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quarta-feira, 15 de maio de 2013

RICARDO MACHADO - ENTREVISTA EXCLUSIVA

De Chiquinha Gonzaga à Stevie Wonder, Ricardo Machado mostra-se um intérprete bastante coeso a partir do seu conexo e fluido canto.


Por Bruno Negromonte




Natural do Rio de Janeiro, o cantor e compositor Ricardo Machado vem procurando sedimentar sua carreira musical de modo bastante coerente dentro da música popular brasileira. Cirurgião Dentista, Machado vem constituindo uma carreira fonográfica bastante ousada a julgar pelas projetos que tem abraçados desde que começou a lançar seus álbuns. Os dois primeiros (sem fins comerciais) abordou o repertório de alguns dos maiores nomes da música brasileira, o terceiro 
(“A sombra confia ao vento”) abordou 150 anos de música brasileira chegando a ser indicado para o maior prêmio da nacional em 2011 e agora, ao longo de 2013, apresenta mais um ousado projeto intitulado “Vozvioeletronicamante – Ricardo Machado canta Stevie Wonder” como pode-se conferir em RICARDO MACHADO APRESENTA UM TRIBUTO À ALTURA DO HOMENAGEADO, uma das recentes pautas publicadas aqui em nosso espaço.
Mais uma vez Ricardo, solícito como sempre, conversou com o Musicaria Brasil e falou, dentre outras coisas, da dificuldade de fazer música independente em nosso país, de suas pretensões em cair na estrada apresentando esse projeto, de como foi a escolha do repertório, do seu lado compositor além de diversas informações acerca de sua carreira como vocês podem conferir nesta entrevista exclusiva. Boa leitura!



Os trabalhos que antecedem “Vozvioeletronicamante – Ricardo Machado canta Stevie Wonder” são materiais que abordam predominantemente o cancioneiro brasileiro. Você sente-se à vontade fazendo esta incursão com canções em outro idioma?

RM - Que bom voltar ao Musicaria. Uma grande honra!
Me senti muito à vontade cantando em inglês. Sempre quis gravar um disco em outro idioma. Não faria, no meu modo de pensar, antes de homenagear  músicos de meu país, como fiz nos trabalhos anteriores. Achei  então, que o momento era este e a repercussão está sendo muito bacana principalmente de pessoas mais jovens ,talvez por ser um disco com uma sonoridade  mais pop.


Resumir 50 anos de uma exitosa carreira como a do Stevie de modo tão bem traçado não é fácil e você conseguiu. Uma pergunta que provavelmente você deve ouvir com frequência é de como se deu a escolha do repertório do álbum. Como foi esse processo?

RM - Que bom, obrigado! Claro que foi uma escolha sofrível, mas ao mesmo tempo, de boas recordações. Sofrível porque precisamos “limar” canções que amamos, que não cabem numa “levada” mais brasileira porém, repleta de recordações felizes de um tempo de músicas muito expressivas e eternas. Sei também que muita coisa boa ficou de fora. Fui lembrando dos álbuns do Stevie Wonder e depois de escutar praticamente tudo, selecionei este repertório.


Por que a escolha de três canções do um álbum que traz como característica um título tão forte como ‘Songs in the Key of Life’ de 1972?

RM - Se trata do álbum mais significativo para mim. Realmente é forte mesmo ,basta dizer que o próprio S.W. sonhara com este título antes de batizar o álbum.  Era um disco duplo, ambicioso, belíssimo. Foi ganhador de Grammy, e deu a Stevie Wonder o Grammy de melhor cantor. Talvez seja o mais significativo até hoje, tanto que é considerado pela Billboard, um dos 200 melhores discos de todos os tempos. Mas isto não foi o que mais pesou. Lembrei  de duas canções. Quando fui ouvir a discografia novamente, vi que eram todas  do “Songs in the Key of Life”. Acho que foi meio “auto sugestivo”  já que este álbum nunca saíra de minha cabeça. A primeira,  “Isn’t she lovely”, é uma homenagem do Stevie Wonder à sua filha Aisha (um nome de origem Árabe, que significa :”A que está  viva”). A segunda, ”Sir Duke”, homenagem ao mestre Duke Ellington, onde o naipe de sopros original foi substituído por uma viola dissonante e muito louca no melhor dos sentidos. A terceira, “Nigulela-Es Uma Historia-I am singing”, foi sugerida por uma amiga. Falo isso na ficha técnica. É uma canção que não me chamava atenção até então, mas que tem uma mensagem linda , que me cativou, é feliz e por isso, fecha o disco. Esta música fala e nos convida a cantar o amor, o amor que cada um carrega dentro de si. Uma curiosidade, é que eu estava tenso no dia desta gravação porque ela exige, no meio da música, que se suba o tom em uma oitava, depois desça novamente e ao final, suba novamente uma oitava, e eu estava muito gripado. Saiu na base da adrenalina! (risos)


A sonoridade de “Vozvioeletronicamante” é, digamos, bastante enxuta. Falo isso porque ele não apresenta muitos dos elementos sonoros que marcaram as gravações originais do Stevie. Como foi a concepção dos arranjos para a textura sonora deste disco? Você não hesitou em arriscar-se a transformar canções com uma sonoridade tão marcante a partir de uma nova concepção de arranjos e elementos sonoros?

