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quarta-feira, 5 de junho de 2013

GÊNIO DA MÚSICA BRASILEIRA, JOÃO GILBERTO COMPLETOU EM JUNHO 82 ANOS. AMIGOS DO RECIFE CONTAM “CAUSOS” DO MÚSICO

Por Carolina Santos



O gênio de personalidade exótica completa hoje 82 anos. Adorado no Japão, incensado na Europa e nos Estados Unidos, já faz algumas décadas que João Gilberto virou uma lenda viva da música brasileira.

Para o músico, linguista e professor Luiz Tatit, João Gilberto só faz melhorar. “Ele foi radicalizando a experiência minimalista do canto da Bossa Nova até quase desaparecer a emissão. Nesse sentido, o João dos anos 1990 e mesmo do novo século é mais interessante que o da bossa nova. Aliás, ele foi cantando cada vez melhor. A idade, neste caso, me parece um detalhe irrelevante”, diz.

O amigo Naná Vasconcelos define o gênio: “A bossa nova é João Gilberto. Mas João Gilberto é muito mais que a bossa nova”.

Cada vez mais recluso – não dá entrevistas há anos -, João Gilberto foi acumulando histórias sobre suas manias, algumas folclóricas, e vendo crescer a importância da sua influência. Apesar de sair pouquíssimo do apartamento onde mora, no Leblon, ele fica sabendo do que acontece no mundo através de longas conversas telefônicas com os amigos. Abaixo, dois deles contam alguns causos com o músico.

Naninha, o carregador de instrumentos 
O percussionista Naná Vasconcelos, amigo do cantor desde o final da década de 1960, lembra que João passava as noites tocando no seu apartamento, quando ambos moravam em Nova York. “Ele ficava no quarto e passava horas repetindo aquela mesma frase, por noites e noites. Só mudava quando já estava satisfeito com a entonação, com cada uma das sílabas do que cantava. É um previlégio vê-lo com seu violão”, lembra o amigo. “Nos conhecemos quando fui fazer um show no México. Ele morava lá e foi ver. Depois, se mudou para Nova York e me ligou “Naninha, vim para cá para ficar mais perto de você, estamos morando na mesma rua””, conta Naná, revelando o jeito que o cantor chama seus amigos: sempre pelo diminutivo.


A amizade com João Gilberto rendeu muita inspiração e alguns causos. Um dos mais interessantes foi o encontro com Jacqueline Onassis, viúva de John Kennedy. “Por duas vezes João me chamou para tocar com ele em Nova York. Mas eu acabava era carregando o violão dele, virava roadie (risos). Em uma dessas noites, a Jackeline Onassis entrou no camarim com dois seguranças e João me chamou para fazer a tradução. Ela o elogiou muito, disse que era fã e que adorou o show. Eu fui traduzindo tudo, mas o João entendia inglês perfeitamente”, ri Naná.

Mesmo sem sair muito, João sabe de tudo o que acontece no meio musical em longas conversas por telefone. Costuma ligar para os amigos tarde da noite ou de madrugada. “Ele me liga às 4h da manhã e diz: “Eu sabia que você não estava dormindo!”, conta Naná.

O milagre da chegada
A fama de João Gilberto com produtores e empresários não é das melhores. Anunciar um show do cantor é correr um risco altíssimo. Em 1992, quando veio ao Recife para um show patrocinado pela Brahma, deixou o palco antes de tocar todo o seu set list, irritado com o ar-condicionado. Quem viu as duas belas apresentações que ele fez em 2000, no Teatro Santa Isabel – sua última passagem pelo Recife e com o ar devidamente desligado-, não imagina o frenesi nos bastidores.

Então vice-prefeito do Recife, o hoje deputado federal Raul Henry queria trazer um grande show para a reinauguração do teatro, em meados de dezembro daquele ano. Amigo – por telefone – de João Gilberto há vários anos, Raul fez o convite para ele, que aceitou e ainda deu um desconto. “O cachê dele era algo como US$ 50 mil por apresentação. Ele concordou em tocar por R$ 50 mil, dois shows”, lembra Raul, ou “Raulzinho”, como o artista costumava chamá-lo. “Meu relacionamento com ele começou em 1995, através do violonista Aldro Lajes, já falecido, que acompanhou Miúcha por muito tempo, e que tinha a confiança de João – chegava até a afinar os seus violões”, lembra.

Até 2008 foram longas conversas madrugadas adentro. “Ele é uma pessoa que fala sobre tudo, de futebol à política”, diz Raul, para quem João chegava a tocar violão, pelo telefone. “Há uns três anos não nos falamos direito. Ele ficou mais recluso”, diz.

Com o convite aceito e a divulgação dos shows no Santa Isabel sendo feita, a passagem aérea de João Gilberto para o Recife foi marcada para a quarta-feira. Ele não veio. Na quinta-feira também não. “Naquele ponto, ele não atendia mais o telefone”, lembra Raul.

Na sexta-feira pela manhã, os músicos chegaram, o cantor não. Um “milagre”, então, aconteceu. “O motorista encontrou João Gilberto sentado na área de desembarque sozinho, com o violão entre as pernas. Ele havia chegado em um outro vôo, da Vasp, sem avisar a ninguém”.

Passado o susto, o cantor chegou pontualmente nas duas apresentações que fez no Santa Isabel. Depois da última apresentação, ele não saiu do hotel. “O empresário dele disse que ele ligou, chorando, para a filha e disse: “foi o show mais lindo que eu já fiz…”, enaltece Raul Henry.

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