Por Mariana Dantas, do NE10
Aos sete anos de idade, em cima de um tamborete, ela já comandava as rodas de coco da comunidade de Amaro Branco, em Olinda. Aprendeu a cantar e a tocar ganzá com a avó e a mãe, que ficavam ao seu lado, apreciando a cria animar o público. Sem energia elétrica, a luz era na base do candeeiro. A menina de pés descalços só parava a dança quando todo o querosene queimava. O amor pelo coco cresceu com o passar do tempo. Aos 78 anos de idade, três casamentos, 12 filhos (sendo oito vivos) e vários netos, Maria da Glória Braz de Almeida, mais conhecida como Dona Glorinha do Coco, continua comandado como ninguém as festas da sua comunidade.
"Pra mim o coco é tudo, é o que eu gosto de fazer. Brinco que não sou do coco, sou da raiz do coco", afirma Dona Glorinha. Quando se define como "raiz do coco", ela tem respaldo para isso. A sua avó, Joana de Belém, nasceu escrava de um senhor de engenho do município de Catende. "Minha avó contava que o coco veio da África e, além de divertir, era uma forma de resistência. Quando era obrigada a quebrar semente de milho ou de café na senzala, gostava de cantar o verso 'Samba nego, branco não vem cá. Se vier, pau a de levar'. Era um desabafo", explica Glorinha.
Ainda adolescente, Joana Belém conseguiu fugir do engenho e encontrou abrigo na comunidade de Amaro Branco. Isso ocorreu poucos anos antes da Abolição da Escravatura, em 13 de maio de 1888. E foi na comunidade de Olinda que Joana Belém conheceu o avô de Glorinha, com quem teve uma linda história de amor. Joana teve 10 filhos e viveu até os 105 anos de idade. "Ela nunca casou no papel e quando a gente perguntava, respondia: casado é aquele que bem vive".
O coco que aprendeu na senzala, Joana Belém fez questão de passar para os filhos. Maria Belém, mãe de Glorinha do Coco, foi a filha mais apaixonada. "Com o incentivo da minha avó, minha mãe se tornou a coquista mais respeitada de Amaro Branco. E eu achava tudo aquilo maravilhoso. Me lembro das rodas de coco que fazíamos nos dias de procissão. Depois de rezar para Santo Antônio, São Pedro, São João e Nossa Senhora a Conceição, minha mãe e avó abriam a roda. Era uma beleza", conta.
Hoje quem comanda a festa no comunidade é Glorinha. No dia de São João, 24 de junho, é ela quem abre a roda e canta o coco até o dia amanhecer. Também faz parte do grupo Coco do Pneu, que se apresenta uma vez por mês na comunidade. Simpática e cheia de energia, Glorinha também é vaidosa. Adora usar chapéus e o seu preferido é um enfeitado com laços de cetim na cor rosa. "Pedi para minha filha comprar esse chapéu no Centro do Recife, perto do Mercado de São José. Quando estou com ele, me sinto muito bem no palco. O pessoal já conhece. Lá vem a vozinha do chapéu. É o que escuto quando chego nos lugares", disse.
O grupo que se apresenta com Dona Glorinha é formado por moradores da comunidade. De todos os seus filhos e netos, só uma neta (Renata) herdou o amor pelo coco. Ela é dançarina, ao lado de Ritinha da Garrafa, uma senhora de 88 anos que dança o coco com uma garrafa PET de dois litros na cabeça, cheia de água - é uma atração à parte. O grupo é formado ainda por Dione (segunda voz), Viola (bombo), Carlinhos Cavalo (zabumba), Isa Melo (ganzar), Lú Pneu (Bombo) e Jesus (Conga).
Orgulhosa ao afirmar que a sua comunidade hoje conta com muitos jovens coquistas, ao mesmo tempo, Dona Glorinha se mostra conservadora quando se trata de novas sonoridades musicais. "Sou da época das apresentações apenas com a garganta, sem microfone, o bombo e o ganzá. Hoje até sanfona querem usar no coco. Nunca vi isso. Sou da velha guarda mesmo", afirma.
Ela também fez questão de falar sobre a importância dos antigos mestres e coquistas. "Há 20 anos, ninguém falava de coco. Quem levantou a bandeira do ritmo em Olinda foi dona Selma do Coco, que tenho como grande amiga. Várias vezes a polícia mandava parar as rodas que ela comandava. Ela resistia e, no fim de semana seguinte, estava lá novamente. Graças a sua resistência e de vários outros mestres, o coco é reconhecido", disse.
O PRIMEIRO CD - O reconhecimento também chegou para Dona Glorinha. No ano passado, surgiu a oportunidade de gravar o primeiro CD, com patrocínio do Funcultura. Mesmo com várias canções já escritas, Glorinha preferiu homenagear a mãe no seu primeiro álbum. É de Maria Belém todas as músicas - exceto uma (João Pessoa), considerada de domínio público. "Sei tudo decorado. Só fiz colocar no papel. Estou muito feliz em poder homenageá-la", disse Glorinha. As letras abordam o cotidiano e as relações sociais. A canção "Chora o noivo e chora a noiva", por exemplo, fala sobre a saudade que os jovens recém-casados sentem da vida de solteiro e da casa dos pais.
"Já a música Catolé leva o nome de um fruto do interior, que dentro é doce, mas quando a gente morde, é amargo. Por isso a letra catolé é doce que só mel, mas a casca é amarga que nem fel", explicou a coquista. Graças ao CD lançado em 2012, Glorinha recebeu o convite para se apresentar em Portugal, no último dia 7 de março, dentro da programação do ano do Brasil em Portugal. Em junho está com viagem marcada para o estado de Minas Gerais.
Além das rodas de coco, Dona Glorinha é apaixonada pelo frevo. Ela é presidente do Bloco do Pescador, que desfila em Amaro Branco há 14 anos, na segunda-feira de Carnaval. Os bonecos gigantes do bloco (o Pescador e o Filho do Pescador) ficam guardados na casa dela. Fez questão de mostrar para a reportagem do NE10 a informação escrita no peito de uma das esculturas "Pertence a Dona Glorinha". Também pediu para que o boneco ficasse ao seu lado durante a entrevista. "Eles são o meu xodó", disse.
Salve Dona Glorinha! Excelentes informações. Parabéns
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