RM -  Queria um disco que não fosse longo nem soasse pretensioso e que tivesse uma sonoridade minimalista e com um canto mais econômico, sabendo de todos os riscos a que me expus, diferente do lirismo do Cd “A sombra confia ao vento”, que exigia uma maneira de cantar mais visceral. Foi um dilema. A única canção que canto para fora, com volume vocal maior, vibratos em algumas frases, é “Lately”, porque vi que não seria possível tirar o tom passional  que ela exige. Nas demais, procurei cantar mais flat, mais contido e econômico, sem perder o foco deste projeto: cantar Stevie Wonder  com respeito mas ao meu modo.
Para este processo, o Heitor Brandão, músico incrível, arranjador, que tocou o violão e o teclado, foi fundamental. Ele entendeu esta vontade que eu tinha de fazer arranjos que, quando começassem, em nada pudessem lembrar os originais e fossem discretos e respeitosos ao mesmo tempo, com uma “pegada” brasileira. Então, este círculo se fechou com o Eric Brandão, que foi igualmente compreensivo e competente na inserção das programações eletrônicas.


Vez por outra você exercita o seu lado compositor como aconteceu a pouco tempo atrás quando juntamente com o Sérgio Natureza você compôs a canção “Vinhas”. Você já cogitou algum dia a possibilidade de um álbum autoral?

RM - Tenho vontade de fazer um disco autoral, mas, em cima da hora, encontro um projeto de releituras que me encanta. “Vinhas”(letra de Sérgio Natureza arranjos do grande músico Ricardo Calafate, que fez os arranjos também do Cd anterior) foi um grande presente do mestre Sérgio Natureza, que musiquei. Natureza é  um músico generoso  com  quem faz música independente  e que me deu muita força no disco  anterior. Não me conhecia e o disco foi parar nas mãos dele que gostou e foi um grande incentivador. Ficamos amigos e viramos parceiros, se assim me permitam dizer. Uma grande honra. Mas confesso que sou preguiçoso para compor ou musicar. Quem sabe um dia eu grave um disco autoral. Seria mais um desafio.


A qualidade do repertório e a inusitada proposta em apresentar 150 anos de música brasileira fizeram “A sombra confia ao vento” (seu álbum anterior) chegar a indicação do maior prêmio da música popular brasileira, que é Prêmio da Música Brasileira. Você espera deste novo projeto uma repercussão semelhante?

RM - Prefiro não esperar para não gerar expectativas. Querer eu quero, mas prefiro deixar rolar. Este novo Cd, o “Vozvioletronicamente”, cantando Stevie Wonder, já foi enviado ao Prêmio, mas ,como foi lançado agora, em 2013, só concorrerá ao Prêmio da Música Brasileira em 2014, que se refere ao ano anterior. Estou na torcida. Só uma indicação, para um trabalho independente, já é uma vitória, penso eu. Vamos ver.


Sabemos que com o repertório que o Wonder tem daria para fazer série de discos com um alto padrão de qualidade. Como foi chegar a apenas essas 10 canções na escolha para o repertório que iria constituir o disco?

RM - Gravar dez músicas, basicamente, foi uma das metas: um disco que não ficasse cansativo de se ouvir. Depois, um álbum com músicas que me fossem significativas e que também o fossem para as pessoas que gostam de Stevie Wonder. Procurei algumas canções mais obscuras e outras muito conhecidas. Uma que ficou de fora, por exemplo, foi “Black Orchid” (Orquídea Negra). Quando comecei a cantar, não sentia verdade, não me comovia. A música é linda, mas era uma das que não achava um  modo brasileiro de cantar. Com muita dó, acabei limando. Mas em compensação achei “You and I”, talvez minha preferida do disco. Quando ouvi a gravação original, me deu vontade de chorar. Foi a mais difícil de gravar embora ela não exija muita extensão vocal. Foi o canto mais radical. Exigia precisão e notas longas, da forma que eu queria fazer,  e eu estava muito emocionado. Não tem um vibrato sequer, coisa muito presente no canto do mestre Wonder. Foi intencional para ficar de um jeito mais cool, embora, repito, as gravações originais sejam irretocáveis.
Mas não dá pra gravar tudo, e alguns mega hits, não me cativavam.
Uma amigo perguntou, depois de ver o repertório:
 - Mas você não  gravou “I just called  to say I love You”?
Achei engraçado o tom da cobrança! (risos)


E a questão dos direitos autorais? Gravar um repertório como o do Stevie Wonder não é algo barato. Baseado nesse contexto gostaria de fazer duas perguntas Como é fazer música independente no Brasil levando em consideração não só este aspecto citado anteriormente, mais todos os entraves existentes sem nenhum respaldo?

