no Oceano Atlântico, a caminho da Inglaterra, em setembro de 1938.
Tom Jobim musicou este poema de Vinícius, no começo dos anos setenta, ocasião em que os dois amigos fizeram um pacto de que aquele que morresse primeiro, o outro não compareceria nem ao velório e muito menos ao sepultamento.
Em 1974, Tom e Elis Regina gravaram em Los Angeles, para o famoso álbum “Tom e Elis” o soneto em forma de música. Que tristeza Tom e Elis conseguiram imprimir àquela poesia. Profundamente triste e lindo!
Em 09/07/1980, aos 66 anos, Vinícius partiu. Foi com emoção que o Brasil recebeu a notícia da morte do poeta e compositor. Depois de passar a madrugada compondo músicas infantis com seu parceiro Toquinho para o disco Arca de Noé II, sentiu-se mal ao acordar pela manhã. Antes que a ambulância chegasse, morreu ao lado de sua mulher Gilsa. Estava com 66 anos de idade. Completaria 67 anos em 19 de outubro daquele ano. Considerado um dos maiores nomes da poesia contemporânea, Vinícius deixou uma forte marca na memória das pessoas com as quais conviveu. Disse o também poeta Carlos Drummond de Andrade: “Ele era perfeito, senhor absoluto de sua arte e soube interpretar, de maneira fina, o sentimento do seu povo”.
Durante o dia em que ocorreu seu sepultamento, o famoso Maestro Tom Jobim não saiu de casa. Ficou o dia inteiro tocando, chorando e cantando o Soneto da Separação. Que bela amizade! Acho oportuno lembrar isso hoje por ocasião do 33º aniversário de morte de Vinícius e no ano do seu centenário.
Marcus Vinícius da Cruz de Melo Morais amou tanto quanto pôde. Além das inúmeras paixões avulsas pelas quais foi acometido ao longo da vida, ao morrer havia sido casado nove vezes, tinha cinco filhos e três netos. Este soube viver!
Leiam o texto que abaixo publico, que é da autoria de Francisco Bosco, escritor, letrista e ensaísta. Publicou “Invisível Rutilante” (Poemas - Ed. Francisco Alves, 1999) e é co-autor, junto a João Bosco, do projeto lítero-musical “Malabaristas do Sinal Vermelho” (Sony Music, 2003), entre outros:
“Vivemos em um tempo de déficit de subjetividade. O que isso quer dizer? Que há um empobrecimento na experimentação de formas de vida. Os grandes mitos da sociedade hoje são, quase sempre, figuras cuja presença no imaginário das pessoas se deve a um aparato aurático produzido pela repetição infinita de sua imagem nos meios de comunicação de massa. Para além ou aquém dessa aura midiática, pouco resta. Assim, os ícones do espetáculo não se apresentam como referências para experimentações de formas de vida, e a arte - embora, a meu ver, viva um momento histórico vigoroso - não se apresenta, observando em termos de tendências gerais, como uma convergência do ético com o estético. Vinicius faz parte de uma linhagem de artistas que continuam, sob suas diversas condições históricas, o projeto romântico de unir arte e vida. No ato de escrever esteve em jogo, para ele, a aventura de escrever a própria vida. Era um artista que criava formas de vida, e que, como todo artista, engajou-se na luta de tentar dar vida às suas formas (os poemas, as letras, as peças de teatro, etc). Em um momento como esse, em que experimentações de formas de subjetivação ao nível dos afetos, da produção de relações, são desencorajadas pela sociedade do consumo e do espetáculo, os valores que Vinicius faz circular na cultura (em suas letras, mas também em todo o rastro de signos que disseminou em sua passagem) tornam-se, mais do que desejáveis, urgentes: o amor, a amizade, a invenção de formas de vida, a exploração corajosa do amplo território da imanência. A vida.”
É isso mesmo que o escritor Francisco Bosco escreveu. Hoje já não existe quem escreva versos assim: “O mundo inteirinho se enche de graça/ E fica mais lindo por causa do amor.”
Dedico estas mal traçadas ao Maestro Dadá Malheiros, a quem esqueci de cumprimentar por ocasião da passagem de mais um natalício seu. Desculpe-me, amigo. É que estava sem o meu PC e sem ler as notícias do Facebook. Parabéns, mesmo com atraso, e votos de muitas felicidades!
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