Por Abílio Neto
O compositor João Leocádio da Silva, nascido em Arcoverde/PE, em 16/08/1935, no dia 23/06/2011, deu uma entrevista para o Diário de Pernambuco na qual passou a limpo essa história das suas parcerias com Luiz Gonzaga. Por não ser um homem de cultura igual a Zé Dantas ou Humberto Teixeira, Luiz Gonzaga se sentia muito à vontade com esse parceiro que foi muito importante na sua vida, do final da década de setenta até a sua morte, em 02/08/1989. Mas a parceria começou antes, em 1968, com a música “Meu Araripe”, homenagem ao centenário daquele lugar. Em 1964, Luiz Gonzaga gravou a primeira produção dele em conjunto com João do Vale: “Não Foi Surpresa”.
Percebe-se pela entrevista que o que eles fizeram na música foi parceria mesmo. Luiz Gonzaga dava o tema e depois que recebia as músicas sugeria alterações nas letras, nas melodias, enfim tudo o que fez com seus parceiros mais famosos. A mesma coisa que Jackson do Pandeiro também fazia com os seus.
Foi muita boa essa conversa registrada porque bate de frente com o conteúdo da reportagem de 20/06/2012, do JC de Pernambuco, na qual o jornalista José Teles fez João Silva se contradizer. Eu achei interessante isso, apesar de que tenho a maior admiração pelo seu trabalho. O maior sucesso dele com Luiz Gonzaga foi a polca “Pagode Russo”, instrumental do sanfoneiro de Exu, que ganhou letra debochada de João Silva em 1984. Ao lado da obra antes citada estão as músicas “Nem se Despediu de Mim”, “Danado de Bom”, “Sanfoninha Choradeira”, “A Mulher do Sanfoneiro”, “Forró de Cabo a Rabo”, Vou Te Matar de Cheiro” e “Deixe a Tanga Voar” que também agradaram muito aos fãs de Gonzagão.
Mas vamos ao que José Teles “arrancou” de João Silva para atender a seus objetivos de manchar a memória de Luiz Gonzaga no ano do seu centenário:
“Eu fazia a música sozinho e a gente assinava junto. Ele nem tinha tempo de fazer música, viajava demais. Dava os temas, fazia sugestões, e eu compunha, mas sempre deixava uma brecha para ele mexer na música...”
O fato de deixar brecha para alguém mexer na música parece ser uma prática usual de João Silva. Das músicas que eu conheço dele (dizem que chega a 2.000), ele sempre precisou de uma escora, ou melhor, de um parceiro. Pouquíssimas ele assina sem companhia. Os selos dos discos de diversos artistas confirmam isso. Ele iria compor sozinho justamente para Luiz Gonzaga? Na reportagem, ainda é dito que ele entregou ao Rei do Baião 130 músicas. É inverídico isso: gravadas por Luiz Gonzaga (em parceria) eu somente conto 53 composições. E mais 16 músicas de João Silva com outros parceiros, todas gravadas por Gonzaga. No entanto, na aludida publicação, o jornalista reconhece que “curiosamente os últimos álbuns em que as parcerias foram feitas conjuntamente são os dois discos instrumentais derradeiros, Forrobodó Cigano e Luiz Gonzaga e sua sanfona, lançados tendo como sanfoneiro o maestro gaúcho Chiquinho de Moraes” (sic).
Ah, bom, um reconhecimento! Porém existe um erro monumental aí. O sanfoneiro em questão foi Chiquinho do Acordeon, cujo nome de registro era Romeu Seibel, gaúcho de Santa Cruz do Sul.
O livro “Vida de Viajante - A saga de Luiz Gonzaga”, de Domenique Dreyfus, trouxe às páginas 300, um depoimento muito interessante do compositor João Silva:
“Se eu for me encontrar com ele e ficarmos só trabalhando os dois, em uma hora saem três, quatro músicas. Mas ele não tem tempo nem de terminar uma música. Ele tem a idéia, o esboço da música e pronto, o parceiro que termine. Mas quando resolve compor, ele é bom. Nós fizemos ‘Forrofiar’ para Alcione em cinco minutos, no estúdio da RCA. (...) Nossa parceria é um casamento que deu certo até nas brigas. A gente briga muito porque eu bebo e ele não gosta, aí fica perguntando: você tá achando que é Vinícius de Moraes?”
Quando Gonzaga gravou o disco “Forró de Cabo a Rabo”, disse Pedro Cruz, seu produtor na época: “a gente percebeu que não havia a música que ia puxar o disco (que foi justamente essa). Faltava o gancho que passaria no rádio e daria o Disco de Ouro a Gonzaga. Todo mundo podia dar música a Gonzaga, mas as que aconteciam mesmo eram as que ele fazia com João Silva. Então nós chamamos ele: olha João, pegue uma suíte num hotel, pegue sua garrafa de uísque, chame Gonzaga e pelo amor de Deus, façam a música para amanhã”.
E assim foi feito. Os dois se juntaram, discutiram e por fim a música saiu. Disse Dominique que eles ficaram até altas horas da noite e que, quando o monstro ficou pronto, Gonzaga pegou a sanfona e João o gravador. Gravaram a música, mas Gonzaga avisou ao parceiro: “olha, agora acabou e eu quero me deitar. Vá pra sua suíte e pelo amor de Deus não fique tocando violão que eu quero dormir”. No dia seguinte, Gonzaga escutou a gravação, ainda acrescentou uns versos, deu um jeito na música e com João Silva foi direto para a RCA. A fonte dessas informações foi o próprio João Silva que acrescentou: “A música foi um estouro total! Mas com três semanas, eu e Gonzaga já brigamos de novo, quando ele me disse: não quero mais conversa com cachaceiro”.
“Forró de Cabo a Rabo” recebeu dois discos de ouro e mais um de platina por conta das parcerias com o suposto “cachaceiro”.
Sinceramente, se o que João Silva disse a José Teles não o diminuiu junto a seus admiradores, pelo menos manchou um pouquinho aquela sua áurea de “o mais fiel parceiro” de Luiz Gonzaga. Eu o tenho em alta conta. Acho que dos parceiros de Gonzaga, ele é quem mais tem o cheiro do povo. Em uma festa na loja Passa Disco do Recife, no ano 2011, eu fui cumprimentá-lo porque ele é uma pessoa cativante e muito alegre. Não o questionei sobre o “problema” das parcerias, porém outro amigo que também o saudou chegou a abordá-lo sobre o tema. Leiam isto:
“No ano de 2011 estive com o “Padre” (as aspas são minhas) Bruno (Negromonte) em uma festividade na PASSA DISCO e conversamos com o compositor João da Silva, o principal parceiro de Luiz Gonzaga. Ele nos revelou que Gonzaga sempre participou das parcerias em todas as músicas que ele assinava como compositor. Este encontro acima citado poderá ser comprovado no meu PERFIL do FACEBOOK, na parte de FOTOS e no álbum PASSADISCO, onde na 7ª foto poderá ser visto a constatação deste encontro”. (Jorge Macedo)
E aqui dou por encerrada esta série de três artigos que se põem como "o contraditório" ao libelo acusatório do jornalista e crítico musical José Teles no ano do centenário de Luiz Gonzaga. Garanto que o Rei do Baião não ficou menor depois daquela reportagem infeliz.
Vou colocar para tocar aqui um sensacional forró da dupla (Luiz Gonzaga e João Silva): é a música “Forrofiar”, na belíssima interpretação de Alcione:
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