RM - Direitos autorais para quem faz música independente são um pesadelo. Sou a favor deles, claro, pois o dono da obra precisa receber pelo seu trabalho. Só que não entendo o critério de cobrança, de valores, quando se deveria incentivar que músicos ou artistas independentes pudessem ter condições de circular neste mercado, já que, ao mesmo tempo, estariam movimentando grana, prestigiando financeira e artisticamente um autor, cantor, ou detentor de uma obra. Confesso que o projeto só saiu porque a produção foi muito enxuta, pela sonoridade que eu desejava imprimir. O que foi pago de direito autoral neste projeto, se eu desejasse arranjos grandiloquentes, não rolaria. Enfim, acho que para ganhar, não precisamos perder, e muitos trabalhos ficam engavetados por este motivo.


Stevie Wonder é conhecido como um músico versátil, capaz de tocar diversos instrumentos, fazendo sua música ser marcada por uma gama sonora estonteante. De repente você aborda essa obra caracterizada por uma forte e marcante sonoridade com o som de um violão e algumas discretas incursões eletrônicas. Como se deu a concepção desse projeto, digamos, acústico? Conte-nos, por gentileza, como se deu a escolha das faixas que haveria a necessidade da inserção de toques eletrônicos, arranjos e etc.

RM - Basicamente, a vontade era de radicalizar. Mudar a sonoridade. Diferenciar das gravações originais sem desrespeitá-las, sem “mutilar” nada . Não mudo a linha melódica do canto, a harmonia básica, não invento notas ou acordes para dizer que está diferente. Acho desrespeitoso. Apenas canto diferente, do meu jeito, mas você reconhece  cada canção, e ali, procuro  homenagear este grande mito. É um disco com um jeito brasileiro de cantar. Baixei os tons da maioria das canções, cantando numa região pouco explorada por mim, de graves profundos, que em alguns tenores costuma aparecer depois dos 40 (tenho 43), como em “Ribbon in the Sky” e “You are the Sunshine of my life”. Aliás, gostei muito da experiência. (Risos). A primeira, eu tinha gravado uma oitava acima. Era agudíssima. Não estava me passando tranquilidade e, neste caso, não combinava com a levada sofisticada do Heitor e com o arranjo eletrônico discreto do Eric. Fiquei quebrando a cabeça até que mostrei para um amigo, músico, que me sugeriu: Faz uma oitava abaixo. Pronto! Estava ali, naquela escolha, toda a verdade da música.
Noutras, cantei em tons médios e somente em duas ou 3 mantive os tons originais. Em “All  in love  is fair”, procurei cantar num tom alto, mais agudo, região mais característica de minha voz, mas a música é passional, ficava bacana, e para terminar numa nota grave, precisava cantar lá em cima. “Overjoyed” é outra que mantive o tom original.
Quando comecei, seria apenas voz e violão. Depois de gravadas as bases, vi que pequenas inserções de eletrônica, discretas para não parecer remixes, trariam uma ar de modernidade ao projeto. Todas as dez faixas foram pensadas então para receber uma linha de arranjo eletrônico sutil e dentro do que eu pensava, mas, vi que 4 delas ficavam mais bonitas sem arranjo eletrônico algum, que embora, ousados, tiravam a emoção , a  pureza e a “limpeza” da forma de cantar que elas exigiam. E assim, deu-se o projeto. A única que é voz e teclado, é “Lately”. 


Apesar da boa repercussão tanto de crítica quanto do público “A sombra confia ao vento” (seu álbum anterior) não chegou a ser apresentado ao grande público. Gostaria de saber se há a possibilidade de vermos esse tributo a Stevie Wonder ganhar a estrada?

RM - Claro! Estou sempre aberto a apresentar o trabalho de estúdio ao vivo, até porque, apesar de sempre ter preferido registrar meus projetos em Cds, procuro gravar de um  jeito que possamos reproduzi-los ao vivo, com a mesma emissão, a mesma técnica vocal, sem recursos digitais que “inventem” uma voz que tirasse a verdade do canto. Mas, se para quem  já é conhecido do grande público e luta por uma boa música, os incentivos são pequenos, imagine para um artista independente e idealista como eu. Sem um patrocínio, este projeto se torna difícil, até porque, para fazer um show “tributo ao vivo”, preciso de autorização do dono da obra ou representante, ou seja, precisaria  contar com a liberação dos citados direitos autorais  e com os custos do projeto, que são muitos. Adoraria fazer e estou batalhando. A luta continua e este espaço precioso que o Musicaria oferece aos artistas independentes, nos faz acreditar que vale à pena lutar! Muito obrigado pelo espaço e um grande beijo no coração de todos.

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